Andar para trás

Percebo perfeitamente a lógica estratégica em que assenta a reivindicação do casamento deixando a questão da adopção para outras calendas. Não a ponho em causa. Os movimentos sociais que a adoptaram lá saberão de si. Ainda assim, a promulgação (justificada com um discurso absolutamente asqueroso, mas isso são outros quinhentos) da lei que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo (CPMS) constitui um passo atrás que dificilmente se coaduna com o clima de festejo com que foi recebida.

A questão do casamento nunca foi, pelo menos para mim, uma questão que estivesse relacionada com a viabilização de uma prática. Parece-me que a questão mais importante neste processo é a do reconhecimento. Nesse sentido, a proposta macabra de arranjar qualquer coisa parecida com o casamento mas com outro nome, não fazia qualquer espécie de sentido e não resolvia a questão de fundo: a da desigualdade de direitos. É por isso que me faz especial impressão que se tenha festejado a promulgação que não aprova mais do que um casamento de segunda (Cavaco Silva teria preferido um casamento de terceira) por deixar explicitamente de fora a possibilidade da adopção. Não estamos a falar de um casamento igual aos que já existiam, estamos a falar, em certa medida, de um casamento especial, um casamento entre duas pessoas que, segundo a lei, pela sua orientação sexual, não são capazes de criar uma criança. Este impedimento, repito, explícito na lei, constitui, por isso mesmo, um retrocesso.

Bem sei que é fácil debitar sentenças sobre os direitos dos outros mas parece-me que a situação que se vai criar é mais injusta e mais retrógrada por criar uma lei que discrimina explicitamente casais de pessoas do mesmo sexo no que diz respeito à sua possibilidade de adoptar. Apenas me pareceria justa a consagração de um casamento por inteiro. Agora, se os destinatários desta lei preferem a nova situação à velha, já não é comigo. Mas se o fazem, estão a preferir uma situação que, a meu ver, é mais discriminatória.

4 comentários:

magda alves disse...

Diogo, já tinhas escrito isso e eu e outros/a já te tinhamos respondido e por isso não vou entrar em pormenores. Mas que fique claro que não nos deitaram arreia para os olhos, nem que festejamos acriticamente, nem que bla, bla, bla. Isso mesmo foi marcado aquando a aprovação pela AR. E há todo um sector do movimento LGBT que sempre pediu casamento com os mesmos direitos; nunca só casamento. Mas como ainda não somos nós que fazemos as leis, querias o quÊ? que chorássemos por ter só o casamento? Apesar deste ser um casamento de segunda, no doubt sobre isso, subestimas os efeitos (sociais, culturais, simbólicos) que a sua aprovação tem, aliás isto tem se notado nos últimos meses com cada vez mais pessoas a quererem intervir sobre estas matérias, um número crescente de iniciativas por todo o país, um número crescente de organizações/colectivos; com dia sim dia não uma notícia sobre estes temas na imprensa (escrita, televisa, radio), para muitos casais gays/lésbicas para quem , lamento informar-te, faz toda a diferença poderem casar civilmente perante o Estado ou não e verem assim reconhecida a sua união. Assim como faz toda a diferença crianças, jovens, etc crescerem numa sociedade em que o casamento é permitido. E não te preoccupes, estamos cá e tu também pelos vistos , para relembrar sempre que a conquista do casamento (como todas as leis em portugal em matéria de costumes e liberdades individuais; exemplo: aborto, educação sexual, uniões de facto, etc) teve e tem os seus custos e procurar dar-lhes a volta e continuar a contribuir para que a mudança social e cultural muito longe ainda de ter acontecido, aconteça*

Diogo Augusto disse...

Já tinha escrito sobre o envio da proposta para o TC. Ok, expuseste claramente as vantagens estratégicas desta situação. Continuo, ainda assim, a pensar que não é motivo para festejar crítica ou acriticamente. Mais, se esta lei é assim tão importante por crianças e jovens crescerem num país em que o CPMS é permitido, não te esqueças que estarão a crescer também num país cuja lei decreta a incapacidade destes casais de adoptar crianças.

Frederica Jordão disse...

Diogo, a declaração de voto do PR vai precisamente nesse sentido, de desvalorizar a conquista enorme que a aprovação do casamento (e com esta palavra!) significa, mesmo sem a adopção. Não podemos, nós, que defendemos esta lei e a sua plena realização com a questão da adopção, contribuir para que ela surja no espaço mediático como uma "coisa menor". É uma questão política de primeira ordem saudar todas as pessoas que se envolveram neste processo. E continuar a luta!

Diogo Augusto disse...

O PR não é assim tão importante nas minhas tomadas de posição. Nem por adesão, nem por oposição.

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