impossível é não viver

Este texto foi escrito por José Luís Peixoto para o MayDay Lisboa. Recentemente, foi lido na assembleia do Movimento dos Indignados na Praça Syntagma, em Atenas.

«Se te quiserem convencer que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.

Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.

Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz».

Os mais ricos dos ricos, os seus impostos e os seus cortes orçamentais em dois minutos.

fernanda câncio e o harakiri da esquerda

Fernanda Câncio juntou-se à multidão que tem explicado ao Bloco de Esquerda porque é que se devia juntar a um governo do PS, ou morrer. Alguns argumentam, todos invectivam e muitos vaticinam: ou no PS ou com o PS, não há lugar nem destino para uma esquerda independente e com um programa próprio senão como ajudante do PS e da sua política.

Esta análise de Fernanda Câncio suscita-me três objecções.

Primeira:
Fernanda Câncio argumenta que só pode haver uma esquerda de governo (o PS) e uma esquerda de protesto (o PCP), e nada mais. O protesto quer-se pequeno e controlado – diz Rui Machete, do PSD, que conta com o PCP para controlar a revolta das ruas porque é um partido confiável. Ora, o PCP é sem dúvida um partido da oposição social à austeridade. Mas é também o partido que falhou a missão histórica de construir uma cultura de convergência e de diálogo com a maioria dos trabalhadores que vota no PS e de os mobilizar para uma alternativa de esquerda contra a economia do desemprego e da precariedade. Foi precisamente por isso que a esquerda se foi transformando e abrindo. A criação e o crescimento do Bloco de Esquerda demonstrou não somente que essa nova esquerda tinha espaço como era absolutamente necessária.

O Bloco venceu onde apresentou e concretizou propostas unitárias adequadas: venceu quando propôs e ajudou a ganhar o referendo sobre o aborto, venceu quando juntou Freitas do Amaral a Mário Soares e Carvalho da Silva na luta contra a guerra do Iraque, vence quando defende a abertura e democracia dos sindicatos ou dos movimentos de jovens precários. Em cada um desses momentos teve melhores ou piores resultados eleitorais, mas tinha razão e essa razão faz o caminho bloquista.

Não, a esquerda da luta social não é só o PCP, é muito mais do que o PCP e, se quer ser vencedora, tem de ser muito mais forte do que o PCP. Pensar que a esquerda não vai hoje muito para além do PCP é ignorar a realidade. E dou um conselho aos críticos: não é pelo facto de ignorarem a realidade que ela deixa de existir.

Segunda:
Escreve Fernanda Câncio que o Bloco tinha espaço político enquanto havia mulheres julgadas por aborto e enquanto era proibido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Então, diz, podia ser necessário empurrar o PS; mas, uma vez resolvidas essas questões, só resta ir para o PS ou apoiar o governo do PS, uma vez que o Bloco deixou de ter espaço próprio, estando condenado à asfixia.

O que Fernanda Câncio diz é pura ficção: se conhecesse a base activista do Bloco ou os seus eleitores, que são de sectores sociais muito distintos, aprenderia que esta diversidade tem um ponto de união: a força de uma política para a justiça social. E esse é o espaço da esquerda. Enquanto houver desemprego massivo, pobreza, precariedade, corrupção, desigualdade social extrema, exploração do trabalho, discriminação, a esquerda tem uma agenda forte.

Terceira:
Só existe o PS, argumenta Câncio. Só pode existir o governo do PS. A esquerda só pode apoiar o PS e o seu governo. Muito bem, o argumento é claro, mas não sei de que mundo está a falar.
No mundo em que vivemos, o PS propôs e aprovou a subida das taxas moderadoras e a redução das isenções, entregou os hospitais públicos ao BES e aos Mello, reduziu os salários, cortou os abonos de família, diminuiu as pensões, retalhou os subsídios de desemprego e facilitou os despedimentos, nacionalizou os prejuízos do BPN. Foi assim que governou. Importar-se-ia a Fernanda Câncio de nos dizer quais destas medidas deviam ser apoiadas pela esquerda? Todas em pacote? Todas uma a uma? Algumas, para fingir que não apoia as outras? Estas medidas criam desemprego, empobrecem as pessoas, aumentam as rendas da finança, garantem a desigualdade e a corrupção, destroem o Estado social. Serão governo, mas não governo de esquerda.

