Chega de saudade

Entristece-me a incapacidade do PCP em questionar os fantasmas ainda persistentes desde a ruína do socialismo real. Digo-o com sinceridade: parafraseando o outro, acho o PCP indispensável à democracia. E também à construção de um campo que se situe à esquerda do PS que nos governa. Isso não significa que se tenham de esbater as diferenças, as divergências e os caminhos percorridos, como é óbvio. Mas exige algo mais do que nos agarrarmos ferreamente a um passado que se esfuma. Quando leio isto, imagino que na Soeiro Pereira Gomes ainda há quem acredite no noticiário forjado de Good Bye, Lenin.

19 comentários:

MDA disse...

E porque é que o PCP é indispensável à democracia? O que é que traz de tão importante? Que coisa é exclusivamente oferecida pelo PCP sem a qual não conseguimos passar?

Tiago Ribeiro disse...

A CGTP. Para o bem e para o mal. De resto, urtigas.

MDA disse...

Tendo a pensar que, se o PCP não existisse, a CGTP poderia funcionar bem melhor. Não como a UGT, como é óbvio, mas como uma central sindical que não acreditasse nos noticiários forjados do Good Bye Lenin.

Miguel Cardina disse...

Não acho que a "indispensabilidade" do PCP se reduza à CGTP, mas deixemos isso para depois. Por agora, dizer isto: se é certo que a CGTP tem uma clara hegemonia comunista, isso nem sempre significou um alinhamento obediente e acéfalo da central sindical, a começar pelo secretário-geral e terminando em muitos sindicalistas que, partilhando ou não essa militância, fazem um trabalho indispensável para que o país seja menos desigual e injusto. Num país com um tão grande fosso entre ricos e pobres e com situações tão acentuadas de pobreza, às vezes o sindicato é mesmo o último recurso não-confessional.

Tiago Ribeiro disse...

Toda a razão. E insisto: de resto, urtigas. E bifanas.

MDA disse...

O que é indispensável é, portanto, a CGTP. Não o PCP.

Miguel Cardina disse...

Não do meu ponto de vista, MDA. Até porque não me considero investido da capacidade de aferir a "dispensabilidade" de algumas forças políticas. Como digo no post, acho o PCP indispensável para a dinamização do campo (inevitavelmente plural) da esquerda.

MDA disse...

Certo. Mas, e correndo o risco de tornar esta uma discussão circular, volto ao início aproveitando a última resposta. Porque é que o PCP é indispensável para a dinamização do campo da esquerda? O campo da esquerda não é inevitavelmente plural (não o era antes do Bloco). As respostas actuais terão que ser obrigatoriamente plurais mas, se não houvesse PCP perderia a esquerda algum dinamismo? Acho que não.

Aponto esta questão não por preciosismo nem por qualquer ódio ao PCP, simplesmente porque me custa a perceber este tipo de ressalvas quando gente do bloco (ou próxima do Bloco, ou conotada com o Bloco ou que escreve num blog conotado com o Bloco) fala sobre o PCP.

Anônimo disse...

...trouxe uma gaja boa pro parlamento.

João Pena disse...

ah, já percebi. Este blog é sobre o pcp. Ok, está certo! ;)Ainda por cima, caros Tiago e MDA, obrigar o Miguel Cardina a este binómio bom polícia/mau política, deve ser cansativo. Vou vendo revisto e filtrado, no entanto, o "must" do jornal Avante, o que me poupa uma carga de trabalhos. Os meus parabéns pelo Blog :)

João Pena disse...

Há ali um "política" a mais que me saiu involuntariamente.

joão josé cardoso disse...

Eu também acho o PCP indispensável à democracia. Mas perfeitamente dispensável à esquerda portuguesa.

Miguel Cardina disse...

Este blog é sobre tudo aquilo que aos seus autores lhes apeteça escrever. Até agora fui o único que escreveu sobre o PCP - um post sobre uma artigo de opinião de um seu membro destacado; e este sobre um texto no Avante que lamenta a queda do muro e fala de «20 anos de retrocesso».

