A esquerda e a futura candidatura de Alegre

Confesso que não me agrada por aí além a figura de Manuel Alegre. Tenho alguns pruridos relativamente à caça e nunca deixaria que me erguessem estátuas enquanto estou vivo (morto já não respondo por mim). Em termos mais claramente políticos, também me sinto apartado dos discursos algo passadistas que usam a palavra «pátria» como se dela emanasse um halo ético simultaneamente inclassificável e catalisador. Com efeito, frequentes vezes se esquece o carácter excludente da noção: mesmo que não seja só dos patriotas, a pátria é dos patrícios; não dos apátridas e dos expatriados. Bem sei que há modos inclusivos de pensar a «pátria» – e até nomes mais arejados para designá-la – mas também sei que o republicanismo de esquerda não foi nem é imune à tentação da homogeneidade e ao chauvinismo cultural. Por outro lado, penso que no dia em que Alegre apresentar a sua candidatura, muitos daqueles eleitores que votaram à esquerda de Sócrates – ou no PS apesar de Sócrates – não terão muitas dúvidas sobre qual o destino do seu voto. Porque Alegre é o único candidato capaz de derrotar Cavaco. E será na dinâmica que se estabelecer a partir desse dia que se jogará também o debate sobre a esquerda que temos e a esquerda que queremos.

11 comentários:

Joana Lopes disse...

Tenho a sorte de não ter qualquer antipatia por Alegre, ao contrário de muitos que irão talvez votar nele de olhos vendados, como o dr. Cunhal ordenou aos comunistas que o fizessem em M. Soares.
E estou totalmente de acordo quando dizes que «será na dinâmica que se estabelecer a partir desse dia [em que Alegre vencer Cavaco] que se jogará também o debate sobre a esquerda que temos e a esquerda que queremos». Façamos figas e o esforço necessário para que isso aconteça: contra Cavaco, marchar, marchar!

Zé Miguel disse...

Concordo com muito do que dizes sobre o Alegre e também não simpatizo muito com a pessoa. No entanto, considero que o seu aparente interesse em relação à convergência das esquerdas é interessante. Para mim o Manuel Alegre é aquele género de político que dá uma no cravo e outra na ferradura...

Anônimo disse...

Tens toda a razão quando dizes que as presidenciais, com alegre, vão clarificar os campos à esquerda. Entre os que "não gostam mas comem" e os que "não gostando não comem mesmo". É isso?

Renato Teixeira

Miguel Cardina disse...

Acho que esta questão vai um pouco além da retórica gastronómica dos que, não gostando, comem ou não comem. Não tenho nenhum ódio especial a Alegre. Digamos que tenho diferenças geracionais, culturais e políticas com ele. Mas isso até comigo próprio tenho... Na verdade, consigo pensar num nome - como o de Carvalho da Silva - que me entusiasmaria mais. Só que é evidente que não avançará e até duvido que fosse um candidato capaz de derrotar Cavaco. E eu gostava mesmo que isso acontecesse. Com a vantagem adicional de Alegre, sendo militante do PS, estar, digamos assim, à esquerda do PS (e não ser um nome nada cómodo para as bandas do largo do Rato). Não me lembro de nenhuma eleição presidencial em que o candidato principal da esquerda tenha estado nesta posição (tirando a última, mas da forma que sabemos).

Aristes disse...

Manuel Alegre para Presidente da República em 2011
no Facebook

Não vai ser fácil, por esta altura o milhão de votos já deve andar todo tresmalhado.

alguém disse...

Miguel, entristece-me ver que embarcas no discurso da "esquerda possível". O Daniel Oliveira, desenrola o paleio da inevitabilidade, a saber: "Mil vezes, por exemplo, um Carvalho da Silva. Mas a política é a nossa vontade mais as circunstâncias". Ou seja, a política é a arte do possível... neste caso "da esquerda possível". Farás parte, com orgulho de visionário (suponho), do grupo que continuará a negar a luta política e a anunciar a impossibilidade do que é necessário. Assim contentar-te-ás com "o possível" e mais uma vez se adia o que seria realmente importante. Triste, ao invés de Alegre, é perceber que a esquerda vive de joelhos no altar do PS.

ácido disse...

Ainda não foi desta que foste promovido à primeira divisão da blogosfera, mas se continuares assim, no próximo crescimento do arrastão já terás lugar marcado.

Miguel Cardina disse...

Xiii... um gajo vai ver o debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e descobre que afinal o blogue é visitado!

Ácido: gosto de jogar nos distritais. À primeira divisão vou só ver os jogos. A propósito, fui agora ao Arrastão e aproveitei para ler o texto do Daniel Oliveira, que ainda não tinha lido. Nem sempre concordo com o DO, mas neste caso concordo inteiramente. Daí, "alguém", ter dúvidas em achar que neste caso a esquerda se está a colocar no altar do PS. Além do mais: há caminho para a necessidade sem ter em conta as possibilidades?

alguém disse...

A necessidade no dia 22 de Abril de 1974 era a mesma que no dia 23 ou no dia 24, no entanto as pessoas é que FIZERAM a possibilidade de no dia 25 alguma coisa mudar. As possibilidades não são só aquilo que julgamos que existe. É também aquilo que pode existir se lutarmos por isso.

Tiago Ribeiro disse...

«A realidade não se esgota naquilo que existe» é um dos postulados da chamada teoria crítica :) Agora não exagerem, sim?

Anônimo disse...

Miguel, e por interposta, também Tiago,
Acham mesmo que ainda há dúvidas sobre o candidato? Que o PS vai cometer o mesmo erro duas vezes? É o melhor candidato do PS por mais não seja porque capta entre outros, o vosso voto.
É por isso um bom candidato?
Como é o tema do ano vou recolher para elaborar sobre o assunto.
Até lá, já que não gostaste da metafora gastronómica, deixo uma serie de ironias...
Cá vai a primeira:http://5dias.net/2010/01/08/ironia-alegre-123-do-enamoramento/
Sobre o teu texto não encontro melhor resumo do que o do Tiago Mota Saraiva. Aqui:http://5dias.net/2010/01/08/futurismo-determinista/
O debate é longo... isto foi só a aperture.
Abraço

Renato Teixeira

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