Quem tem medo do feminismo (2)



Maria João Pires e Ana Vidigal postaram estes vídeos e eu não resisti em traficá-los para aqui. Estávamos em 1975, e o mesmo país que procurava construir um futuro novo era capaz de ser mesquinho, insensível e violento perante as reinvindicações do feminismo. De uma violência tão obscena que o vídeo acima se transforma numa autêntica lição de história. E de coragem.



A propósito dos 35 anos da manifestação do MLM (Movimento de Libertação das Mulheres) no Parque Eduardo VII, celebrados hoje pela UMAR (União das Mulheres Alternativa e Resposta).

8 comentários:

RB disse...

Aquilo que não pode deixar de ser lembrado é que muitos dos alarves que perseguiam aquelas mulheres participavam na luta popular. Como tenho memória do episódio, posso garantir que muitas pessoas que se consideravam de esquerda (falo de militantes organizados mesmo) se referiam ao episódio em tom de gozo. Há certas coisas que custa esquecer... Ou melhor, que se não devem esquecer.

Frederica Jordão disse...

A percepção que os partidos de esquerda (e aqui incluo quadros e simpatizantes) à época tinham das questões políticas das mulheres - e que muitos mantêm acerca deste tema e de outros que lidam com a liberdade individual - era bastante conservadora, apesar da aparência esclarecida.
De alguma forma, os problemas da indexação da identidade feminina a outras instituições seriam sempre um assunto para tratar mais tarde, quando a revolução estivesse consumada.
Terão sido inúmeros os episódios em que mulheres activamente envolvidas com os partidos e grupos da época sofreram pressões para se libertarem do acessório - das preocupações forjadas na estética americana do ser feminino - para se dedicarem à agenda imediata do partido ou organização.
Assim nasceram os feminismos operários e uma série de correntes que, no seu extremo, geraram conceitos dúbios, poderosamente desmobilizadores, como "a classe das mulheres". O efeito foi uma polarização que ridicularizou as pretensões feministas por contrapôr essa luta esclarecida por direitos básicos ao "eterno feminino" ou, nos casos mais optimistas, fez deslocar a discussão precisamente para a liberdade individual - outro saco enorme de anseios e questões - de onde não podem, muitas vezes, destacar-se as particularidaddes da luta feminista.

Miguel Cardina disse...

Totalmente de acordo. Não vivi aqueles anos, como o Rui, mas era capaz de apostar o meu dedo indicador direito em que muitos daqueles machos latinos estiveram na manifestação do 1.ºde Maio, animaram comissões de trabalhadores e de bairro, e votaram no PCP ou nos partidos da extrema-esquerda. A Frederica apresenta um belo quadro impressivo de como toda esta questão do feminismo foi apropriada à época por estes sectores. Aliás, para além do MLM, existia pelo menos o MDM (Movimento Democrático das Mulheres), na orla do PCP, e a UMAR (União das Mulheres Antifascistas e Revolucionárias), ligada à UDP. Ambas viram esta manifestação como sinal da inconsequência "pequena-burguesa" das suas organizadoras. Curiosamente (sinal de optimismo) é agora a UMAR (já na sua versão "União das Mulheres Alternativa e Resposta") que evoca o episódio. É bom quando a esquerda se liberta da ideia de que a luta das mulheres é secundária e subsidiária da luta de classes.

Shyznogud disse...

Espero ansiosamente um texto que me foi prometido há uns tempos sobre isso mesmo, Rui, os anti-corpos dos partidos e movimentos de esquerda ao feminismo naqueles anos. Ontem, por acaso, encontrei o autor da promessa no Parque Eduardo VII e, nem de propósito, melguei-o muuuito para q a cumprisse.

ana vidigal disse...

http://jugular.blogs.sapo.pt/1490978.html

Documento que me foi cedido pela Cristiana Pena e que penso contribui para ilustrar esta conversa. Ouvi falar em casa nesta manifestação.
Acho até que foi a primeira vez que ouvi a palavra feminismo (tinha catorze anos), e o que ouvi, não enaltecia o MLM, antes pelo contrário.
Foram esses comentários depreciativos que me despertaram a curiosidade de ler o livro das três marias às escondidas.

Frederica Jordão disse...

Para melhor ilustrar o que disse recomendo a leitura dos livros:

"A força ignorada das companheiras", de Gina de Freitas

"As Clandestinas", de Ana Barradas

E indico este link para para uma leitura transversal do texto "As Mulheres na Clandestinidade", deixando os comentários (sardónicos) para outra ocasião:

http://cvc.instituto-camoes.pt/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=905&Itemid=69

Miguel Cardina disse...

Obrigado, Ana Vidigal, pelo documento. Estava curioso por ver a posição do MDM e da UMAR. A posição do primeiro movimento sobre a manifestação está lá clarinha. Quanto à UMAR era impossível tomar posição (e aproveito para corrigir o que disse acima), já que a organização só foi fundada em 1976.
Frederica: conheço bem o segundo texto mas não conheço o primeiro. Vou ver se o apanho. Os trabalhos historiográficos de Maria José Magalhães, Manuela Tavares e Irene Pimentel também dão bons retratos sobre as lutas pelos direitos das mulheres entre os anos 60-80.

Rui Bebiano disse...

Shyz, também gostava muito de ler isso. A propensão falocêntrica (irra, que raio de expressão, eu sei...) no interior da esquerda e da esquerda radical é uma história por escrever. E que ainda não foi fechada, como se sabe.

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