O véu, a burka, a lei e a liberdade

Confesso que, como a Magda (e talvez mais do que ela), também não tenho uma posição definida nem clareza suficiente em relação ao assunto, ainda que me incline para uma posição contrária à que ela expressou. Isso acontece por causa de um factor que a Magda não abordou no post dela. Diz a Magda que "não cabe ao Estado procurar combater fundamentalismos ou supostos sinais disso mesmo com outros fundamentalismos, com a privação das liberdades individuais" e é precisamente aí que a coisa complica. É que cabe, de facto, ao Estado combater fundamentalismos ainda que com medidas que possam, à partida, parecer privações de liberdades individuais.

Há um conjunto de valores civilizacionais que cabe ao Estado defender. Isso acontece quando, por exemplo, determinada prática é considerada crime público, ou seja, quando determinada prática é condenada apesar da vontade da vítima. Isso acontece, habitualmente, em casos em que a vítima é sistematicamente parte dominada numa relação de poder bastante assimétrica. A violência doméstica, uma vez que foi e é muitas vezes encarada como compreensível e aceitável pelas vítimas servirá aqui de bom exemplo para estabelecer um paralelismo. A condenação deste comportamento não é vista como privação de liberdade mas, antes, como garantia dela. No caso dos véus, parece-me que a situação é semelhante e a proibição de uma prática circunscrita àquela herança cultural talvez se afigure como um imperativo em sociedades democráticas. Não como forma de "controlar" invasões civilizacionais apocalípticas mas como forma de garantir a todos, independentemente das suas heranças e/ou referencias culturais, os mesmíssimos direitos. Ou, como disse o nosso colega Tiago Ribeiro num outro espaço, "em contextos desiguais, a lei liberta e a liberdade oprime". E agora pode vir ele insultar-me e dizer que não percebi patavina do que disse.

Imagem roubada daqui.

3 comentários:

magda alves disse...

Acabei de ler um post do rui bebiano sobre o tema e confesso que fiquei novamente a pensar, RRRR.. nomeadamente tratando-se da burka(http://aterceiranoite.org/2010/07/18/os-veus-e-a-logica-do-zoo/). Como disse, não tenho uma posição definidérrima mas tendo, de facto, para aquela que assumi no post. Sobre a frase que retiras do meu post, estava à espera de uma resposta dessas porque a minha frase dá azo a isso e nesse ponto de vista a tua resposta é certíssima. Mas o paralelo que fazes julgo que não pode ser feito, porque o problema desses símbolos é que nós os interpretamos como uma violência, mas não consigo afirmar que o seja para todas as que o usam, que o usam, até prova do contrário, livremente. Os fundamentalismos de que aqui falamos são culturais, o que complica. Para além de que sabemos, ou desconfiamos, que proibições legais tendem a reforçá-los e segregam.

Diogo Augusto disse...

Reconheço que o paralelismo que estabeleço estica um bocado a corda mas a violência doméstica também é cultural e simbólica. Não se trata apenas de um acto físico sem quaisquer repercussões sociais. Antes, tal como o uso deste tipo de roupas, servem o propósito de manter uma relação de poder que, por muito violenta que seja, pode ser "livremente" aceite pelas vítimas como perfeitamente justificável

magda alves disse...

Sim claro, mas o meu ponto no que concerne o veu e a burka e o papel do Estado é que se o Estado é, e bem, e deve ser, laico, já as pessoas não têm que o ser e não cabe ao estado regular a liberdade religiosa, de culto, de cada um/a por muito que julgue que determinados simbolos dessas religiões sejam supostamente contrários ao que defende - considero como já disse que simbolizam a subordinação da mulher, etc, mas como também disse, essa é a nossa leitura, pode não ser a de mulheres que o usam. Estão enganadas? pois é capaz mas para além de estarem no seu direito, quem sou eu e quem é o Estado para impôr a sua visão sobre a religião e os seus simbolos, e as crenças de cada um/a? custa? custa sim, no doubt. Apetece tirar-lhes aquele veú ou aquela burka e "libertar as mulheres"? apetece sim; mas não acho que passe por ái. O Estado poderia no limite intervir se essa liberdade religiosa, cultural coagisse terceiros/as que nada têm a ver com o uso de tais simbolos. Não é o caso. Incomoda-me? incomoda-te? sim, mas não nos coage . 2º porque ao proibi-los o Estado estigmatiza, não integra, quer assimilar, rejeita cidadãs que têm liberdade de circulação, liberdade religiosa, direito à educação, ao espaço público. Repara que estou aqui a responder-te mediante aquilo que julgo que são argumentos válidos para o debate e nos quais tendo a rever-me , mas mais uma vez sem CERTEZAS e não quero ser mal intepretada na minha visão sobe tais simbólos, claramente, a meu ver, instrumentos de subjugação das mulheres, mas isso é a minha concepção e o que aqui devemos pensar é o papel do Estado perante o uso individual de tais símbolos, as liberdades de cada um/a, o que subjaz por trás das "práticas" do Estado e quais as suas consequências. E é aí que a minha percepção sobre tais símbolos se submete a outra racionalidade.

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