O Trabalho Sexual Está Vivo em Portugal

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O texto explicativo pode ser lido aqui.

33 comentários:

Tiago Ribeiro disse...

Olha que eu acho que consigo. Posso tentar?

Anônimo disse...

Que nojo! Voçê (autor do blogue) vendeu a alma ao Diabo. Diria neste caso que é um assalariado do Zebedeu. Vade retro Satanás!!!

Tiago Ribeiro disse...

VoCê, Anônimo, voCê.

fode tudo disse...

prostituiçao....
profissao mais antiga desde sempre....
so la vai quem quer, so la esta quem quer.
se não quisesem la estar bem que podiam ir lavar escadas ou trabalhar no lixo ou no macdonalds.
e como isto anda (€) só la vai quem pode.

Anônimo disse...

Complicado chamar a exploração sexual de "trabalho sexual". Qualquer dia, em vez de combater a marginalização social que obriga as pessoas a prostituírem-se, andamos a combater a fuga aos impostos dos/as prostitutos/as.

Andrea Peniche disse...

E o trabalho intelectual não é exploração? Mas nem por isso deixa de ser trabalho.

Anônimo disse...

Todo o trabalho é exploração. Distingue-se, contudo, na necessidade socialmente sentida de combater as causas (estruturais/sociais, será preciso dizê-lo?) que levam as pessoas a prostituir-se; e não se pretender nada de semelhante acerca daquelas causas que levam as pessoas a dar aulas. Alguma diferença deve haver!!!

Andrea Peniche disse...

Com certeza que há diferença e ela está toda na sacralização, ou não, do corpo.

Diogo disse...

"O trabalho sexual está vivo em Portugal"

Que espectáculo!! Bora! Onde é que é a festa?

Andrea Peniche disse...

Todos os dias, nos sítios do costume. Só não vê quem não quer.

Anônimo disse...

Acho saudável este debate, mas o espaço de comentários pequeno para explicar a minha posição. Por isso, comentei o post aqui: http://falaferreira.wordpress.com/2010/05/29/notas-sobre-a-ideia-de-trabalho-sexual/

Frederica Jordão disse...

falaferreira, compreendo bem a tua posição, concordo com muitos pontos, nomeadamente quando falas no papel dos/as exploradores/as das pessoas em situação de prostituição ou do mero papel regulador do estado nestas matérias.
Uma das coisas que os/as profissionais do sexo discutem é que a alteração das leis relativamente à não criminalização das práticas lhes permitiria ser "patrões/oas de si próprios/as", excluindo a figura do/a proxeneta.
Não gostaria que a prostituição fosse vista como uma profissão, que pudesse marcar a agenda e a identidade de quem recorre a este meio para ganhar a vida, mas são os/as próprios/as a pedir este apoio, a avançar com esta solução, como se viu há bem pouco tempo na África do Sul, a propósito do Mundial de futebol, em que as próprias prostitutas pedem ao Governo que esteja atento, que apoio a sensibilização para o uso do preservativo e que não se limite a "varrer" estas pessoas das ruas principais.
Teoricamente, a dignidade e os valores que civilizacionalmente atribuímos à Pessoa, são válidos e justos e deveriam nortear a acção em casos destes, mas na prática quem segue esta via e todos/as aqueles/as preocupados/as com a sua saúde e dignidade não podem esquecer a rudeza do dia-a-dia, da falta de escrúpulo, da indiferença, na segregação no acesso à saúde, à educação e à protecção.

Anônimo disse...

Olá Frederica! Bom ler-te. O meu problema não é teórico nem de princípio. A estratégia desta campanha, baseada na equiparação da prostituição a uma profissão qualquer (patente nas expressões "trabalho sexual" e "profissional do sexo") é perigosa. Porque mudar o modo como as pessoas comuns olham para a prostituta/o (mudar a sacralização, para usar uma palavra que parece cara a Andrea) implica mudar o modo como as pessoas olham para o proxeneta, porque essas coisas não são separáveis. Esta estratégia arrisca-se a criar contradições no movimento, sobretudo se começar a ter sucesso. Os proxenetas de casas de luxo seguramente se aproveitarão da oportunidade para legalizar o seu negócio (lhes bastaria falar de "empresário do sexo" para irem à boleia do movimento). E aí, como sempre, o poder e o dinheiro falará mais alto, em prejuízo das prostitutos/as.
Uma solução passaria por trabalhar com o conceito de cidadão! Todas os direitos que referes deveriam ser concedidos somente pelo facto de terem uma cédula de nascimento.

