Rio para não chorar

Há dez anos atrás, o Porto respirava diferente. Estávamos em 2001, ano de capital europeia da cultura. Independentemente daquilo que correu mal na Porto 2001, há dez anos atrás a cidade era outra. Da oferta cultural diversificada à criação de públicos, o Porto pulsava e afirmava-se. A dificuldade, nessa época, consistia em arranjar tempo para fazer ou assistir a tudo o que estava em produção ou em cartaz. A modorra em que o Porto se tornou provoca até complacência na avaliação da Porto 2001.

No ano seguinte chegou Rui Rio e com ele a confusão permanente entre cultura e entretenimento. A formação de públicos tornou-se um conceito estranho, a oferta cultural confundiu-se com êxito comercial, a produção e a criação culturais foram substituídas pelo entretenimento. Tudo o que tinha sido começado morreu. O Rivoli foi concessionado. Entrámos na era dos motores: do circuito da Boavista aos aviões da Red Bull, a cidade ensurdeceu. Mas se é verdade que Rui Rio é o coveiro da criação e produção culturais no Porto, também é verdade que usou o combate contra a cultura como estratégia política. A afirmação «Nem mais um tostão para a cultura enquanto existirem bairros sociais degradados» é daquelas sentenças capazes de colher a simpatia de uma imensa maioria. Essa estratégia saloia ajudou a que a sua incapacidade política e a sua completa ausência de ideias para a cidade conseguissem passar quase despercebidas. Toda a gente se foi entretendo com os dois braços de ferro que Rio criou e alimentou: um com os «parasitas da cultura» e outro com o Futebol Clube do Porto.

Com Rui Rio a cidade esmoreceu. Desengane-se quem alimentou a ideia do Porto como nova centralidade do Noroeste peninsular. Todos os dias o Porto perde habitantes. Uns são expulsos para a periferia porque esta é mais barata; outros migram para Lisboa ou para o estrangeiro em busca de futuro. O Porto não consegue atrair nem gente, nem investimento, nem ideias. Tudo o que tem mudado na cidade se deve quase exclusivamente à iniciativa de privados e da Administração Central (voos low cost no Sá Carneiro, cruzeiros em Leixões, animação nocturna, Museu de Serralves, Casa da Música, Teatro Nacional de São João...). A cidade não tem projecto e vive à míngua de ideias. A identidade portuense/tripeira passa quase exclusivamente pela afirmação clubística. E isso não é mau, é péssimo.

Só Rui Rio não percebe que a cultura é um «sector muito dinâmico e empregador. Os dados estatísticos indicam que a área da cultura representa 2.6% do PIB europeu. A cultura é um sector capital para sair do contexto de crise e não pode ser vista apenas como uma despesa, mas sim como um investimento». A minha esperança é que Rui Rio aprenda com a vice-presidente do PSD, Nilza de Sena, e arrepie caminho.
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19 comentários:

Anônimo disse...

É arranjar mecenas para essa cultura tão erudita que só agrada a meia dúzia...nestas coisas, antes poucos financiarem poucos do que muitos financiarem meia dúzia...

Quem é que pode dar uma definição taxativa e publicamente útil para descriminar financiamentos de "entretenimento" e "cultura"? Os que se reclamam "cultos"? São juízes em causa própria...não serve.

Carla Ferreira disse...

Essa do mecenas é um boa proposta! Se o BPN, que também só beneficiou/agradou meia dúzia de pessoas, tem um mecenas, o Estado português, a cultura pode e deve fazer o mesmo!

Diogo Augusto disse...

Anónimo, fazer o exercício de apontar a parvoíce do seu comentário do mecenato seria uma perda de tempo, não seria?

Anônimo disse...

Diogo Augusto: creio que não.

Algumas das maiores pérolas da cultura foram produzidas por pessoas em condições miseráveis, sem financiamentos estatais. Se calhar faz parte de ser artista. É uma chatice, mas se é uma vocação...ninguém vai ficar à espera do subsídio.