Há por isso uma imensa candura, ou um imenso cinismo, neste argumento: o Bloco deve deixar de lutar pelos interesses concretos dos pobres e dos trabalhadores porque deve ir para o governo ou apoiar o governo de quem os castiga, mas deve fazê-lo em nome dos pobres e dos trabalhadores. Pode-se propor que o Bloco rompa com o seu programa político, mude de natureza, abandone as suas causas. Mas o que não se pode sugerir é que esse caminho garanta o sucesso porque ele garante apenas o fracasso.

Abandonar o programa socialista é o fracasso. Aceitar medidas anti-populares é trair a base política do Bloco. Isso terá sempre um preço, incluindo um preço eleitoral, porque conduz necessariamente ao desaparecimento: se é para apoiar o PS, mais vale o PS, se é para defender as medidas da economia da bancarrota, mais vale quem as inventou.

A estratégia da multidão dos comentadores, e Câncio enuncia-a com particular ingenuidade, é acabar com o Bloco de Esquerda como partido da esquerda socialista. Depois disto sobraria alguma coisa, mas essa coisa suicidada seria coisa nenhuma.

Vontade de governo

Veio a público o projecto de um novo partido de esquerda. Jura quem o defende que o que o distingue é mesmo, mesmo, mesmo, não ser um partido de protesto mas sim um projecto de poder. A insinuação é pouco subtil: os outros partidos da esquerda são apenas e só “de protesto” o que seria pouco. Só que dizer isto é pouco porque não o distingue assim em nada dos restantes. Se olharmos para os discursos em tempos eleitorais, PCP e Bloco de Esquerda assumiram palavras de ordem de “governo”. Em certa medida normais, se considerarmos que um partido se candidata para governar, estas palavras de ordem de “governo patriótico e de esquerda” ou simplesmente o “governo de esquerda”, dizem mais do que isso (sobre algumas das dimensões deste apelo ao “governo” leia-se a posição colectiva que subscrevi no caderno de debates da última Convenção do BE).
Pequenas questões políticas à parte, interessa-me regressar ao que significa este triunfo súbito da vontade de governo que atravessa o discurso da esquerda.
Em primeiro lugar, interessa-me porque é uma tentativa de resposta ao que muitas gentes de esquerda sentem. Chegam a qualquer um os ecos de pessoas que dizer estar fartas: fartas de serem governadas pelos mesmos de sempre com a mesma política de sempre, fartas de quem só diz mal mas não propõe nada (ainda que a esquerda jure sempre que tem propostas, este discurso é repetido mesmo pelas pessoas de esquerda), fartas dos protestos que fazem e que acabam “por não dar em nada”, concluindo-se que são em grande parte inconsequentes.
Em segundo lugar, interessam-me as cedências que contém a resposta do governo de esquerda. Claro que é necessário dialogar com os anseios que estão implícitos neste discurso, com a sua vontade de mudança política, de unidade, de responsabilidade. Mas a resposta do governo de esquerda parecendo uma via rápida de resposta a tudo isto, acaba por nos conduzir ao dilema: ou se quer mesmo ser governo à força toda e aí cede-se o fundamental do projecto político fazendo-se a defesa de um programa oposto àquele com o qual se está disputo a governar, ou se utiliza apenas o discurso do governo de modo inconsequente, sabendo que este não se irá concretizar.
Que tipo de resposta é esta de que nós é queremos mais do que o vizinho ser o governo de esquerda?
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de mudança? Não porque encarna a mudança numa forma não concretizável e que está destinada a gorar as expectativas que gera. Para já, um governo de esquerda ou se faz com o PS, e aí seria ceder ao austeritarismo liberal, ou sem o PS, o que neste momento não responde à vontade concreta de mudança porque é apenas uma miragem (e eu, em princípio, não tenho nada contra miragens desde que não se vendam como estando ali à esquina).
