é fazer a conta

Faço parte desse grupo de um milhão de pessoas que no início do mês de Setembro recebeu uma carta da Segurança Social. Nela, sou convocada a fazer prova da minha condição de recursos entre os dias 10 e 30 deste mês. No meu caso, o que está em causa é manter ou perder os 22,59 euros que recebo de abono de família.

A minha primeira estranheza surgiu quando li nessa carta que «as provas são, obrigatoriamente, efectuadas no sítio da Internet da Segurança Social» (bold no original). Dei comigo a pensar que não só ninguém pode ser obrigado a saber usar a internet, como também me parece que quem recebe prestações sociais, como o subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção, não terá propriamente como prioridade investir numa ligação à rede. Mas isto, evidentemente, sou só eu a pensar.

Obedientemente lá acedi ao tal sítio da internet e, segunda estranheza, estava fora de serviço com o seguinte recado: «O acesso ao Sistema está temporariamente indisponível, devido a este facto não será possível a consulta de alguns serviços».

Voltei a tentar uns dias depois e, estando o site a funcionar, deparei-me com uma nova dificuldade. A determinada altura pedem-me que especifique o montante do saldo das contas bancárias do meu agregado familiar no dia 31 de Dezembro de 2009. Além de, evidentemente, não fazer a mínima ideia de qual era o saldo das contas nessa data específica, também não percebia se se referiam a contas à ordem ou a contas poupança ou às duas. Se calhar é uma dúvida parva, mas pronto, eu cá não estava capaz de chegar lá sozinha.

Li novamente a carta recebida e descansei porque percebi que os serviços tinham acautelado a possibilidade de existência de dúvidas, o que, além do mais, prova que ter dúvidas é legítimo. «Em caso de dúvida, ou para qualquer esclarecimento, pode telefonar para o centro de contacto VIA SEGURANÇA SOCIAL [maiúsculas carregadas no original] pelos seguinte números: 808 266 266 (das 8h00 às 20h00, dias úteis, e a partir do dia 1 de Setembro das 8h00 às 22h00». Pois, o problema é que tendo telefonado neste horário, o serviço estava indisponível.

Hoje andei de banco em banco a pedir os extractos das contas do meu agregado familiar em 31 de Dezembro de 2009. E, claro, esta indispensável informação tem um preço. Na CGD, por exemplo, vale 4.81 euros (+IVA). Oooops... lá se foi uma prestação do abono!

Ontem, as notícias davam conta de que os beneficiários das prestações sociais tinham entupido os serviços da Segurança Social, ou porque não percebiam o que lhes era pedido, ou porque não tinham internet, ou porque não conseguiam aceder ao site, enfim, cada qual com os seus dramas. Ou seja, muitas destas pessoas estavam a perder um dia de trabalho. Oooops... lá se foram mais uma ou duas prestações do abono!

Entre o tempo perdido a aceder a um site que não funciona e a tentar esclarecer as dúvidas numa linha de atendimento que está indisponível, os extractos bancários que é preciso pedir e pagar, as filas que há a enfrentar, duas ou três das prestações mensais que recebo são consumidas neste processo.

Os bancos, esses é sempre a embolsar. Mas serão os únicos? Eu pergunto-me é quanto poupará o Governo com esta operação? Quantas pessoas vão ser excluídas das prestações sociais a que têm direito por não terem sido capazes de aceder à internet, de compreender o que lhes era pedido e de terem resolvido a questão dentro do prazo estabelecido?

É que a carta é igualmente clara para estas situações: «Se não prestar essas provas as prestações serão suspensas» e «As falsas declarações têm como consequência a inibição do acesso, durante 2 anos, às Prestações Familiares, ao Rendimento Social de Inserção, ao Subsídio Social de Desemprego, bem como aos Subsídios Sociais de Protecção na Parentalidade» (negrito no original). Por isso, inventar está fora de questão. Ao cêntimo, se faz favor.

Como dizia o outro, é fazer a conta.

3 comentários:

Anônimo disse...

Agora é fazer as contas e contar quantas contas bancárias, de quantas empresas, estão "congeladas" por ordem da segurança Social; durante este tempo.
Imagine que é detectada uma dívida à Segurança Social na sua empresa e que, quando quer movimentar dinheiro na conta da sua empresa, pequena por sinal, daquele tamanho em os sócios-gerentes também têm de recorrer a essa mísera prestação que é o abono de família, os serviços descobrem informação que os próprios serviços não conseguem esclarecer. A data dessas dívidas, o montante, e a data limite para pagamento. Um detalhe: estas "dívidas" não são detectadas pelo contabilista e os serviços nunca tinham anunciado a sua existência.
Estranho? Imagine...

Kruzes Kanhoto disse...

Extractos?! É usar o homebanking!

Filipa Rosa disse...

à parte do facto de os portugueses serem muito complicados, tanto a fazer questionários como a responder a eles, deixando tudo para a última semana e entupindo secções e balcões.... concordo com o absurdo que é, para a maioria que aufere do abono familiar, ridículo e escasso, andar a dar-se ao trabalho de responder a estes formulários... mas, eu escrevi um email pro meu banco a pedir o favor de me informarem das quantias que possuía à data em questão, e claro, mandei pela net, porque sei trabalhar com ela. Quem não sabe, tem de ir aos centros de atendimento da seg social com os dados e sentar-se na fila de espera por causa de 25 euros por mês... e é se querem! se não, obrigadinha por dispensar desta ajuda social em prol das contas do estado!!

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