Arte e salvação





A embaixada israelita em Espanha puxou as orelhas à organização da feira de arte contemporânea de Madrid, Arco, por ter colocado em exposição a obra “Stairway to Heaven” do artista plástico espanhol Eugenio Merino (em cima). Trata-se de uma escultura em que as três grandes religiões são representadas (ao estilo do totem?) em oração mas munidos do livro errado, ou melhor, trocado.
A provocação não é, no entanto, nova e já faz parte do modus operandi de Merino que usa a obra de outros artistas como ponto de partida para a sua reflexão. A mais evidente citação em “Stairway to Heaven” provém do trabalho de Maurizio Cattelan “The Ninth Hour", escultura de 2004 que representa o Papa João Paulo II derrubado por um meteorito. Da mesma forma, em “This is not a Philippe Starck” (visível ao fundo da foto acima) há uma espingarda de dentro da qual sai uma menorah, o candelabro judeu do Hanukkah, que segue de perto o registo bem humorado do designer Philippe Starck que usa armas como base para candeeiros.
Na missiva da embaixada, citada pelo El Pais, é denunciada a ofensa e relembrado ao mundo de que modo a liberdade de expressão pode esconder o preconceito e o estereótipo, crítica na qual Israel foi secundado pelos Reis de Espanha, primeiros visitantes da feira.

É sempre refrescante uma polémica em torno de peças de arte contemporânea mas esta não merecerá tanto alarido. Em primeiro lugar porque Merino não descobriu a chave do hiperrealismo, ela pertence, entre outros, a Ron Mueck e, de outro modo, também a Jeff Koons, a Jake e Dinos Chapman e a Damien Hirst (artista que lhe merece tantas críticas); em segundo lugar, porque são extemporâneas (e atentam, essas sim, contra a liberdade de expressão) as opiniões dos líderes religiosos acerca de uma matéria sobre a qual todas as religiões, sem excepção, procuraram desde sempre exercer censura e controlo. É que, se por um lado, todas deram o seu indiscutível contributo para a formação e para a fruição estética dos povos, também é certo que essa fruição e essa formação se operaram por exclusão, por silenciamento e censura.
Certo é, também, que estas polémicas ajudam a vender - a peça de Maurizio Cattelan “The Ninth Hour” rendeu 4 milhões de dólares em 2004 - e Merino já começou a ver os frutos do seu mau comportamento (ou ingenuidade, como o próprio denomina) porque a peça foi imediatamente adquirida por cerca de 45.000 Euros.

4 comentários:

Anônimo disse...

Grande obra!!! Vou roubar descaradamente. :)

Renato T.

João Amaro Correia disse...

cara frederica, não são «todas as religiões, sem excepção, procuraram desde sempre exercer censura e controlo», são, como bem sabe, os homens.
o debate religioso é completamente irrelevante, aqui. interessa, sempre, o debate político.

j

Frederica Jordão disse...

Caro joão, não sei que parte da vida não é política, por isso, concordo consigo: é um debate político. Tal como foi política a resposta de alguns sectores islamistas que descambou no 11 de Setembro e no resto que se sabe.

João Amaro Correia disse...

ora lá está. acertou naquilo em que também acredito. na resposta política à política islamista (de sectores islamists) pós-9.11.
é que me custa sempre que as culpas sejam de deus. e não dos homens. mas isto sou eu.
e sim, há coisas da vida que não são políticas. há tanta coisa que não é política. olhar o céu, por exemplo, simples e desinteressadamente. ou uma pedra, como outro exemplo.

j

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