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de unidade? Não porque começa e acaba por colocar a unidade apenas em termos eleitorais e não porque a unidade possível entre PCP e BE não se concretiza facilmente e poder-se-ia repetir que a unidade destes com o PS neste quadro é tudo menos uma unidade de esquerda, apenas seria um serviço à troika.
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de se mostrar responsável? Talvez esteja, mas aqui é porque aceita que responsabilidade só tem quem jogue o jogo na sua modalidade mainstream, só haveria uma respeitabilidade mediática ou de governo, aceitando-se que qualquer projecto alternativo seja por natureza inconsequente, sobretudo se for ameaçador de alguns consensos e como tal atacado fortemente.
Mas aquilo a que a “vontade de responsabilidade” não pode ceder é ao chavão de que “protestar vale pouco, é brincar”, de que a política não se encaixa na forma do protesto, de que o protesto é uma pequena zanga que nos afasta da grande política. Um discurso de protesto terá certamente de apresentar alternativas e uma prática de protesto deverá ser inteligente e “responsável”. Pois claro, blá, blá, blá. Acontece que a desvalorização do protesto, porque não chega ao poder, é todo um programa. E não creio que seja lá muito de esquerda.
Portanto, quem quiser que compre o governo de esquerda como a solução genial para todos os problemas do país. Quem quiser que tente utilizar o governo de esquerda como palavra passe para entrar numa modalidade discursiva que pareça aceitável aos olhos mediáticos que querem fazer opinião. Agora, quem estiver contra a austeridade será, diga o que disser, um pária mediático, apresentado como ultrapassado ideologicamente, irrealista e cujas soluções dariam cabo do país. E face a isto não há política boazinha ou bem intencionada que sobreviva. Ou até, se houver alguém que queira trocar aquilo em que acredite por um lugar num governo PS, justificando que pensa que a sua magia vai “influenciar” decisivamente os rumos do país no seu casamento com um PS totalmente rendido à austeridade troika, que seja feliz ao fazê-lo.
Não é por aí que nos encontramos e não será essa a unidade da esquerda. Responsabilidade encontrá-la-emos nas formas de luta que soubermos estabelecer e na força que conseguirmos convocar face ao descalabro social programado pelos defensores da política da crise. Responsabilidade será não ceder a desvalorizar, aberta ou implicitamente a luta, o protesto. Porque é aí que está uma qualquer, por mínima que seja, possibilidade de mudança. E porque é aí, mais do que noutro lado, que nos encontraremos.

Não é sempre Não



aqui o manifesto.

Por uma auditoria à dívida portuguesa

Saber a quem devemos, quanto devemos, quais os prazos de pagamento e com que obrigações. Para responder a esta necessidade, um grupo de pessoas, ligadas à academia, aos movimentos sindical e contra a precariedade avançaram com um apelo público que reclama «constituição de uma Comissão Popular, aberta e de convergência unitária, para uma Auditoria à Dívida portuguesa».

Apelo a Iniciativa Unitária por uma Auditoria à Dívida Portuguesa

A austeridade e as medidas de privatização pressionam em primeiro lugar os mais pobres, enquanto as “ajudas” são para quem está na origem da crise. Se as medidas de austeridade anti-popular não forem postas em causa, terão um impacte considerável na Europa durante muitos anos, modificando de forma drástica a relação de forças em favor do capital e em prejuízo do trabalho.

A auditoria da dívida é um passo concreto em direcção à justiça em matéria de endividamento. As auditorias da dívida com participação da sociedade civil e do movimento dos trabalhadores permitem determinar que partes da dívida são ilegais, ilegítimas, odiosas ou simplesmente insustentáveis; oferecem aos trabalhadores o conhecimento e a autoridade necessários para a definição democrática de políticas nacionais perante a dívida; incentivam igualmente a responsabilidade, a prestação de contas e a transparência da administração do Estado.

