escolhe já a tua ponte

Hoje em dia usa-se muito dizer que somos um País de proprietários, isto é, que todos nós temos a nossa casinha. Na verdade, somos um País de hipotecados. Eu, por exemplo, mantenho uma relação com o senhor Ulrich, que se manterá até aos meus 72 anos.

Acontece que há uns anos os salários não só não chegavam para pagar uma renda como praticamente não havia casas para arrendar. Mas os salários iam dando para pagar uma hipoteca ao banco. Neste País, nunca houve políticas de incentivo ao arrendamento. A escolha foi sempre a de facilitar o crédito. A banca agradecia e quando a banca está contente o País rejubila.

Gostava de dizer que eu não escolhi ser proprietária; eu escolhi emancipar-me e isso custou-me 40 anos de hipoteca.

Porém, tudo está a mudar. A troika, com a concordância do PS, PSD e CDS, decidiu animar o mercado de arrendamento. E decidiu fazê-lo castigando quem foi obrigado a comprar casa. Assim, no memorando da troika pode ler-se (a tradução é do Aventar, uma vez que o Governo ainda não teve oportunidade de a disponibilizar):

«O governo vai modificar a tributação da propriedade, com vista a equilibrar os incentivos para arrendar, face à aquisição de habitação. (4T 2011) Em especial, o Governo irá: i) limitar a dedutibilidade nos impostos sobre os rendimentos das rendas e juros das hipotecas a partir de 1 de Janeiro de 2012, excepto para as famílias de baixos rendimentos. O pagamento do capital não será dedutível a partir da mesma data; ii) gradualmente, reequilibrar a tributação sobre a propriedade imobiliária para o imposto recorrente (IMI) e dar menos importância ao imposto de transferência de propriedades (IMT), sempre tendo em conta os mais vulneráveis socialmente. A isenção temporária de IMI para habitação ocupada pelo proprietário será consideravelmente reduzida e o custo para propriedades devolutas ou não arrendadas será significativamente aumentado».

A juntar a isto, hoje, perante a suspeita de que o BCE poderá aumentar as taxas de juro, a Euribor subiu pelo quarto dia consecutivo e o Banco de Portugal decidiu autorizar a violação unilateral dos contratos estabelecidos entre os clientes e a entidades credoras. Assim, se houver «razão atendível» ou «variações de mercado», a banca vai poder fazer «repercutir nos clientes os efeitos da conjuntura desfavorável, ou seja, os consumidores serão sempre chamados a pagar as oscilações de risco da banca». Os encargos negociados, nomeadamente o spread, passam a ser letra morta sempre que os bancos assim o entenderem.

Como diz José Sócrates, para não contaminar todo o sistema financeiro, o Governo decidiu nacionalizar os prejuízos do BPN (mais de 6 mil milhões de euros); a banca, apesar dos lucros, continua a pagar menos impostos do que as empresas, sendo também responsável pela diminuição da receita fiscal em 2010; dos 78 mil milhões de euros do empréstimo a Portugal, 12 mil milhões de euros vão directamente para a dita «recapitalização da banca».

A nós, que pagamos todos os impostos, directos e indirectos, é-nos exigido que continuemos a ajudá-los. Haja decência.

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