Anônimo disse...

Nem por acaso, descobri isto no "Tempo das cerejas": http://www.campo-letras.pt/newsletter_planetasexo.html Alguém já leu? Estou em crise de dívida também!!!

Andrea Peniche disse...

Que bela e interessante discussão aqui vai!
A primeira clarificação que acho necessária é a da necessidade de não confundir trabalho sexual com prostituição. A prostituição é uma pequena parte do trabalho sexual, que é uma enorme economia paralela que movimenta milhões.
Quanto às prostitutas, acho que temos todas e todos muito a aprender sobre este assunto com elas (e eles). Digo isto sem qualquer espécie de sobranceria até porque eu não tenho qualquer espécie de activismo nesta matéria (infelizmente), apenas muita curiosidade e interesse. E das discussões em que participo, com activistas que andam no terreno, há coisas que aprendo e que vão mudando e moldando a minha forma de pensar, também ela um bocadinho salvífica há um bom par de anos. E as prostitutas têm as coisas muito claras na sua cabeça: trabalho é trabalho e o resto é outra vida. Dizem que não vendem o corpo, alugam-no. Reclamam que são discriminadas, por exemplo, no acesso ao crédito, porque vivem da economia informal, que não se podem queixar de maus tratos porque o seu trabalho não só não é reconhecido como é estigmatizado, que os seus filhos são discriminados em virtude da actividade das mães, que são obrigadas a vidas paralelas... Mas as prostitutas são mães e companheiras como as outras: com filhos, maridos, namorados... reproduzindo na perfeição o status quo. O que as diferencia das outras mulheres é o facto de terem um trabalho estigmatizado. (continua)

Andrea Peniche disse...

Acho que é importante regular esta economia informal para que sejam impostas regras e se proteja quem trabalha: prostitutas, actrizes, bailarinas... E é preciso retirar o estigma que paira sobre elas e sobre a actividade que desenvolvem.
Quanto aos proxenetas, como no resto da organização social do trabalho, a auto-organização é o meu horizonte! Deixando de lado os chavões, aquilo que me parece é que precisamente o reconhecimento do trabalho sexual, porque ele existe, empodera estas mulheres, torna-as capazes de serem gestoras do seu próprio negócio. O estigma é o pior inimigo delas, é ele que cria parte da necessidade do proxeneta, que, teoricamente, as defende das agressões e organiza o seu trabalho. Haverá sempre alguém que vive da exploração da força de trabalho das outras pessoas. Isso é verdade, mas o problema aqui não é a prostituição, é o capitalismo.
Quanto ao exemplo da obrigatoriedade de se aceitar, no Instituto de Emprego, um trabalho como prostituta, posso responder-te que defendo que não sejamos obrigadas/os a aceitar qualquer tipo de trabalho. Mas isso seria chutar para canto porque a questão que procuras levantar é outra e, essa sim, tem que ver com a sacralização do corpo. Dessacralizar o corpo significa romper com o papel que, a nós mulheres, nos coube na rifa: virgens, prostitutas e mães. As mulheres são reduzidas à sua condição sexual, são corpo ao serviço dos outros e nada mais. E por isso é que é necessário romper com essa lógica e repôr o TAMBÉM que a tradição misógina insiste em fazer desaparecer: as mulheres são TAMBÉM mães, também corpo, também sexo...
Se a segunda vaga do feminismo colocou a questão do direito ao corpo de uma forma extraordinária, se devolveu o controlo do corpo às suas legítimas «proprietárias», na verdade também não ultrapassou a aura sagrada que o envolvia e continua a envolver. E por isso é que acho que é tão importante devolver o controlo do corpo às mulheres e limpá-lo de moralismos. Se uma mulher considera que o seu corpo, leia-se sexo, é uma forma de ganhar a vida e reclama respeito pela sua escolha, quem sou eu para condenar? Nós alugamos diariamente os nossos neurónios alimentando a cadeia da exploração. Só aceitando que o corpo não é sagrado é que conseguimos desestigmatizar a prostituição e reconhecê-la como trabalho. A visão romântica do sexo aprisiona-nos no sagrado. E o ridículo é que todas e todos nós partilhamos destas ideias e todas e todos nós (ou quase!) fazemos simultaneamente o contrário. Nada tenho contra o romantismo (pelo contrário) mas também sei que os modos de vida são diversos e legítimos.
Sagrado, como dizem as prostitutas, é a sua família, as suas relações amorosas, tudo o resto é trabalho. A forma como nos relacionamos com isto é que reclama de nós uma abertura e uma predisposição para rompermos com os ferretes patriarcais. É mais fácil dizê-lo que fazê-lo, mas estarmos disponíveis para o pensarmos é o começo de uma mudança.