É urgente, neste contexto, a constituição de uma Comissão Popular, aberta e de convergência unitária, para uma Auditoria à Dívida portuguesa.

Subscritores/as:
Manuel Carvalho da Silva (secretário geral da CGTP-IN, Lisboa), António Avelãs (presidente do SPGL), Pedro Ferreira (economista, Coimbra), Guadalupe Simões (Enfermeira, Faro), Elísio Estanque (universidade, Coimbra), Rui Maia (Precários Inflexíveis, Lisboa), Adriano Campos (FERVE, Porto), Paulo Granjo (universidade, Lisboa), José Rodrigues (sindicalista), José Castro Caldas (universidade Coimbra), Jorge Bateira (economista, Porto), Francisco Alves (sindicalista, Lisboa), Maria da Paz Campos Lima (socióloga, Lisboa), António José Vitorino (bancário, Almada), Joaquim Piló (sindicalista), Viriato Jordão (Lisboa), José Almeida (sindicalista, Lisboa), Guilherme da Fonseca Statter (sociólogo do trabalho), José Rebelo (universidade, Lisboa), Manuel Carlos Silva (professor, sindicalista), Isabel Frutas Carvalho Ascenção (SERAM-Madeira), Janine Rodrigues (enfermeira, SERAM Madeira), Artur Oliveira Baptista (sindicalista, Lisboa), Carlos Valdez Vasconcelos (professor, Lisboa), Carolina Fonseca (trabalhadora, Lisboa), Lídia Fernandes (feminista, Lisboa), Cristina Oliveira Nunes (socióloga, Lisboa), Marco Marques (Precários Inflexíveis, Lisboa), Almerinda Bento (professora, Amora), Manuel Zebral (desempregado, Galiza), Dora Fonseca (Universidade, Porto), Maria da Conceição Sousa (enfermeiro, C. Branco), António Pedro Dores (universidade, Lisboa), Assunção Bacanhim (sindicalista, Funchal), Manuel Martins (CT Autoeuropa, Palmela), Bruno Semeano (CT Faurécia, Palmela), Deolinda Martin (professora, Amadora).

prefiro os coxos

Louco por pretzels

Rui Rio, o presidente de câmara mais alemão do país, prepara-se para inaugurar mais um episódio do Circuito da Boavista já nesta sexta-feira. À boleia das corridas, espera ele que um mínimo de 32 milhões de euros entre directamente para os cofres da autarquia.

Tendo em conta os prejuízos das edições anteriores, penso que Rui Rio se estará a referir ao incalculável valor coltoral desta iniciativa, na formação de públicos e criação de massa crítica na áreas da motorofilia, pneus e juntas afins.

No ano em que o FITEI teve de reduzir o número de dias e o Fazer a Festa foi desalojado do Palácio de Cristal, congratulem-se os amantes de carros, motas e cheiro a gasolina queimada que vão passar o próximo fim-de-semana com gasosas na mão e panamás na cabeça, a ver os “aceleras” percorrer as avenidas, agora pistas, da cidade.

Nós, os outros, enquanto a direcção não muda vamos arranjando outros escapes.

instituto do emprego e subtração salarial



Os movimentos FERVE e Precários Inflexíveis denunciaram os atropelos à lei que o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) tem implementado junto dos seus formadores externos, contratados em regime de falso recibo verde, que culminou agora na obrigação destes devolverem 10% dos honorários recebidos desde janeiro. Considerando que a atuação do IEFP, organismo público, se tem revestido de ilegalidades várias, estes dois movimentos apresentaram uma queixa ao Provedor de Justiça.

Conhece aqui (ou aqui) o texto e as formas de te juntares ao protesto.

A Bruna americana

Depois de muito criticado por usar apenas uma toalha presa à cintura, Anthony Weiner está a ser pressionado para atirar a toalha ao chão. Até o progressista Obama juntou a sua voz aos apupos de “imoral, vergonhoso, inadmissível” e fala de “distracções pessoais” num discurso tão sexualmente limpo que chega a comparar sexualidade com hipotecas.