Ter um mecenas já não é nada mau. Parece que no Renascimento italiano a coisa acabou por dar frutos. Agora exigir a todos os contribuintes que financiem a arte...implica existirem critérios para definir o que é arte e o que é entretenimento - o que é um exercício manifestamente difícil. O que invariavelmente acontece é a criação de redes clientelares que se financiam uns aos outros (juris de concursos públicos "artistas" definem os critérios para financiar outros "artistas" amigos, gera-se um ciclo vicioso e os novos artistas ficam ressentidos por não terem acesso aos subsídios). E os exemplos neste país abundam.

Diogo Augusto disse...

Que confusão que para aí vai.

O primeiro parágrafo, sobre a benevolência de matar os artistas à fome fica melhor assim como está, sem nenhum comentário que lhe dê uma seriedade excessiva.

Em relação ao segundo, já temos conversa. Em primeiro lugar, sabe que o mecenato, tratando-se de uma iniciativa privada, não obedece a critérios rigorosamente nenhuns a não ser os do mecenas, não sabe? Acha que esses critérios que dizem ser enviesados quando definidos pelo Estado, o são menos quando definidos por privados?

Em segundo lugar, a atribuição cega de subsídios não é serve de argumento para acabar com eles, serve de argumento para exigir regras claras na sua atribuição. Já agora, a arte pode entreter e o entretenimento também pode ser cultura. Se for possível estabelecer essas regras, será obviamente mais fácil fazê-lo no sector público do que no sector privado mesmo que isso não jogue com a sua profecia de que o Estado esbanja sempre dinheiro com os amigos.

Por último lugar, o mais importante. O financiamento artístico não serve para dar dinheiro a malucos, serve para garantir que os cidadãos que pagam esse financiamento tenham acesso a produção cultural diversa que considerem de qualidade. E isso, tal como a Saúde ou a Educação, deve ser considerado como um direito.

Anônimo disse...

Diogo Augusto: "a atribuição cega de subsídios não é serve de argumento para acabar com eles, serve de argumento para exigir regras claras na sua atribuição". Não há regras claras em matéria de gosto. Enquanto o juízo subjectivo dos mecenas lhes sai do bolso a eles (e há muitos mecenas), o juízo subjectivo do "comité avaliador dos artistas do Estado" sai do bolso de todos.

Os cidadãos que queiram ter acesso a "produção cultural diversa" podem financiar essa "produção cultural diversa" na qualidade de cidadãos. Se há públicos tão interessados, porque não se auto-financiam como cooperativa? Ou se o público é mais alargado, porque não competem com os outros artistas?

As únicas sociedades em que a "produção cultural" estava de facto garantida transformaram-na em propaganda. A necessidade de convencer os "comités de artistas do Estado", que são uns poucos com o arrogo de julgarem pelos outros todos, obriga a cedências para cumprir os critérios. A necessidade de convencer mecenas, que são muitos e variados, dá muito mais margem de manobra aos artistas.

Portanto, quem tem subsídios do Estado concorre injustamente com quem não tem, porque não há critérios de justiça aprioristicamente definíveis que permitam definir objectivamente a questão - e a realidade é que os "artistas" financiados são sempre os mesmos. A arte não tem nada a ver com dinheiros públicos. Tem a ver com a liberdade criativa de uns e a o interesse nessa liberdade criativa de outros - os que não entram no circuito não têm que financiar quem entra; enquanto educação e saúde são de facto necessidades primárias.

Anônimo disse...

Ademais: porque é que os critérios dos mecenas, que são homens como os do "comité dos artistas", há-de ser inferior ao critério do "comité dos artistas"? Acha que há um regulamento burocrático passível de definir o que é "boa arte" ou "cultura"? Parece que é só sentar-se na poltrona do Estado e tudo se torna mais clarividente...