Anônimo disse...

Olá Andrea. Um prazer trocar galhardetes consigo.
Talvez seja a minha experiência pessoal que me faz ter uma posição distinta. Aos 17 anos, ouvi um actor (penso que foi o José Raposo) a dizer: "faço o que gosto e ainda por cima pagam-me". Decidi procurar um emprego assim, e encontrei-o na investigação social aplicada junto a activistas sociais (até agora, os que trabalham com camponeses na América Latina e África). Por outro lado, a única ex-"trabalhadora sexual" (para usar o seu termo, que não gosto e penso que já ficou claro porquê) que conheço, chegou a essa condição devido a uma situação familiar complexa que gradualmente se foi degradando; não por uma opção profissional que se possa assemelhar à minha. Estas duas imagens fazem-me crer que o "trabalho sexual" está nos antípodas daquilo que eu considero trabalho. Como você afirma "As prostitutas têm as coisas muito claras na sua cabeça: trabalho é trabalho e o resto é outra vida". Eu tenho outra noção de trabalho: o meu trabalho é um terço da minha vida; sendo que o outro terço o passo a dormir, o trabalho é metade da minha vida útil. É por isso que estou mais com a Frederica quando ela afirma "não gostaria que a prostituição fosse vista como uma profissão, que pudesse marcar a agenda e a identidade de quem recorre a este meio para ganhar a vida", do que consigo quando afirma: "Se uma mulher considera que o seu corpo, leia-se sexo, é uma forma de ganhar a vida e reclama respeito pela sua escolha, quem sou eu para condenar?" É por isso que a mudança política, para mim, tem de estar a montante da "decisão" de enveredar por essa "profissão" (que evite que as mulheres e homens tomem essa decisão que, pelo que vi nunca é verdadeiramente uma decisão, ainda que só tenha visto um caso).

Andrea Peniche disse...

Não sei responder à questão se a prostituição é «verdadeiramente uma decisão». A forma que temos de ganhar a vida é uma escolha entre possíveis. Não sei se a maioria das prostitutas tinha mais possíveis em carteira ou não. Sei que há algumas que o escolheram conscientemente; imagino que a maioria o faça por falta de alternativa. A verdadeira questão, a tal a montante, é, pois, sobre a falta de alternativas, sobre podermos fazer aquilo que gostamos e sermos remuneradas/os por isso. Mas defendo isto tanto para as prostitutas como para as empregadas domésticas ou para outra qualquer profissão.
O problema das mulheres que escolhem (com todas as aspas que achar necessário) a prostituição é o facto de estarem a escolher um trabalho estigmatizado. E isso deve ser doloroso à brava. Ninguém (generalizando) gosta de sofrer e ser estigmatizado. Por isso é que, precisamente, me parece importante que seja considerado trabalho, no sentido que esta designação retira o estigma e empodera estas mulheres, retirando-as do terreno fértil da vitimização que, necessariamente, a sua escolha acarreta, contribuindo para romper com os estereótipos que temos sobre a prostituição e sobre as prostitutas.
O ano passado, em Lisboa, e este ano em Lisboa e no Porto, algumas prostitutas desfilaram na parada do mayday reclamando precisamente que «trabalho sexual é trabalho».
O trabalho de investigação da Alexandra Oliveira (que publicou o livro «Vendedoras de ilusões. Estudo sobre prostituição, alterne e striptease) é com prostitutas que escolheram sê-lo e que têm uma auto-imagem que rompe com os estereótipos a que estamos habituadas/os.
Aquilo que tenho pena é que estejamos confinadas/os a esta caixa de comentários porque, parece-me, apesar de termos ideias diferentes a discussão vai boa.
Deixo aqui um link para um vídeo com a Alexandra Oliveira http://jpn.icicom.up.pt/2009/09/01/video_investigar_a_prostituicao_experienciando_todos_os_aspectos.html como aperitivo para a continuação da discussão. ;)

Anônimo disse...