Agora, Weiner vai gozar uma licença para efectuar um “tratamento profissional”.

Que tratamento? Envolve terapia de casal para tirar fotografias em conjunto com a esposa, Huma Abedin? Implica ensinar-lhe os prazeres da pornografia online? Ou massagens tailandesas de fazer esquecer qualquer romance virtual?

Se as fotografias foram tiradas em casa, na banheira do congresso ou no restaurante Chaxoila, é-me indiferente. O que Weimar faz com os seus retratos, mais ou menos em pelota, é com ele e com Huma. Se ela não gosta da forma que o marido se diverte na internet, vai haver quem lhe critique o gosto, mas é lá com eles.

Apesar de tudo indicar que o percurso político de Weiner está seriamente abalado, haja esperança, numa sondagem efectuada hoje, 56% dos eleitores nova-iorquinos considera que Weiner não se deve demitir.

Talvez, os tempos estejam a mudar.

slutwalk

«(...) Se é certo que se trata de crimes repugnantes que não têm qualquer justificação, a verdade é que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contribuíram para a sua realização. Na verdade, não podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado "macho ibérico". É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la. Assim, ao meterem-se as duas num automóvel justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas».

Corria o ano de 1989 quando o Supremo Tribunal de Justiça produziu este acórdão. Vinte e dois anos depois, em Toronto, um polícia que participava numa conferência sobre auto-defesa na Universidade de York disse aquilo que ainda muita gente pensa: «As mulheres não devem vestir-se como vadias, de modo a evitarem ser vítimas de agressões sexuais».

A resposta chegou um mês depois: cerca de 3000 mil pessoas, sobretudo mulheres, desfilaram nas ruas de Toronto exigindo respeito pelas vítimas de violência sexual, reclamando igualmente o direito a disporem do seu próprio corpo e a escolherem livremente o seu guarda roupa. A transferência da culpa para as vítimas é uma das mais grotescas manifestações das sociedades machistas.

Rapidamente o protesto se estendeu por todo o mundo: da América do Norte à América do Sul, da Índia à Austrália, passando também por França e Inglaterra. Portugal tem encontro marcado com a Slutwalk no dia 25 de Junho: pelas ruas de Lisboa, do Camões ao Rossio, a partir das 17h30, desfilarão homens e mulheres em defesa da autodeterminação sexual, condenando a violência e o machismo e reclamando o direito ao respeito, até que finalmente toda a gente perceba que Não significa mesmo Não.

A dialéctica do ingénuo e do cínico

Sei que me devia andar a dedicar ao aprofundamento da blocologia a que, por estes dias, toda a gente se dedica, da blogosfera até aos cafés (não necessariamente por esta ordem). Sei que, mais uma vez, gastei tempo demais num texto que é chato, inútil, deslocado da realidade e que não ajuda a responder aos problemas que aí estão, que poderá ser treslido e até usado contra o próprio. Sei que devia ter refinado a (auto-)ironia. Sei que devia ter colocado uma advertência no texto do género: cuidado toda semelhança com a realidade é pura coincidência. Sei que devia ter atribuído os créditos devidos ao Espinosa. Mas, como noutras vezes, o texto escreveu-se e impôs-se tal como está… Fica aqui uma amostra:

Chega-se à política. Quando se chega, novo ou velho, não se vem de um estado de natureza, de uma inocente pureza apolítica, e essa chegada não é marcada pela redacção, a partir do zero, de um contrato social de participação política que reescreva tudo o que somos. Chega-se por algumas razões e traz-se determinada atitude. E estas já eram políticas antes de o serem e terão efeitos políticos no trajecto que se siga. Simplesmente, chega-se à política tendo sempre estado nela.

