Publicidade - regras do jogo

É ténue a linha que divide o puro mau gosto (sempre discutível, claro está, mas legítimo) e a reprodução de estereótipos que promovem desigualdades. Por exemplo, embora concorde plenamente com a Andrea Peniche em relação ao anúncio a que alude, não posso concordar com a crítica ao anúncio que o Bruno Sena Martins refere, nem (ou ainda menos) com o corporativismo do Tiago Mota Saraiva.

A publicidade joga habilmente com o relacionamento daquilo que excita com o produto publicitado e isso, parece-me, cabe nas regras do jogo. Apesar de toda a gente saber que os anúncios não pretendem ser um retrato fiel da realidade, é certo que têm (é esse mesmo o seu propósito) um poder de persuasão e sedução difícil de ignorar. Ainda assim, o sexo excita como excitam o dinheiro, o romance, a liberdade ou o luxo. Portanto, utilizá-los como forma de apelar ao consumo parece-me perfeitamente justificável. Menos justificável é a utilização de papéis de género estereotipados, reproduzindo-os da mesma forma que seria inconcebível um anúncio que utilizasse representações de superioridade étnica de um qualquer grupo.

Mas repito: a linha é ténue.

6 comentários:

Bruno Sena Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
rafael disse...

ou seja estereotipos de género ou étnicos nao, os outros no problemo. Onde traçamos entao a fronteira? E os estereotipos ideologicos? Tipo o gajo do Bloco que só fuma ganzas ou o comunista que tá sempre à espera do que o chefe dite a ordem...

Desculpa lá, mas qualquer tipo de estereotipo, qualquer tipo de menorizaçao do ser humano baseado no estereotipo, na criaçao da falsa imagem motivada ideologicamente (sim, pelo menos espero que de isso tenhas consciencia) é uma afronta a que nao nos podemos permitir. sao recuos civilizacionais que se vao infiltrando, vamos achando graça, vamos perdendo a capacidade de nos enojarmos e no fim, está instalado...

PS: e o Tiago, assim como eu proprio, nao estamos a ser corporativos. eu, pelo menos, senti-me tao ofendido como se fosse mulher e tivesse sido alvo da campanha que a Andrea refere. Ou por acaso pertenço a um género ou classe profissional condenada historicamente?

Diogo Augusto disse...

Rafael, a referência que fiz a estereótipos étnicos foi apenas exemplo. Nunca disse que eram apenas esses os que condenava. Mas, de facto, não condeno todos. O "bloquista" não é alvo de tratamento desigual por ser bloquista. As mulheres, por exemplo, são.

Quando falei eu corporativismo, referia-me ao comentário do Tiago sobre a Vodafone, não misturemos as coisas.

Acusar a publicidade do "É só puxar" de ser sexista é como dizer que o Guernica é um mau quadro porque os touros, na realidade, não são assim. E repito que considero o anúncio do Stout Spa, sexista e criticável.

rafael disse...

Diogo, eu percebi muito bem que falavas do anuncio da vodafone quando mencionavas o comentario do Tiago. Como ele, tambem eu sou arquitecto, e comparei e comparo as duas coisas. E acho que devemos misturar as coisas, realmente acho. As estruturas de construçao de poder que estao subjacentes a cada uma delas (seja a da sociedade patriarcal, seja a da ilusao do liberalismo do sef made man (neste caso woman)) estao intrinsecamente ligadas. Por alguma razao, a libertaçao dos povos, para usar a giria marxista leninista, passa primeiro pela libertaçao da mulher...

PS: se realmente achas que nao existe discriminaçao motivada ideologicamente, nao sei em que planeta vives, sinceramente...

e desculpa lá algum excesso de acutilancia escrita...

Diogo Augusto disse...

Se insistes em misturar, temos pouco terreno fértil de discussão. É que essa mistura pode servir os teus propósitos políticos mas, analiticamente, perturba mais do que ajuda.

Quanto a a libertar povos, as minhas aspirações são mais singelas mas parece-me que a existência deste tipo de anúncios (como o do "É só puxar") é sinal de libertação. A defesa da liberdade das indústrias criativas como a publicidade é também libertação dos povos. E, sinceramente, se achas que isto tem um grande impacto nas representações das pessoas acerca de papéis de género, tens as pessoas em muito má conta.

A libertação não passa pela esterilização da vida pública livrando-a de todas as más influências.

rafael disse...

Diogo

em primeiro lugar, nao tenho nenhum proposito politico claro. Falo-te da análise que faço. Citando o Chomsky, um pouco de cor, "o imperialismo quando vê que está esgotada a via da violência, recorre à propaganda: muito mais eficaz na sua mensagem de apaziguamento dos povos." e já agora Roemer Van Toorn, na sua definiçao de "Neo-Conservadorismo": "Fresh Conservatism is a tendency that presents the normally discreet character of conservatism in a spectacularly fresh fashion, as a work of art. This freshness is of course itself an inseparable part of our conservative industry of spectacle."


Dito isto, e sem falsos moralismos, nao me parece em nada que anuncios como este combatam de alguma forma a esterilizaçao da vida publica: a vida publica fertil, na minha opiniao, está mais além...

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