Olá Andrea. O trabalho da Alexandra Oliveira, até onde li, desfaz alguns mitos interessantes. Por exemplo, sendo a personagem "diabólica" nesta história o proxeneta, ela vem afirmar que ele não está muito presente. Contudo, creio que o nosso ponto de discórdia continua a ser resultado do ângulo de donde vemos o problema.
Equiparar a prostituição a profissão implica alterar não só a atitude que temos em relação aos trabalhadores/as sexuais(o que seria positivo), como em relação a outros aspectos da profissão. E, em relação a alguns destes, fico com muitas dúvidas se isto representa um avanço social.
O que se trata aqui é de equiparar o valor da prostituição (moral e não monetário) a todas as outras profissões e não só da prostituta a uma profissional qualquer. O valor da profissão define o valor do profissional antes que o contrário aconteça (um mau médico será sempre "melhor" que um bom empregado de limpeza, aos olhos dos outros).
Trata-se de aceitar, ao mesmo tempo e às vezes sem termos consciência disso, que é tão normal ir à procura de uma prostituta como ir a bar à procura de uma cerveja. Esta ideia, apesar de não concordar, não me incomoda aceitá-la. Mas existem outras que sim, me incomodam.
O caso da perda de subsídio de desemprego da jovem alemã (noticiado no Destak) que recusou a oferta de emprego num bordel não é somente um caso extraordinário. Quer dizer que alemães, apesar da legalização, e nós sem ela, ainda não consideram uma profissão igual às outras. Se de uma oferta para trabalhar num bar se tratasse a reacção não era semelhante.
De outro ângulo: estamos dispostos a que o crescimento da prostituição terá de deixe de ser visto como um indicador de depauperação dos salários para ser um indicador de crescimento do emprego?
Ou ainda: numa sociedade utópica, aquela que não se coloca aos trabalhadoras/os sexuais, mas que se coloca a nós todos os dias que fazemos política, haverá trabalho sexual? Isto é, pessoas que escolham alugar o corpo como forma de vida e pessoas dispostas a pagar por sexo?
Repara: sei bem que a oportunidade de viver numa sociedade utópica nunca se vai colocar às pessoas que alugam o seu corpo e que é preciso resolver o seu problema.
Mas enquanto acreditarmos que numa sociedade perfeita não haverá necessidade das mulheres e homens alugarem o seu corpo não olharemos a prostituição como uma profissão igual às outras. Enquanto perder o subsídio de desemprego pela recusa de um emprego num bordel nos ofender mais do que perdê-lo por recusar-se a trabalhar como empregada de escritório, não olharemos o trabalho sexual como um trabalho igual aos outros.
Essa campanha pede que nós mudemos a nossa forma de ver o trabalho sexual. Mas as implicações disso são muito mais amplas daquelas que a campanha antecipa.
Eu temo que o feitiço possa virar-se contra o feiticeiro.

Andrea Peniche disse...

Creio que concordarás comigo quando digo que sobre a sociedade utópica, o socialismo (ou comunismo, se quiseres), temos mais incertezas do que certezas e que é saudável que assim seja. Mais, quando falo de socialismo falo efectivamente de utopia no sentido em que não reconheço o dito socialismo real como aproximação sequer daquilo que eu desejo que o socialismo, em toda a sua plenitude, seja ou venha a ser. Assim, sobre como será o que quer que seja no socialismo, o que posso fazer é um mero exercício especulativo que cruze o meu desejo com aquilo que eu acho que tem condições para poder vir a ser.
Não creio que no socialismo deixe de haver trabalhadoras/es sexuais e pessoas que recorrem a serviços sexuais. O que me parece que o socialismo poderá trazer de substancialmente diferente é a anulação das razões (sejam elas económicas ou de outra ordem qualquer) que violentem as pessoas, isto é, aquilo que eu espero do socialismo é que todas e todos possamos exercer uma profissão que, se não nos der prazer pelo menos não nos violente. E isto é válido para a metalurgia como para o trabalho sexual. E como acho que o socialismo não será uma sociedade de rebanho bem comportado, de moral e pensamento únicos, ou seja, de um imobilismo entediante, acredito que haverá quem transaccione o seu corpo e quem recorra a esse serviço. A questão que, creio, devemos colocar a montante é outra: aceitamos ou não que o sexo possa ser transaccionável? E, na verdade, a mim não me incomoda essa ideia, nem no capitalismo nem no socialismo. Acho que só não é uma profissão como outra qualquer, no capitalismo, porque o controlo do corpo e do rendimento que dele advém não é exercido pelas/os próprias/os e porque há gente que exercendo esta actividade o faz com sofrimento mesmo que muito dele resulte do estigma e da moral sexual que nos domina a todas e todos. Porque não partilho a ideia de que o trabalho sexual seja necessariamente uma degradação do corpo, da auto-estima e da condição feminina acho que ele cabe na minha ideia de socialismo. Pelo contrário, a estigmatização, a subordinação e a violência de exercermos uma actividade que não queremos mas que se apresenta como condição de sobrevivência, não tem lugar no socialismo.
(continua)