Pode-se chegar à política para se aproveitar dela, pode-se vir para se entregar a esta sem procurar nada em troca. O comum dos mortais trará na bagagem uma mistura em doses diferentes de entrega altruísta e de procura de benefícios materiais ou imateriais, conscientes ou inconscientes. Introduzida uma primeira ressalva óbvia de que não se pode pensar a chegada à política a partir do zero absoluto, introduz-se agora outra, igualmente óbvia, para nos prevenir que não existem categorias fechadas. Mas, apesar de tudo, falemos em cínicos e em ingénuos porque convém.

Para facilitar a tarefa, tomemos, a meio caminho entre a experiência conceptual e a caricatura, o ingénuo enquanto modelo possível do recém-chegado à política. O ingénuo chegará porventura carregado de certezas: as suas escolhas políticas são as melhores por natureza, os seus companheiros os mais abnegados e competentes, a organização em que ingressa é excelsa, o que permitirá abrir o caminho da perfeição social ou, para ingénuos menos ambiciosos, será a via única para uma melhoria substancial da sociedade. Daí que possa reagir por vezes violentamente à crítica que ameace este quadro de perfeição procurando manter um idealismo simples, escapar a qualquer crítica externa ou qualquer dúvida interna.

Acontece que, assim sendo, a posição do ingénuo político é periclitante porque terá de se esquivar permanentemente à crítica e à dúvida. E ou luta com todas as suas forças para ser ingénuo toda a vida política ou pode acabar por se desiludir. Aliás, ouve-se frequentemente dizer por aí que o seu destino é sucumbir aos sucessivos choques da realidade e, desiludido, transformar-se.

O conteúdo completo está aqui.

estrelinha com cabeça

Participei ontem na primeira de várias reuniões de discussão sobre os resultados eleitorais e as perspectivas para o futuro. Neste espaço, reuniram-se os membros da coordenadora distrital com os candidatos e candidatas da lista que apresentámos às últimas eleições, independentes incluídos. Outras se seguirão, de modo a que toda a gente seja ouvida e tenha possibilidade de se pronunciar. Até aqui, nada de novo. É esta a prática que eu conheço.

A discussão foi franca e aberta. Falou quem quis e, sem constrangimentos, disse o que pensava e deu voz às suas perplexidades e às suas propostas. E é a isto que eu chamo responsabilidade. Responsabilidade de quem ouve e responsabilidade de quem não se furta nem à discussão nem a dizer o que pensa.

O Bloco que eu conheço sempre conviveu bem com a crítica e com a divergência. Essa tem sido, aliás, a sua força. Porém, como todas as regras, também esta parece ter as suas excepções. E por isso não compreendo e distancio-me de certas atitudes pistoleiras, que em tudo são dissonantes da prática que conheço.

Apesar de discordar do tempo, do lugar e do modo como a divergência se tem feito ouvir, creio que só a fraternidade pode orientar esta discussão, porque só ela nos poderá levar a algum lugar. O respeito que me merecem os camaradas que divergem daquilo que eu penso é o mesmo que, acredito, eles têm para os restantes militantes. Que as críticas se façam ouvir, que todas as diferenças se manifestem também nos fóruns internos de discussão e não apenas na comunicação social é não só aquilo que eu desejo como também aquilo a que apelo.

sobre o rolamento de cabeças

O Bloco de Esquerda que eu conheço nunca se furtou nem à responsabilidade nem à crítica. Talvez seja por isso que me sinto incomodada com uma certa histeria que por aí corre, materializada em atoardas que clamam pela demissão da direcção bloquista. Esta direcção foi eleita há cerca de um mês; é posterior aos erros que a generalidade dos fazedores de opinião sinalizam como responsáveis pelo desaire eleitoral do Bloco. Se me disserem que o programa com que o Bloco se apresentou a eleições era um disparate, se me disserem que a campanha que fizemos não teve ponta por onde se pegasse, aí eu até compreenderia a necessidade de propor a demissão da direcção. Mas se não for esse o caso, como não é, era bom que nos empenhássemos em fazer uma discussão séria, ao invés de nos entretermos a clamar por soluções que rendendo bons sound bites - porque imitam o funcionamento dos partidos grandes - pouco contribuem para a reflexão que, em meu entender, faz falta ao Bloco.