Não tenho nada contra os artistas e nenhum artista morre à fome enquanto houver rendimento mínimo e tiver braços e pernas para trabalhar. Não consta que o Fernando Pessoa recebesse subsídios do Estado.

Educação e saúde são necessárias para o funcionamento do regime político e da sociedade: sem educação não há literacia mínima para contribuir para a deliberação dos assuntos públicos; sem saúde não há possibilidade de trabalhar, pagar impostos e manter o Estado a funcionar. O que é que a arte traz nesta equação? A única função pública que a arte pode ter é a propaganda de um regime. De resto, é assunto exclusivo dos seus amantes - "privados", como todos nós.

Diogo Augusto disse...

Concordo perfeitamente que não haja regras claras em matéria de gosto. É por isso que os critérios de distribuição de apoios não podem assentar numa lógica de gosto mas, antes, numa lógica de apoio da diversidade cultural inserida numa determinada estratégia local, articulada com estratégias nacionais e internacionais.

"Os cidadãos que queiram ter acesso a "produção cultural diversa" podem financiar essa "produção cultural diversa" na qualidade de cidadãos. Se há públicos tão interessados, porque não se auto-financiam como cooperativa? Ou se o público é mais alargado, porque não competem com os outros artistas?" - Porque a oferta cultural (tal como a de saúde e a de educação) não se podem restringir à lógica do mercado sob pena de 1) homegeneizar a oferta cultural limitando-a à que é procurada pela maioria e 2) estar a limitar-se o usufruto da oferta cultural à capacidade económica de cada um.

Não entendo como é que a educação pode ser considerada "necessidade primária" (o que quer que isso seja) e a cultura não ser considerada da mesma forma. Deixar a oferta cultural nas mãos do mercado (que desempenha, sem dúvida, um papel insubstituível nesse campo) é condená-la à pobreza.

"Portanto, quem tem subsídios do Estado concorre injustamente com quem não tem" - Nada poderia ser mais falso. Mais uma vez, se há sector em que é possível intervir por forma a definir critérios justo de apoio, esse sector é o estatal, Acreditar que o apoio estatal é obrigatoriamente clientelar não é mais do que idelógico e acreditar que o apoio privado é justo não é mais do que ingénuo.

Anônimo disse...

"Porque a oferta cultural (tal como a de saúde e a de educação) não se podem restringir à lógica do mercado sob pena de 1) homegeneizar a oferta cultural limitando-a à que é procurada pela maioria e 2) estar a limitar-se o usufruto da oferta cultural à capacidade económica de cada um."
Há produtos no mercado que são manifestamente produzidos para minorias e continuam a ser rentáveis. Porque é que com a cultura não pode ser a mesma coisa? A ideia é adaptar a escala da produção ao mercado-alvo. Não precisa do Estado para nada. O mercado não homogeneiza nada - desde que haja clientes, há possibilidade de haver produção para eles. O mercado não tem nenhuma "lógica maligna" - isso é que é ideológico. O mercado depende da interacção das pessoas - você pode perfeitamente ser um empresário filantropo, não tem que ter nenhum objectivo de maximizar o lucro; desde que assegure que é rentável. O problema é quando se pensa que o Estado está acima do funcionamento dos mercados: é óbvio que não está, porque o próprio Estado precisa de se financiar. Tem que ter prioridades e não andar a acorrer a tudo o que é mão estendida. Ora, a cultura é uma prioridade para os cidadãos interessados, não é uma prioridade segundo uma lei universal (potencial assentimento de todos os cidadãos). Há uma disjunção fundamental entre o Estado e a sociedade civil que não podemos andar a negar como se vivêssemos na Grécia Antiga.

Sem educação não há literacia mínima. Estamos a falar de níveis de educação básicos - porventura, até ao 12º. Sem essa formação mínima é melhor esquecer qualquer veleidade de democracia, mesmo representativa. Deliberar é optar entre alternativas, implica pesar argumentos. Portant, implica desenvolvimento adequado da capacidade cognitiva. É uma necessidade primária de qualquer sociedade política baseada na participação de todos.