Andrea Peniche disse...

Outra questão, para complexificar ainda mais: no socialismo, partindo da ideia de que ele não é possível sem revolução sexual, há lugar para o sexo pago, isto é, o socialismo tolera/aceita o/a cliente? E eu, mais uma vez, acho que sim. Não me repugna que alguém solicite um serviço sexual e que outro alguém preste o serviço. O amor romântico ensinou-nos a encarar o sexo como corolário de uma relação entre duas pessoas mas sabemos que ele é bem mais do que isso (nas suas infinitas combinações!). E eu, apesar de não acreditar em fadas, também gosto de contos de fadas, mas acho é que a vida é mais rica e complexa do que isso. Não indo sequer buscar o clássico exemplo do valor social do trabalho sexual na resposta, por exemplo, às necessidades das pessoas portadoras de deficiência, acho que a tensão, o paradoxo e o desejo de transgressão em que permanentemente vivemos, entre amor romântico e pulsão sexual, não são certas nem erradas, fazem antes parte da vida. E por isso não me repugna nada que no socialismo haja quem recorra a serviços sexuais e haja quem os preste.
Mais outra questão: como se poderá organizar a prestação de serviços sexuais no socialismo? Em verdadeiro exercício especulativo, o que me parece é que no socialismo não há espaço para o lenocínio, da mesma maneira que não o há para a exploração. Assim, parece-me, a auto-organização das/os trabalhadoras/es sexuais, individualmente ou em cooperativas, será uma possibilidade.
Todo este exercício especulativo para dizer que no presente, no capitalismo, a minha posição não é nem abolicionista nem salvífica. Só não considero o trabalho sexual um trabalho como outro qualquer porque sei que ele pode violentar brutalmente quem o exerce, no sentido que o faz por falta de alternativas. Também não é um trabalho como outro qualquer porque no tempo em que vivemos sexo é poder e, quem presta o serviço, está, aos olhos de quem o procura, numa posição subordinada. Assim, o que há a fazer é empoderar estas mulheres (e homens), é destruir a relação de subordinação. Falar em trabalho sexual é um primeiro passo para a desestigmatização, assim como pensar o sexo sem os espartilhos da moral contribui para que estas mulheres sejam vistas como profissionais e não como alguém que se degrada quotidianamente.
Também não é um trabalho como outro qualquer porque faz parte do pacote patriarcal e reaccionário da forma como a sexualidade é entendida e, nesse sentido, ninguém pode ser obrigado a exercer uma profissão que, aos olhos da sociedade (e, possivelmente dos seus próprios), não o é e que por isso violenta enormemente quem o tiver de exercer contra a sua vontade. Agora, quem decide encará-lo como tal deve ser respeitado e apoiado na sua decisão.
Mais uma vez digo que é mais fácil dizê-lo do que fazê-lo, mas enfim, é isto que vou pensando sobre o assunto.

Anônimo disse...

Olá Andreia. A minha proposta não foi especular sobre o trabalho social numa sociedade utópica mas argumentar algo que me é difícil por por palavras: mudar o valor (de Saurusse e não de Marx, portanto a posição moral de uma coisa em relação a todas as outras) do trabalho sexual implica muito mais do que livrar as/os trabalhadoras/es do estigma. Vou ver se as tuas palavras a ver se me ajuda. Implica, por exemplo, deixar-mos de encarar o sexo como o corolário de uma relação entre duas pessoas. Concordarás comigo que sem isso nunca vamos achar o trabalho sexual um trabalho; o sexo estará fora de lugar. Acho que o meu problema com esta campanha é não estar (ainda) disposto a modificar essa visão que tenho do mundo.

