anita no conselho de ética para as ciências da vida




Miguel Oliveira da Silva (MOS) é presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) há cerca de nove meses.
Na entrevista que hoje deu ao Público fez algumas considerações que me fizeram perder a esperança que, de algum modo, tinha depositado no facto de este Conselho ter, finalmente, alguém minimamente de esquerda e pró-escolha à sua frente. Não sei se o problema é o CNECV ser tóxico se é o Miguel Oliveira da Silva ser retrógrado.

A escalpelização da entrevista daria pano para mangas. Eu vou centrar-me apenas em duas questões.

Sobre o aborto

«Quer-se evitar que o médico recuse, de manhã, fazer um aborto num hospital do Estado e o faça, à tarde, numa clínica privada. Mas isto faz com que muitos médicos que poderiam aceitar, nalguns casos, interromper a gravidez, (uma mulher que engravida com um dispositivo intra-uterino, ou que tem o azar que um preservativo se rompa, que tomou um antibiótico e não sabia que os antibióticos interferem no metabolismo da pílula, etc) o recusem porque sabem se forem fazer um, têm de fazer todos. (Há entre 75 a 80 por cento de médicos obstetras objectores de consciência). Se eu aceitar interromper a gravidez a uma mulher que engravidou com um dispositivo intra-uterino, tenho de aceitar fazer um aborto a uma mulher que não toma a pílula porque não quer, e que tem um comportamento permissivo e irresponsável».


E lá voltamos nós, pela mão do distinto presidente do CNECV, a usar como argumento
pretensamente válido a apreciação dos comportamentos sexuais das mulheres.
Para mim a questão é bem simples. Se alguém acha que um embrião é vida, e que este, apesar de não nascido, tem um estatuto equivalente ou superior ao de uma mulher grávida, vivente, pois muito bem, não deve violentar-se e deve assumir o seu estatuto de objector/a de consciência e não practicar abortos. Discordo mas respeito.
Mas o que MOS vem introduzir na discussão é outra coisa bem diferente. O que vem defender é uma espécie de objecção de consciência a la carte, onde a invocação do estatuto depende das apreciações morais sobre o comportamento sexual das mulheres. E por isso pergunto: qual a diferença entre um embrião que resulta de um deslocamento do DIU e um outro que resulta de uma relação não protegida? Nenhuma. A única diferença é mesmo haver quem ache ter superioridade moral para sancionar e condicionar a vida sexual das mulheres.
Evidentemente que é preocupante a reincidência do aborto, como também diz MOS, mas é-o porque quem o faz está a prejudicar a sua saúde. Nesse sentido, desculpar-me-á MOS, mas a proposta de o tornar não gratuito ou de mexer na lei não faz sentido nenhum. O que faz sentido é perceber como, porquê e onde falha o planeamento familiar. Há, aliás, muitos estudos que nos podem ajudar a perceber os problemas. Haja igual vontade em conhecê-los como em proferir juízos desta natureza.

Sobre a adopção
«Acho que em termos de antropologia sexual, temos uma dualidade masculina e feminina. E precisamos de ter no nosso desenvolvimento uma referência feminina e uma referência masculina. E com os casais homossexuais isso não existe».

Pois não. Nem com os casais homossexuais nem com as famílias monoparentais. Defende então MOS que a Comissão de Protecção de Menores retire, por exemplo, a guarda das crianças à mãe ou ao pai de uma família monoparental? E os critérios para poder adoptar uma criança devem ser quais? Uma família tradicional (numerosa, se possível)? E o que fazer às crianças que vivem numa família cujo pai ou mãe morreu? E aquelas outras cujo pai ou mãe nunca quis delas saber? E as crianças cuja guarda foi dada a uma avó ou avô, tio ou tia... que não têm companheiro ou companheira?
O disparate é tão grande que até custa a acreditar. MOS tem uma visão anquilosada de família, desconhece o mundo que o rodeia e por isso parece ainda não ter percebido que não só há muitos tipos de famílias como também que a vida não é tão simples como nos livros da Anita. Pior do que esta visão conservadora e bafienta é o facto de o presidente do CNECV desconhecer os estudos que já foram feitos. Mas eles existem e são públicos.

3 comentários:

magda alves disse...

Bom post andrea!

Luís disse...

Também fiquei surpreendido. As opiniões eram, mais de uma vez, contraditórias.
Só mostra que este debate não tem fim.
Dois reparos: um embrião é vida. A questão está na valorização dessa forma de vida como a seguir se explicita. E ainda: o que se pede à CNECV não é que seja de esquerda nem de direita, que são coisas de definição difícil. É que tenha opiniões baseadas na melhor evidência disponível e não se deixe manipular pelo preconceito religioso ou moral.
No global: bom post , oportuno e atento.

Andrea Peniche disse...

Sim, Luís, tem razão, o embrião é vida e é vida humana. Por isso é que a questão é da ordem da filosofia e não da biologia.
Não peço ao CNECV que seja de esquerda ou de direita, peço é ao seu presidente, que de diz de esquerda, que não só tenha «opiniões baseadas na melhor evidência disponível e que não se deixe manipular pelo preconceito religioso e moral» mas que também não profira afirmações que ignorem os estudos que já foram feitos.

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