Eu não acredito que o Estado faça melhor que o privado, NEM VICE-VERSA. Acredito que os dois fazem mal e essa imperfeição é perfeitamente tolerável. Só que um faz mal com um poder coercivo baseado no suposto assentimento de todos e com o dinheiro de todos; o outro faz mal com um poder coercivo baseado na lógica da interacção e com o dinheiro de quem tem esse poder.

Diogo Augusto disse...

De facto, o mercado não funciona segundo nenhuma lógica maquiavélica. A lógica do mercado é o que é para o bem e para o mal, o problema é que essa lógica, a lógica do "desde que assegure que é rentável", é uma lógica que não pode reger todas as áreas da sociedade.

Já há muito que foi ultrapassada a ideia de ter como direitos essenciais, aqueles que garantem a sobrevivência do indivíduo e da sociedade. Há quem lhe chame democracia cultural, há quem lhe chame desenvolvimento sustentado... A verdade é que entendo o acesso à produção e ao consumo culturais como um direito e, desse ponto de vista, o Estado tem a obrigação de garantir que a condição económica de produtores e consumidores não será impedimento de exercerem o seu direito. Nesse sentido, o Estado tem que exercer um papel regulador ou, no mínimo dos mínimos, supletivo.

Toda a gente tem o direito a apreciar o belo, aquilo que, no jargão de Economia será o contrário do "útil" (A esse propósito, o António Reis fez uma comunicação fantástica que foi publicada pelo ICS). A cultura não se pode cingir ao "desde que haja clientes" até porque a capacidade de apreciação estética não é inata, é aprendida, o que faz cair por terra o argumento do "faz arte que ninguém gosta".

Mais, o mercado não consegue agir com base num conceito estratégico de desenvolvimento territorial e o Estado consegue. Termos um conjunto de eventos culturais desconexos que obedecem aos interesses dos privados (malignos ou não) é termos uma manta de retalhos sem sentido algum.

Daí que eu diga desde o início que não cabe ao Estado fazer julgamentos de gosto ou de qualidade mas, apenas, zelar pela diversidade garantindo a subsistência da oferta que não é rentável mas que se insere na estratégia que adopte para a cultura. Não se trata de escolher uns em detrimento de outros, trata-se de garantir que toda a gente tem acesso à cultura.

Diogo Augusto disse...

Já agora, isto não iria melhor sem anonimato?

Anônimo disse...

"Já há muito que foi ultrapassada a ideia de ter como direitos essenciais, aqueles que garantem a sobrevivência do indivíduo e da sociedade." -> "ultrapassado" por quem? O único "direito", ou condição ontológica, é a liberdade; prefiro pensar, como o outro, que os "direitos" em cada sociedade são aqueles que ela lhe pode dar em cada momento. E não vivemos propriamente um momento de fartura. Não se pode proclamar um "nível civilizacional" que não podemos depois sustentar. Civilização tem a ver com moral, não tem a ver com "direitos económicos, sociais e culturais". Era bom que pudéssemos ter os dois, mas às vezes não podemos.

"o Estado tem a obrigação de garantir que a condição económica de produtores e consumidores não será impedimento de exercerem o seu direito" -> o Estado não vive no ar; também tem que se financiar. A economia lida com a escassez - não lida com a ganância. São coisas diferentes. A ideia é que os privados não dão passos maior que a perna (os que estão sujeitos às leis do mercado como deve ser); os Estados dão. Depois endividam-se brutalmente e entram num ciclo vicioso que drena os recursos essenciais da sociedade para assegurar o nível civilizacional mais básico a algumas pessoas enquanto outras reclamam "direitos à cultura" (p.ex.: através de impostos exagerados que sufocam as empresas e impedem a criação de emprego).