Anônimo disse...

Já agora, relembrando o ponto de partida para não haver equívocos. A minha questão foi sempre o uso da expressão de trabalho sexual nesta campanha e reconheço todas aquelas questões que a Frederica apontou acima (e que são apontadas no próprio manifesto da campanha). Analisando com cuidado, outras abordagens como pela cidadania, permitiriam essa luta, talvez com mais eficácia.

Anônimo disse...

Hoje recebi esta informação http://www.examiner.com/x-24740-Human-Rights-Examiner~y2010m5d26-Germans-legalized-prostitution-brought-more-exploitation-than-emancipation-of-women (Não asseguro que a fonte seja fidedigna)

Alexandra Oliveira disse...

Grande discussão, aqui vai.
Concordo com qualquer um dos argumentos da Andrea. Acrescentava apenas mais uma ou outra ideia. Antes de mais, informar que a citada notícia do Destak é falsa. Isso nunca aconteceu nem na Alemanha, nem em lado nenhum onde a prostituição é legal. É um daqueles casos em que uma mentira repetida muitas vezes é tida como verdade.
Depois dizer que a luta dos trabalhadores do sexo - é disso que se trata quando se fala em legalização, trabalho sexual é trabalho, etc - trata tão só, a meu ver, de exigir do Estado que reconheça formalmente uma actividade que existe na informalidade, na ilegalidade. Existe independedentemente de qualquer discussão sobre condicionalismos estruturais - e vai continuar a exiitir porque o tal mundo ideal não vai chegar tão cedo. Trata-se de lutar para que o conjunto das pessoas que fazem trabalho sexual possa ser reconhecida como tal, tratada com dignidade e tenha os mesmos direitos que estão assegurados aos outros trabalhadores. A ausência disto é o que existe cá actualmente: é a exploração desregulada, a falta de direitos básicos, a indiferença hipócrita de todos, a ausência de respostas policiais adequadas contra as agressões, a falta de protecção na doença, a marginalidade pelo facto de se ter uma profissão e ela não ser reconhecida. Mais: a inexistência, a clandestinidade, a falta de condições.
O que a prostituição tem de pior não é aquilo que a caracteriza, a troca de um serviço sexual por dinheiro, são as más condições em que ela é exercida. Manter este trabalho ilegal, não contribui para a melhoria destas condições. Apenas concorre para a sua manutenção.
O conhecimento aprofundado que tenho sobre estas questões faz-me sentir com legitimidade para defender o reconhecimento do trabalho sexual como um trabalho. Mas, há um facto que tenho muito presente nestas discussões: são as próprias pessoas que se prostituem, ou que fazem outros trabalhos sexuais, que defendem esse reconhecimento. Isso para mim basta-me. Elas, melhor do que ninguém, sabem o que é melhor para si. Foi uma prostituta quem, nos anos 60 do século XX, gizou a expressão trabalho sexual para que ele passasse a ser encarado como tal e para tentar acabar com a estigmatização.
E não caiamos no erro de achar que "nós" é que sabemos o que é melhor para "elas".
Abraço

Anônimo disse...

Ola Andreia
Bem-vinda ao debate. Eu só debato aquilo sobre o qual tenho dúvidas. Aquilo em que tenho certezas (como o Benfica ser o melhor clube em Portugal) não é motivo, para mim, de discussão. Mas, como a Frederica sabe, poucas coisas para mim não são motivo de discussão.
Depois de uma hora a escrever-lhe o que penso, porque sobretudo pensamos de ângulos diferentes e queria deixar isso claro, isto deu erro. Tinha escrito mais do que esta ferramenta de comentários permite.
Assim que não me sobrou outra solução que puxar, mais uma vez, esta discussão para o meu blog.
http://falaferreira.wordpress.com/2010/06/12/notas-sobre-a-ideia-de-trabalho-sexual-ii/

Abraços

Anônimo disse...

Ops. Equivoquei-me no "olá" do post anterior. Era para a Alexandra, e não para a Andrea. Agora fica "olá às duas". eheheh

Anônimo disse...