Não sendo do PCP, dou alguma importância a isso. Aliás, o próprio PCP já foi mais aberto e menos cristalizado nas análises que fez desse período.

Mas outros temas virão. Sem obrigações, nem cansaços. Nem muito menos respondendo ao «binómio bom polícia/mau polícia», que é uma coisa que por defeito de área de estudo estou habituado a colocar no devido lugar.

rafael disse...

Nao querendo interpretar o papel da defesa intransigente do PCP (assumindo condiçao de militante activo e empenhado) gostava de deixar algumas consideraçoes a debate nao a propoósito do post propriamente dito, mas à cerca dos comentários subsequentes.

Em algum mometo, alguém escreveu nao compreender a importância do PCP para a democracia. Eis o meu ponto de vista:

O PCP é a instituiçao mais antiga do panorama politico português. Tal facto, acarreta uma historia, para bem e para mal. A luta continua contra o fascismo, a intervençao no movimento sindical e associativo através dos seus militantes, a procura de politicas concretas de esquerda sao factos amplamente reconhecidos e, creio, que valorizados por toda a gente de esquerda.

O PCP é, mais que um partido,é um movimento politico e social com amplas ramificaçoes e dependencias nas camadas mais desfavorecidas da populaçao portuguesa, e através desta rede de interdependencias (onde se confunde muitas vezes onde começa a proposta partidária e onde acaba a reivindicaçao das populaçoes) que eu considero ser onde reside a força do partido comunista.

Através da sua implantaçao local e dos seus centros de trabalho que, melhor ou pior, vao conseguindo ter uma dinâmica permanente de luta, contestaçao e proposta e nao funcionam apenas em período eleitoral - creio que será caso unico dos partidos portugueses, pelo menos com esta expressao - o PCP tem desenvolvido um trabalho de interiorizaçao dos problemas sentidos pelas populaçoes e, de algum modo, tem desenvolvido um papel pedagógico de consciencializaçao do Povo Português (com maísculas) rumo a uma atitude de progresso. O PCP funciona, de facto, como uma organizaçao de base e os seus defeitos e virtudes (no plano organico e das mentalidades) emanam realmente dos defeitos e virtudes da populaçao portuguesa.

Imaginemos que em 1974, o PCP tinha sido ilegalizado ou dissolvido, que 35 anos de democracia haveriamos ter tido? Que avanços civilizacionais haveriamos ter conseguido? Teria havido uma discussao sobre a IVG, como foi promvida pelo PCP ao longo da historia da democracia? Que lugar teria sido dado aos ataques aos direitos dos trabalhadores? Que código laboral teriamos neste momento? Nao duvidem, seria muito pior...

E podia continuar: o SNS, a gestao autarquica, a consagraçao da nao discriminaçao com base na orientaçao sexual expressa na constiuiçao (sim, é uma proposta do PCP), a luta contra as propinas, a pga e a lei do financimento do Ensino Superior...

A importância do PCP nao reside apenas na sua força eleitoral (embora esta seja importante) mas na sua influencia enquanto partido-movimento capz de influenciar e agregar vontades de esquerda na defesa das populaçoes. Esta é a importância do PCP.

MDA disse...

rafael, concordo, com quase tudo o que aqui disseste. Reconheço o papel desempenhado pelo PCP na história da nossa democracia. Estou-lhe, até, bastante grato por isso. Só que, nos dias que correm, com uma alternativa de Esquerda profundamente crítica em relação às experiências so socialismo real, parece-me que o PCP é cada vez mais dispensável. Não se trata de sectarismo, trata-se de uma insanável incompreensão em relação a determinadas posições do partido que, parece-me, são inconciliáveis com a minha ideia de democracia.

rafael fortes disse...

Car@ MDA (peço desculpa, mas nao me foi possivel identificar o género), percebo, em larga medida, muitas dessas posiçoes como a que assume. No entanto, nao posso deixar de frisar que, como em tudo, o PCP nao é uma realidade estática, é um movimento vivo composto pelos seus militantes e simpatizantes e tambem dentro do PCP existem criticas a posiçoes assumidas, que sao assumidas de forma clara e democrática.

