A comemoração dos 35 anos da manifestação do MLM (Movimento de Libertação das Mulheres) no Parque Eduardo VII – que teve uma cobertura jornalística e blogosférica assim a modos que tímida* – está a ser pretexto para uma afável troca de impressões na caixa de comentários do post abaixo. Ana Vidigal trouxe para aqui uma notícia do Expresso de 15 de Fevereiro de 1975, que indica a forma como as organizações de mulheres tomaram diferentes posições sobre a manifestação do MLM. Frederica Jordão e Rui Bebiano fizeram anotações críticas à maneira como os partidos de esquerda lidaram na altura com a temática do feminismo. E todos ficamos à espera do texto que a Maria João Pires está à espera – um contributo para a compreensão dos entraves levantados à afirmação deste eixo reivindicativo.
Escrevi em tempos um texto – destinado ao Congresso Feminista 2008 – no qual abordava aquilo que me parece ser a «presença ausente» do feminismo em Portugal durante os anos sessenta e primeira metade dos anos setenta. Não me vou agora repetir. Mas a ideia básica é a de que a ausência de colectivos apostados na imbricação entre público e privado – na linha do que se chamou «feminismo de segunda vaga» – resulta do forte investimento ideológico da ditadura na identificação da mulher com os papéis de «esposa», «mãe» e «fada-do-lar», mas também da abnegação, por um lado, e da «lógica das prioridades», por outro, exercitados pela causa antifascista. A configuração repressiva do Estado Novo ajuda a explicar isso, mas não totalmente. Em primeiro lugar, porque em casos similares, como em Espanha, houve apesar de tudo esboços de feminismo (desse «feminismo de segunda vaga»). Em segundo lugar, porque mesmo após o regime cair as organizações políticas de esquerda mantiveram-se arredadas e insensíveis ao tema. Na melhor das hipóteses, o feminismo era uma questão para «amanhã». Algo que ouvi muito bem sintetizado numa história contada recentemente por Sheila Rothbawm. Estava ela um dia a falar de feminismo num encontro trotskista (e sublinho o contexto, porque é importante) quando no período dedicado a perguntas e comentários alguém se levanta e questiona: «tudo isso que diz faz sentido, mas não acha que é um bocadinho utópico?»
Volto às imagens da manifestação de 1975, que ainda não me saíram da cabeça. Aqueles machos latinos a conquistar coutadas são verdadeiramente seres paradoxais. Pertencem tanto ao passado como ao presente, são os herdeiros do podre regime salazar-marcelista e os potenciais agitadores de bandeiras - que por exemplo, nesse dia e no outro, esvoaçaram em comícios contra e a favor da unicidade sindical, respectivamente. É por isso que gosto muito de uma expressão de William Faulkner: «o passado nunca passa». Não pelo seu travo aparentemente conservador, pela sua apologia do imobilismo, mas porque a frase nos alerta para o facto de todos os fenómenos de transformação social, mesmo quando deles se desprende a força do inédito e do novo, ganharem inteligibilidade no seu confronto com o passado. Com efeito, o biénio revolucionário de 1974-76 mudou profundamente a sociedade portuguesa e várias conquistas sociais então alcançadas melhoraram em muito a condição das mulheres. Mas o desprezo e a incompreensão com que determinados acentos feministas foram genericamente recebidos não pode também deixar de ser parte da história do período.
* A Salomé Coelho faz-me notar que a cobertura noticiosa não foi assim tão tímida. É possível consultar as notícias que sairam na página facebook do evento.
Escrevi em tempos um texto – destinado ao Congresso Feminista 2008 – no qual abordava aquilo que me parece ser a «presença ausente» do feminismo em Portugal durante os anos sessenta e primeira metade dos anos setenta. Não me vou agora repetir. Mas a ideia básica é a de que a ausência de colectivos apostados na imbricação entre público e privado – na linha do que se chamou «feminismo de segunda vaga» – resulta do forte investimento ideológico da ditadura na identificação da mulher com os papéis de «esposa», «mãe» e «fada-do-lar», mas também da abnegação, por um lado, e da «lógica das prioridades», por outro, exercitados pela causa antifascista. A configuração repressiva do Estado Novo ajuda a explicar isso, mas não totalmente. Em primeiro lugar, porque em casos similares, como em Espanha, houve apesar de tudo esboços de feminismo (desse «feminismo de segunda vaga»). Em segundo lugar, porque mesmo após o regime cair as organizações políticas de esquerda mantiveram-se arredadas e insensíveis ao tema. Na melhor das hipóteses, o feminismo era uma questão para «amanhã». Algo que ouvi muito bem sintetizado numa história contada recentemente por Sheila Rothbawm. Estava ela um dia a falar de feminismo num encontro trotskista (e sublinho o contexto, porque é importante) quando no período dedicado a perguntas e comentários alguém se levanta e questiona: «tudo isso que diz faz sentido, mas não acha que é um bocadinho utópico?»
