3000 centenas contra o PEC

Andava o país assustado com a probabilidade de se afundar numa crise papona quando o primeiro ministro, em Agosto passado, nos tranquilizou:

«Com este resultado, Portugal sai tecnicamente da recessão económica em que se encontrava. Portugal é aliás um dos poucos países europeus que sai da recessão técnica enquanto o conjunto dos países europeus continua em recessão».

A confirmar este optimismo, veio recentemente a ministra Helena André anunciar o definitivo fim da crise:
«Não vai haver retirada de proteção social aos portugueses. Vamos sim voltar ao que estava em vigor antes das medidas extraordinárias».

As medidas extraordinárias eram aquelas que procuravam suavizar o impacto da crise em que «quase» mergulhámos. Se elas são dispensáveis é lícito pensarmos não só que a crise é já coisa do passado como também que os dias que se avizinham serão de prosperidade económica e de quase pleno emprego.

E por isso só com naturalidade se poderia ouvir o Governo anunciar que a partir de 1 de Julho começaríamos a ser roubadas e roubados à razão de 151 milhões de euros: acabará o prolongamento do subsídio social de desemprego por mais seis meses, a majoração em 10 por cento do valor do subsídio pago aos desempregados com filhos a cargo, assim como a redução do tempo mínimo de descontos necessário para ter direito ao subsídio. Além disso acabam também os apoios extra às empresas em lay off e a redução das contribuições pagas pelo micro e pequenos empresários por cada trabalhador com mais de 45 anos de idade.

Tem pois razão a ministra do trabalho em desvalorizar a manifestação de sábado passado, que trouxe para a rua algumas centenas de pessoas (3000 centenas, se as contas não me falham), e para pedir «mais concertação e menos contestação».

Acontece que aquilo que trouxe as pessoas para a rua foi a necessidade de derrotar o PEC e não de o negociar.

O governo e o PSD insistem na ideia de que «todos estão a fazer sacrifícios». Mas isso não passa de propaganda. E é neste fandango que tentam levar-nos a todas e todos e por isso apelam à concertação e emagrecem a contestação. A primeira ideia a derrotar é, por isso, essa mesma porque, na verdade, a crise está a ser paga pelos mesmos de sempre e não por todos. A crise está e continuará a ser paga pelos sacrifícios daqueles e daquelas que já não se podem sacrificar mais, enquanto aqueles que nos meteram na crise permanecem na sua vidinha de privilégio e corrupção como se não fosse nada com eles: o governo retirou as Ilhas Caimão da lista dos maus offshores para que o dinheiro proveniente da Madeira continue a ter entreposto; prometeu o fim dos bónus nas empresas com participação pública mas a proposta nem a votação chegou dada a ira provocada nos visados; a banca continua a pagar cerca de 10% de IRC.

Ao invés, os rendimentos do trabalho vão ser duplamente penalizados através do aumento do IRS e do IVA; o suposto aumento do IRC eclipsar-se-á pela relação entre taxas legais e taxas efectivas; e o proporção entre o esforço fiscal pedido àqueles que mais têm e aos que têm pago todas as crises onde os que mais têm nos têm metido é ofensiva. A política de «por cada duas pessoas que se reformam só entra uma» na Função Pública originará a degradação e desagregação de muitos serviços públicos que servem precisamente aqueles que menos têm e a quem tudo é pedido. E até a medida de diminuição de 5% nos salários dos políticos e dos gestores é quase inócua porque só abrange o sector público, deixando de fora as empresas participadas pelo Estado. Enquanto os salários reais dos trabalhadores e trabalhadoras diminuem, Ferreira de Oliveira, da Galp, continuará a arrecadar 1.5 milhões; Paulo Azevedo, da Sonae, 1.1 milhões; António Mexia, da EDP, 3.1 milhões; Zeinal Bava, da PT, 2.5 milhões; Rodrigo Costa, da Zon, 1.5 milhões; Ricardo Salgado, do BES, 1 milhão.

Por isso, enquanto a taxa de IRC da banca não subir, os bónus e as transferências para offshores não forem taxados, a banca pública não abandonar ela própria a política especulativa e as grandes fortunas não forem taxadas para financiarem a segurança social eu não só não estou disponível para mais sacrifícios como recusarei e denunciarei esse embuste que afirma que «todos estão a fazer sacrifícios».

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