No meu caso concreto, e tendo presentes às criticas já realizadas no passado às experiencias socialistas, posso referir que embora nao me identifique com o tom que é dado na nota de imprensa, percebo a preocupaçao de assinalar os 20 anos da queda do muro.

Em plena crise global e com crescentes movimentos de contestaçao aos regimes capitalistas reformistas e auto-reformáveis, é importante que este momento nao seja utilizado como propaganda da teoria do final da historia, da inevitabilidade do capitalismo globalizado.

E parece-me a mim, que cada vez mais é o que se faz, relembrando sempre os crimes dos regimes socialistas, sem sequer tocar nos avanços sociais que foram conseguidos inspirados por estes ou mesmo dentro destes.

Tiago Ribeiro disse...

À propos: http://lexico-familiar.blogspot.com/2009/11/por-detras-das-falas-mansas.html

Fabian Figueiredo disse...

"O PCP funciona, de facto, como uma organizaçao de base e os seus defeitos e virtudes (no plano organico e das mentalidades) emanam realmente dos defeitos e virtudes da populaçao portuguesa." (rafael)

Segundo o marxismo-leninismo o Partido é a vanguarda, em caso algum ouvi ou li que um Partido Comunista tem a consciência que o povo tem, que é reflexo do atraso cultural da classe trabalhadora. Muito pelo contrário o jargão ML afirma que o Partido é a referência das massas, a sua ferramenta mais progressita e elucidada, o povo é que não tem consciência da sua situação social e de classe, o Partido tem. e neste aspecto o PC continua igual a si mesmo.

http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=38#1

2. O PCP é a vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores. O papel de vanguarda do Partido decorre da sua natureza de classe, do acerto das suas análises e da sua orientação política, do projecto de uma nova sociedade, da coerência entre os princípios e a prática e da capacidade de organizar e dirigir a luta popular em ligação permanente, estreita e indissolúvel com as massas, mobilizando-as e ganhando o seu apoio.

4. O Partido Comunista Português, pela identificação dos seus ideais e objectivos com as aspirações mais profundas do povo português e com os interesses nacionais, é continuador legítimo das melhores tradições da luta e das realizações progressistas e revolucionárias do povo português.

Artº 2º
O PCP tem como base teórica o marxismo-leninismo: concepção materialista e dialéctica do mundo, instrumento científico de análise da realidade e guia para a acção que constantemente se enriquece e se renova dando resposta aos novos fenómenos, situações, processos e tendências de desenvolvimento. Em ligação com a prática e com o incessante progresso dos conhecimentos, esta concepção do mundo é necessariamente criadora e, por isso, contrária à dogmatização assim como à revisão oportunista dos seus princípios e conceitos fundamentais.

rafael disse...

Caro Fabian, no meu comentário, a parte que citou vem antecedida de outra:

"Através da sua implantaçao local e dos seus centros de trabalho que, melhor ou pior, vao conseguindo ter uma dinâmica permanente de luta, contestaçao e proposta e nao funcionam apenas em período eleitoral - creio que será caso unico dos partidos portugueses, pelo menos com esta expressao - o PCP tem desenvolvido um trabalho de interiorizaçao dos problemas sentidos pelas populaçoes e, de algum modo, tem desenvolvido um papel pedagógico de consciencializaçao do Povo Português (com maísculas) rumo a uma atitude de progresso. "

e peço desculpa por nao fazer a análise estatutária e tentar centrar-me na análise da realidade, na operacionalidade e na acçao concreta do PCP, que creio ser bastante mais importante do que discutir se o carimbo é stalinista, mandelista, leninista ou maoista.

Neste particular momento da sociedade capitalista, e em particular da portuguesa, prendermo-nos com discussoes teoricas sobre que modelo de desenvolvimento e organizaçao social terao as "vanguardas" da revoluçao parece-me um pouco precipitado, mas também podemos perder-nos por aí. just for fun...

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