“Face Oculta? Não ligo nada a isso, ainda é pior que novelas”

Considero que os casos complexos – Moderna, Casa Pia, Freeport, Face Oculta, etc. - devem ter, desde o seu início, um tratamento especial, por diversas razões: por, não raras vezes, terem contornos que escapam à formação técnica dos investigadores; por terem um impacto e visibilidade mediáticas muito significativas; e por envolverem indivíduos ou organizações com muito poder social e político. Acima de tudo, estes casos, e pegando em algo que o Boaventura de Sousa Santos escreveu em 2004, “têm poder suficiente para virar o público contra o sistema judicial e para criar divisões profundas no seio deste” (não é a isto que assistimos actualmente?). Esta visão pode ser simplista, já que não apetrechada de jargão jurídico ou técnico. Mas, na verdade, é de forma simplista, mas atenta, que o/a cidadão/ã comum segue estes casos, construindo, também a partir deles, fortes opiniões sobre a administração da justiça em Portugal. O Centro de Estudos Sociais realizou, em 1993 e 2001, uma sondagem sobre a administração da justiça e o funcionamento dos tribunais a uma amostra representativa da população portuguesa. Ora, os resultados desse inquérito mostram que a maioria dos inquiridos duvida da capacidade dos tribunais para fazer justiça (quer em condenar as pessoas que efectivamente são culpadas, quer em condenar os crimes cometidos por pessoas com poder ou com dinheiro), e entende que "com dinheiro e um bom advogado uma pessoa consegue o que quer do tribunal." Nas afirmações referentes ao desempenho do sistema, os inquiridos, uma vez mais, consideram que os "ricos" são tratados de forma privilegiada nos tribunais comparativamente com os "pobres" (75,3% em 1993 e 71,6% em 2001). As consequências da condução e resolução (ou não resolução por prescrição) destes casos são políticas. Mas não esqueçamos que têm igualmente resultados directos nas expectativas das pessoas relativamente à justiça.
Quando eu falo em “pessoas” não estou, no entanto, a incluir o Belmiro de Azevedo, autor da frase que coloquei no título.

2 comentários:

Luís Sousa disse...

Os "tratamentos especiais" dos casos judiciais com mais peso político poderão servir apenas para "formalizar" aquilo que de facto já se passa no sistema judicial... a sua inadmissível politização. Qualquer magistrado medianamente capaz pode lidar com casos como os que tem sido referenciados como envolvendo políticos em Portugal... o momento em que esses casos começam a soçobrar passa-se quando eles começam a ser avocados para instancias superiores do sistema, invocando a sua especial complexidade... quanto mais perto dos círculos do poder, menos independentes serão as decisões tomadas. Na minha opinião, sempre que titulares de cargos públicos estejam envolvidos, deveria ser dada prioridade a esses casos na agenda dos magistrados envolvidos, sendo eles substituídos nos seus outros compromissos por parte de uma bolsa de magistrados em regime de "mobilidade especial" para os casos "correntes" que os magistrados titulares teriam que temporariamente abndonar para se poderem dedicar a tempo inteiro a resolver problemas da democracia... coisa que para mim deveria ser prioritária, mesmo mais prioritária de que o tratamento de "crimes de sangue".

Madalena Duarte disse...

O problema a meu ver Luís, é que esse tratamento especial de que falo se refere não apenas a magistrados, mas começa desde logo pela equipa de investigação que lida com os casos. Nem sempre estas equipas estão preparadas para lidar com casos de grande criminalidade organizada e económica. O tratamento especial não se traduz numa ocultação dos mesmos, mas, precisamente por estarem localizados nos centros de poder, não podem ser tratados no espaço público como se de um duelo se tratasse entre diferentes poderes judiciais. Quanto ao serem considerados prioritários, totalmente a favor. Temos uma lista já longa de prescrições ao longo das últimas décadas de processos bem graves.

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