E agora, algo diferente

Quem me conhece sabe que eu sou boa pessoa e não sou nada dado a estas coisas. Mas a páginas tantas uma pessoa não tem outro remédio senão fazer referência ao Marx. É a custo que o faço mas ao saber da nova proposta da CIP, sinto que é um deve cívico fazê-lo.

O que se quer combater é consensualmente considerado como digno de ser algo a combater: "evitar que alguém possa ganhar mais estando no desemprego do que a trabalhar". Ora, como é sabido que os salários em Portugal já são extravagantemente altos, António Saraiva propõe que se mexa no subsídio de desemprego, essa prestação que alimenta preguiçosos malandros, acabando com o seu limite mínimo.

Ora, é precisamente a existência de um subsídio de desemprego mais ou menos digno que permite que a lógica da formação de um exército industrial de reserva se complete na sua plenitude, ou seja, que permite que os trabalhadores não sejam obrigados a aceitar condições de trabalho precárias sob ameaça de outros, em situação pior, as aceitarem. Depois da generalização do recibos verdes que, de uma machadada, resolveram o problema do salário mínimo, dos descontos para a segurança social, e das barreiras ao despedimento por dá cá aquela palha, só falta mesmo tentar fazer com o Estado deixe de cumprir as suas funções de segurança social para deixar os trabalhadores numa situação precária ideal.

Isto já para não dizer que, se com subsídios de desemprego baixíssimos a sua média é superior à média dos últimos salários dos beneficiários, isso diz muito mais dos salários que dos subsídios.

E pronto, posso voltar ao meu eu liberal de todos os dias.

6 comentários:

Hugo Dias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Dias disse...

O patronato na ofensiva já se sabe. Esta proposta não é única. Nos últimos meses têm tirado da cartola muitos presentes gostosos. Vou tentar reconstituir esse trajecto.

Loba Capitolina disse...

Próxima paragem: semana de 60 horas.

Andrea Peniche disse...

E que tal um congelamento do 13º mês e uma descida dos salários da Função Pública? Vinha mesmo a calhar.

José Luís Ferreira disse...

Parabéns pelo post.
Uma pequena correcção, no entanto: a teoria do exército de reserva é pré-marxista: se não me engano, o seu autor é David Ricardo, o autor também da Lei de Bronze dos salários: o seu montante equivalerá sempre ao mínimo necessário à reconstituição da força de trabalho durante um determinado período: ou seja, nada tem a ver com a produtividade nem com os lucros realmente auferidos pela empresa, mas sim com o mínimo de que o trabalhador precisa para estar de novo, no mês seguinte, capaz de fornecer o seu trabalho.

Diogo Augusto disse...

José Luís Ferreira, obrigado pela correcção. Depois do reparo, fui à wikipedia e lá (http://en.wikipedia.org/wiki/Reserve_army_of_labour) a autoria do termo é atribuída a Marx mas o rigor está para a wikipedia como a vergonha está para esta gente de que fala o texto.

Além do mais, o facto de o termo não ser originalmente de Marx acalma-me muito o espírito. :)

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