"A cultura não se pode cingir ao "desde que haja clientes" até porque a capacidade de apreciação estética não é inata, é aprendida, o que faz cair por terra o argumento do "faz arte que ninguém gosta"." -> embora não aprecie a terminologia, as pessoas que vêem uma obra de arte são "clientes" dessa obra de arte; sem pelo menos um "cliente", ainda assim o artista pode fazer a obra de arte - não venha é pedir dinheiro aos outros para isso. A apreciação estética é aprendida até certo ponto e esse ponto não obrigado o Estado a fornecer "diversidade". Por essa ordem de ideias o Estado teria que patrocinar obras "não belas" para que os cidadãos pudessem distinguir o belo. E depois teria que financiar todo o tipo de obras belas porque há um ponto irredutivelmente subjectivo na apreciação do belo e nem todos ficariam satisfeitos.

Uma regra: o Estado não deve intrometer-se em assuntos em que não fosse hipoteticamente possível o assentimento de todos (preservação do Estado de Direito e da democracia representativa e das capacidades de deliberação que a sustêm, garantia de um nível mínimo de subsistência [incluindo saúde], segurança exterior). Não quer dizer que a arte não seja essencial, mas não tem nada a ver com as funções do Estado.

Como é que se faz uma "estratégia da cultura"? O que é uma "estratégia da cultura"? Tem que definir "cultura" e distribuir fundos em função dessa definição não mais arbitrária que a de qualquer cidadão privado. Porque é que as pessoas enquanto cidadãos privados não hão-de ser capazes de ter essa "estratégia da cultura" e o Estado sim? Acha que meia dúzia de planeadores estão mais habilitados a lidar com as infinitas variáveis da produção cultural do que milhares de pessoas em interacção? Ou essas pessoas privadas que produzem "uma manta de retalhos" mal se sentam na poltrona do Estado se tornam visionários com clarividência sobre-humana? Diga-me uma grande obra cultural que tenha resultado de uma "estratégia da cultura" planeada pelo Estado.

Diogo Augusto disse...

A cartilha ideológica liberal está bem aprendida, sim senhor. Não estou bem a ver o que posso dizer como argumentar se me diz que o único direito é a liberdade. Por mim, faz-me comichão encarar o Estado como um administrador de condomínio.

Anônimo disse...

"Cartilha ideológica" não é um argumento.

A liberdade é o único direito incondicionado, isto é, dedutível a priori.

Quanto ao resto, como não sigo nenhuma cartilha, sigo as circunstâncias, devemos ter cuidado quando definimos "metas civilizacionais" que não dependem apenas da vontade.

O tamanho do Estado deve variar consoante as circunstâncias e as possibilidades de cada sociedade. E há um mínimo que não deve deixar de fazer antes de fazer o resto. A cultura é um desses domínios perfeitamente dispensáveis em termos de patrocínio estatal, só isso.

Não vejo o que tem isto de "ideológico". A menos que ache que a liberdade não é o direito fundamental em democracia representativa - mas isso já é outra conversa.

Anônimo disse...

O tamanho do Estado deve variar consoante as circunstâncias e as possibilidades de cada sociedade - note-se: quando o Estado não é capaz de cumprir as suas funções essenciais (que pressupõem um assentimento universal), não deve envolver-se noutras áreas. Quando pode, se quiser envolver-se, vai estar a entrar em áreas que têm que ser revisíveis - não pode proclamar um "direito à cultura" irrevogável.

Diogo Augusto disse...

O que é ideológico, e saliento que nada tenho contra isso apesar de não concordar com a posição, é considerar que a liberdade é o único direito que podemos legitimamente esperar independentemente das possibilidades. A política, sendo feita de escolhas e de estabelecimento de prioridades, permite-nos eleger as áreas que consideramos ser fundamentais. Já percebi que não considera a Cultura como uma dessas áreas, o que, no seguimento da lógica que defende do Estado mínimo, não é de estranhar.

Ainda assim, há dois erros nesse raciocínio: 1) considerar o Estado como elemento extra-societal que se impõe às pessoas e 2) partir do princípio que o Estado se rege pelas mesmas regras que uma mercearia.