Acho que somente hoje eu compreendi o que quis dizer todo este tempo. (De facto, este debate mexeu comigo).
Uma campanha deste tipo, ao colocar a questão 'como melhorar as condições de vida dos|as prostitutas|os?' anula ao deixar de colocar, num passo de mágica, outra: 'porque é que essas pessoas estão aí?'. Dá por assentado que estão, como um licenciado está na caixa de um supermercado.
Isto desloca a discussão política (e por consequência a direcção das políticas públicas possíveis, no contexto de um Estado etilizado e patriarcal) de 'o que é preciso fazer para que não necessitem de estar aí?' para 'o que é preciso fazer para que estejam aí bem?'.

Anônimo disse...

Seria, portanto, necessário buscar maneiras de responder a uma questão (o que é preciso fazer para que estejam aí bem?) sem anular a outra (o que é preciso fazer para que não necessitem de estar aí?), como faz a campanha.
Ao tornar a prostituição sexual um trabalho torna-a tão natural ou normal como qualquer outro trabalho e, por isso mesmo, a segunda questão e as políticas públicas dela decorrentes deixam de fazer sentido.

Andrea Peniche disse...

Viva, falaferreira!
Temos uma divergência de fundo que não conseguimos resolver: tu és abolicionista e eu não. E sobre isso já esgriminos muitos argumentos.
Vou fazer-te um paralelismo que, creio, poderá trazer nova luz sobre aquilo em que assenta a minha posição. E o paralelismo que pretendo fazer é com a conceptualização do aborto.
A história da luta pela descriminalização do aborto mostra-nos que foi um erro abordá-lo como uma coisa má, mas que, enfim, existe. O enfoque dado a esta questão foi, durante muito tempo, sobre as condições económicas e sociais que apresentavam as mulheres que abortam como vítimas da pobreza, que não conseguiam levar as gravidezes até ao fim porque não tinham recursos económicos. A resposta da direita a isto foi: criem-se as respostas sociais necessárias para que as mulheres não tenham necessidade de recorrer ao aborto. E assim, de uma penada, a descriminalização deixava de fazer sentido e as mulheres permaneceriam no campo da vitimização e da transgressão. A maternidade era a norma e o aborto o desvio.
O amadurecimento do argumentário pró-escolha levou-nos a uma outra conceptualização. Apesar das condicionantes socieconomicos, descriminalizar é a resposta justa: o aborto é um direito e a maternidade uma escolha. Foi este discurso que permitiu retirar as mulheres do campo da vitimização e devolver-lhes o direito a decidirem sobre o seu corpo e a autonomia para construirem o seu projecto de vida. Retirar o espartilho moral foi a resposta vencedora e emancipadora. O discurso contrário, aquele que dizia «eu sou contra o aborto, mas...» foi perdedor e perpetuou por mais uns anos a política infame de perseguição das mulheres.
O argumento da pobreza não podia ser central no discurso pró-escolha porque permitia que a direita nos acantonasse exactamente com um discurso de esquerda. Aquilo que teve que ser feito foi empoderar as mulheres: donas do seu corpo, donas da sua vida. Só assim pudémos dizer que o aborto é um direito e a maternidade uma escolha e exigir ao Estado a capacidade de respeitar as escolhas das mulheres: legalizar o aborto e criar políticas sociais que permitam às mulheres que não têm renda suficiente levarem até ao fim uma gravidez desejada.
Com o trabalho sexual é mais ou menos a mesma coisa: enquanto não retirarmos o ferrete moral sobre os usos que as pessoas dão aos seus corpos, as mulheres não sairão do papel de vítimas. E isso, na minha opinião, atrasa a emancipação. Para que o trabalho sexual possa efectivamente ser uma escolha e não uma violência auto-inflingida, temos que deitar fora as apreciações morais. Por isso é que não sou abolicionista.
Passando a publicidade (agora estou a corar!) recomendo-te o meu livro, «Elas somos nós. O direito ao aborto como reivindicação democrática e cidadã», onde explano o que penso sobre o aborto e, creio, uso argumentos que podem ser úteis nesta discussão.
Abraço.

Anônimo disse...

