Os miseráveis

São frases críticas que não se podem deixar passar num momento destes. Não porque critiquem, no sentido negativo da palavra, ou revelem pensamento crítico, antes pelo contrário, mas porque revelam um estado crítico. O estado crítico a que se chega para justificar uma política criadora de mais crise. O estado crítico a que chega a incompreensão dos políticos da situação sobre a situação real das condições de vida de muitos/as dos/as outros/as. O estado crítico a que chega a arrogância de quem está na mó de cima.

Diz António Barreto que “há direitos incompatíveis com a crise.” E ficamos a saber que há direitos intermitentes (saúde, educação, habitação…) que são um luxo concedido no intervalo das crises e que são coisa a cortar antes de ir importunar os lucros de alguém poderoso. Ao que parece há quem pense que a dignidade humana tem um preço e esse é o preço do ajustamento das contas públicas aos níveis exigidos pelos especuladores.

Diz Almeida Santos que “o povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.” e ficamos a matutar no que será esse sofrimento. Podemos imaginar os membros de um governo que deixaram de receber o subsídio de desemprego a esticar os cêntimos até à última enquanto que lá fora o povão, a começar pelos sacanas dos funcionários públicos, se desfaz em banquetes. Ou talvez seja melhor imaginar então a enorme dor interior do Primeiro-Ministro ao cortar nos salários, nas pensões, nas prestações sociais, ao aumentar impostos ao promover desemprego. Como sofrem aqueles que amam o povo que ignora o seu sofrimento... Há então que fazer sofrer o povo para compreender bem o sofrimento do chefe. E há algo que fica a ressoar na cabeça: sim, é justo, eles deviam sofrer a crise como nós a sofremos....

Diz o deputado do PS Ricardo Rodrigues: “sendo neste momento deputado sou dos que perde mais dinheiro” E ficamos com pena da vítima mais vitimizada dos planos de austeridade. E ficamos a gabar-lhe o altruísmo de quem sofre dignamente essa perda, votando no parlamento a sua própria miséria a bem da nação. Os/as outros/as? Queixam-se de barriga cheia porque não perderão certamente tanto dinheiro como ele. Só uns trocos. Já dizia alguém que se não tiverem pão o que isso interessa? Comam brioches!

Serão frases anedóticas certamente. Mas são frases que passam por cima da miséria de muitos/as. Por isso, são frases miseráveis.

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