Volto às imagens da manifestação de 1975, que ainda não me saíram da cabeça. Aqueles machos latinos a conquistar coutadas são verdadeiramente seres paradoxais. Pertencem tanto ao passado como ao presente, são os herdeiros do podre regime salazar-marcelista e os potenciais agitadores de bandeiras - que por exemplo, nesse dia e no outro, esvoaçaram em comícios contra e a favor da unicidade sindical, respectivamente. É por isso que gosto muito de uma expressão de William Faulkner: «o passado nunca passa». Não pelo seu travo aparentemente conservador, pela sua apologia do imobilismo, mas porque a frase nos alerta para o facto de todos os fenómenos de transformação social, mesmo quando deles se desprende a força do inédito e do novo, ganharem inteligibilidade no seu confronto com o passado. Com efeito, o biénio revolucionário de 1974-76 mudou profundamente a sociedade portuguesa e várias conquistas sociais então alcançadas melhoraram em muito a condição das mulheres. Mas o desprezo e a incompreensão com que determinados acentos feministas foram genericamente recebidos não pode também deixar de ser parte da história do período.
* A Salomé Coelho faz-me notar que a cobertura noticiosa não foi assim tão tímida. É possível consultar as notícias que sairam na página facebook do evento.
11 comentários:
E olha que em alguns blogs a referência ao evento - o de hoje e o de há 35 anos - também não foi nada tímida ;-).
É verdade, é verdade... em alguns blogues não foi nada tímida. Mas na blogosfera em geral passou quase despercebido. Ou então é dos blogues que leio...
Já agora repara como começa este post, sintomático
(caraças, vai por mail porq não consigo fazer copy/paste para esta caixa de comentários, o q se passa?)
É muito curioso o texto que a João refere (espero não estar a fazer confusão)
Desse grupo de mulheres do MLM, penso que a Madalena Barbosa foi a primeira a deixar-nos (21 Fev. 2009). A 22 desse mesmo mês a AR, por proposta do ps, votou por unanimidade um voto de pesar à feminista (e militante socialista) Madalena Barbosa. Como alguém (Porfírio Silva) lembrou e bem na caixa de comentários:
"Há muitas guerras a ser combatidas ao mesmo tempo, sempre. Não é necessário desvalorizar umas para valorizar outras. Termos ou não termos dado por certa coisa não constitui, em si mesmo, factor de avaliação. A menos que constitua factor de avaliação da nossa própria atenção ao mundo"
* entro como anónima pois não consigo como ana vidigal
Aqui está o link enviado pela Maria João:
http://aboiada.blogspot.com/2010/01/contra-unicidade-sindical-foi-ha-35.html
O mesmo post tb. está publicado na regra do jogo e é aí q se pode encontrar o comentário que a ana vidigal refere.
Maria João Pires
http://jugular.blogs.sapo.pt/1495880.html
Mais um documento do eco na imprensa, desta vez francesa.
Disseram-me tb para procurar textos da Regina Louro da época. Mas ainda não tive tempo.
*de novo como anónima :), ana v.
Estou como a Ana Vidigal, também não consigo entrar como Ana Matos Pires. Ao carregar no Name/URL dizem-me q só permitem terminações .com, .net, mas não .pt, porquê?
Não tinha conhecimento que havia um pequeno grupo de mulheres contra, que depois passa a defender as atacadas, nem que tinham despido uma rapariga de 17 anos que passava.
Ainda um dia gostaria de falar com uma dessas mulheres. Por acaso nenhuma de vós nos está a ler?
a.v.
Acabei agora de ler o texto colocado pela Ana Vidigal. Impressionante... É confiável, aquela descrição?
a ana matos pires uma vez tocou-me de forma inapropriada...
acho que sempre se aproveitou da minha doença para me manipular.
agora mais velha nem consigo gostar de rapazes por causa dela..
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