Em relação ao 1º ponto, a posição de suspeita em relação ao Estado, em sociedades democráticas ela não não faz sentido. Cabe-nos encarar as falhas do Estado e resolvê-las e não utilizar essas falhas como argumento para diminuir o Estado.

Em relação ao 2º ponto, dizer que "o tamanho do Estado deve variar consoante as circunstâncias e as possibilidades de cada sociedade" é menosprezar a política que pode (e, a meu ver, deve) pôr o Estado ao serviço dos indivíduos através do estabelecimento de prioridades de que falava lá em cima.

Anônimo disse...

Caro amigo: a liberdade é uma condição ontológica do homem. Não estamos a falar de legalidade. Se quer falar de legalidade estaremos a falar de direito positivo. Aí sim entram as escolhas de uma sociedade política.

Onde é que viu a consideração do Estado como "elemento extra-societal"? O Estado é a realização da própria liberdade. Só há liberdade no Estado, o que significa que um estado jurídico (ou o Estado) é um imperativo da razão. O que também significa que só um Estado que se baseie na liberdade individual é legítimo. É uma posição "ideológica"? Acho que não. Acho que é mais civilizacional. Se quiser andar a revirar a História toda vai relativizar esta posição, concerteza. Mas temos que tomar posição sobre os assuntos. Isto é um problema de Direito. Não tem nada a ver com Economia.

O que é que tem a história da mercearia a ver com o assunto? O erro é assumir que o Estado está acima da escassez. Aqui sim entre a Economia - que basicamente é a ciência que define as possibilidades mediante a escassez, não é a ciência de as ultrapassar para realizar esse paraíso onde há dinheiro para tudo! O Estado vive do dinheiro dos impostos. É esse o dinheiro do Estado. Quando os impostos não chegam, pede lá fora. Quanto mais quer fazer, mais impostos exige. Portanto, o Estado drena os recursos da sociedade e coarcta a possibilidade desta aumentar a riqueza para os redistribuir segundo comandos obrigatórios. Não vejo problema nenhum nisto, desde que as pessoas saibam que há opções a tomar. Não se imprime dinheiro e se distribui, porque sem criação de riqueza o dinheiro não compra nada (no nosso caso, simplificando quase ao ridículo, compra lá fora e endivida-se). Por merceeiro (se o entende como um merceeiro-ganancioso) presumo que queira referir-se a alguém que faz as suas continhas e maximiza o lucro. Ora, o Estado não tem que maximizar o lucro (o merceeiro também não; pode perfeitamente ter uma mercearia que dê lucro 0, se tiver clientes; não pode é ter uma que dê prejuízo - ou pode, se tiver como se financiar mesmo assim). Ora, o Estado também tem que fazer contas. Mas são as contas de todos nós. É preciso prioridades.

Não vejo como é que a política pode pôr o Estado ao serviço dos indivíduos para lá das leis da escassez. Só se for o "super-Estado".

E pronto, não vale a pena continuar a conversa. Você acha que a cultura é uma prioridade numa altura de crise. Eu acho que não. Acho que há outras coisas mais prioritárias. O Rui Rio também parece que sim (atenção: não sou apoiante nem tenho nada a ver com o homem). O que é que isso tem de "paroquial", não sei. Não me parece que a cultura vá desaparecer por falta de subsídios... Enfim.

Felicidades.

Diogo Augusto disse...

"Onde é que viu a consideração do Estado como "elemento extra-societal"?"

"Portanto, o Estado drena os recursos da sociedade e coarcta a possibilidade desta aumentar a riqueza para os redistribuir segundo comandos obrigatórios."

Anônimo disse...

Está a confundir dois planos:

- O plano do Direito: o Estado é a realização da liberdade dos indivíduos;

- O plano da Economia: o Estado não é a sociedade civil no nível das relações de produção.

É uma confusão frequente.

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