A questão é complexa. Sinto sempre que falta algum bocado do meu argumento; mais vezes porque eu mesmo não o consigo verbalizar.
A contraposição com a liberalização do aborto ajuda. Tornar o aborto equivalente a outra qualquer medida contraceptiva, devolveu o (parte do) corpo à mulher. Porque, no fim de contas, é a mulher que define tomar ou não a pílula e o casal usar ou não o preservativo - é a mulher quem decide ou não fazer um aborto.
Contudo, não compete à mulher nem ao homem decidir ou não trabalhar. O trabalho impõe-se como uma necessidade desde a revolução industrial.
Na moral capitalista, os desempregados são preguiçosos. Tornar a prostituição legal é tornar a opção de não se prostituir ilegítima face a uma situação de desemprego. É tornar ilegítimo todas as medidas do governo face à situação de desempregado, quando a prostituição sexual ainda é uma opção. (A notícia no Destak pode ser falsa, mas é sugestiva.)
Posso me enganar, mas legalizar a prostituição não é devolver o corpo à mulher; é passá-lo das mãos da igreja (a direita moralista) para as mãos do capitalismo (a direita económica). Vale mesmo perguntar que lado da discussão à esquerda abra as portar ao acantonamento da direita. Provavelmente, os dois... mas duas direitas diferentes.
Aliás, falando em livros, já leste a "Grande transformação" de Polany? Vale a pena ver ali o que foi necessário para transformar a força de trabalho em produto de mercado. E, a partir disso, prospectar o que implica transformar o sexo em produto de mercado.
Quanto ao teu livro irá, como o da Alexandra, para a minha lista de livros a comprar. Eu sou uma pessoa que quase deixa de comer para comprar livros. Mas agora vai ter de esperar. Infelizmente a bolsa de mestrado acabou - que, por sorte, dá o governo brasileiro até mesmo a estrangeiros.

Andrea Peniche disse...

Viva.
Não considero o aborto um meio contraceptivo. A contracepção evita a fecundação; o aborto resolve uma gravidez não desejada. Não defenderei nunca que o Estado legisle contra as mulheres que o usam como se de contracepção se tratasse, mas acho que aquelas que o fazem agem, em primeiro lugar contra si próprias. Porque o aborto medicamentoso ou cirúrgico não é a mesma coisa que tomar a pílula, usar preservativo ou DIU, na medida em que é agressivo para a saúde. Pelo que sei, a APF está a fazer um estudo sobre o recurso reincidente ao aborto. Nova luz se abrirá sobre o assunto brevemente. Mas isto é outra conversa.
Acho é que não vale a pena argumentar com as políticas sociais para combater a prostituição. Ela existe, está aí e o que é preciso fazer é criar um quadro legal que proteja a parte mais fraca dessa relação subordinada. O que temos estado a discutir é outra coisa, é aquilo que pensamos sobre os usos dos corpos. E na verdade o corpo das mulheres tem que ser permanentemente resgatado da colonização a que está sujeito.
Mais do que uma necessidade auto-imposta, eu ainda sou das que acho que o trabalho é libertador, apenas não hierarquizo valorativamente o trabalho. Por isso acho tão digno o trabalho na construção civil como o trabalho sexual. E toda a gente deve poder rejeitar um trabalho se ele não satisfaz ou, pior, violenta. É assim com o trabalho sexual como o é, nos centros de emprego, quando te oferecem um trabalho mal remunerado, nocturno ou outra coisa qualquer que te obriga a mudar os planos da tua vida. E por isso recusar a prostitução não poderá ser nunca considerado ilegítimo. Mais, sendo o lenocínio proibido, nunca o centro de emprego poderá ter oferta de emprego na área do trabalho sexual.

Anônimo disse...

Olá Andreia.

Com o teu comentário fico com a ideia que a nossa divergência está a jusante deste problema. Parece-me temos visões distintas sobre o funcionamento da moral em sociedade. Por isso avaliamos as questões que expus no meu comentário do dia 12 de modo diferente.
Para mim, o homem é como um mago (que li algures) que tem um só saco de remédios para curar qualquer doença. Isto é, possui um conjunto restrito de valores éticos e lógicos para aplicar a qualquer situação. Mais, estes valores estão relacionados este si.
O julgamento que classifica o lenocínio de crime é o mesmo que classifica a prostituição sexual de imoral.
Logo, o preço a pagar para transformar a prostituição sexual em uma profissão, é a transformação do proxeneta em empresário/investidor e o sexo em mercadoria. De outra maneira será sempre uma profissão que não é bem uma profissão (onde é ilegal ser-se patrão), a oferecer um produto que é melhor definido como um sub-produto (porque será sempre comparado ao "bom" sexo, no seio de uma relação amorosa). Ou seja, o estigma, a diferença permanece lá.

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