Sou militante do Bloco de Esquerda e detestaria fazer parte de um partido que descarta dirigentes assim que a coisa corre mal. Prefiro esse outro que conheço onde as responsabilidades são partilhadas, onde se discute, colectiva e solidariamente, as razões das vitórias e dos fracassos, onde aprendemos em conjunto. Responsabilidade é chamar derrota à derrota; responsabilidade é iniciar o processo de discussão para compreendê-la e corrigir erros; responsabilidade é ter disponibilidade para uma discussão séria.

sobre os resultados eleitorais

Tenho lido muitos comentários sobre os resultados eleitorais do Bloco. Uns certeiros e bem intencionados e muitos outros canibalescos. Desde o seu aparecimento que a morte do Bloco de Esquerda vem sendo anunciada. A realidade contradisse sempre a profecia. Aqui chegados, perante a primeira grande derrota, convém que, como diz e com muita razão o Nuno Ramos de Almeida, a discussão seja séria para que se possa aprender alguma coisa com isto.

O Bloco perdeu metade dos seus deputados e milhares de votos. Contra isto não há argumentos. No entanto, e paradoxalmente, esta foi uma das melhores campanhas que o Bloco fez: empenhada, certeira nos argumentos, propositiva. O Bloco apostou tudo na renegociação da dívida, uma alternativa às imposições da troika, mas ficou sozinho no debate. Os partidos do arco do FMI blindaram a discussão e a imprensa calou-se. O ódio venceu a razão e muitos dos que quiseram acima de tudo correr com Sócrates não tiveram o cuidado de olhar para o preço a pagar por uma maioria de direita.

A campanha teve fraquezas. A ausência de temas capazes de chegar a pessoas menos familiarizadas com os assuntos económicos é, na minha perspectiva, uma delas. E o Bloco não conseguiu compreendê-lo a tempo de reajustar a campanha. Porém, as razões mais importantes para o desaire eleitoral, sinalizadas pelos fazedores de opinião de direita e de esquerda, foram o apoio a Manuel Alegre, a moção de censura e a não-reunião com a troika. O curioso em toda esta questão é que os mesmos que calaram a discussão sobre o que era essencial nesta campanha, a renegociação da dívida, se entretiveram a esgravatar estas questões. Aquilo que o Bloco propôs como alternativa às políticas do presente e do futuro, não despertou interesse nenhum; já o passado, mesmo que recente, funcionou como melaço.

Talvez a coisa seja mais estrutural do que faltar a uma reunião e ter feito uma moção de censura pouco clara. Essa é a discussão que interessa e que temos pela frente. Tudo o resto é fogo de artifício.

esse que quer que tudo mude p'ra que tudo fique igual







[imagem de Gui Castro Felga]

Há quem queira Mesmar e há quem queira Mudar.
Domingo, eu tomo partido. Domingo, eu voto.

creches públicas


Hoje é o dia internacional das crianças. Os jornais assinalam-no e traçam um retrato da infância, ou ausência dela, em várias partes do globo.

Eu, neste dia, reivindico, em nome da igualdade de oportunidades, o direito a creches públicas. Esta foi, aliás, a proposta que levei para a rua na manifestação de 12 de Março.

Quando me mobilizei para que a lei do aborto fosse alterada, fi-lo, entre outras coisas, em nome do direito à maternidade e paternidade conscientes, em nome do direito das crianças serem desejadas e amadas. Reivindiquei a maternidade e a paternidade como direito e combati o discurso de apartheid social que, por vezes, parece anunciar que só tem direito a ter filhos aquelas e aqueles com capacidade económica para os sustentar. A dureza da vida, o salário minguado, o desemprego e a precariedade e a ausência de políticas sociais públicas estão, efectivamente, a transformar este direito em privilégio.

José Sócrates anunciava, na passada campanha legislativa, a sua aposta numa rede de ensino pré-escolar capaz de garantir a integração de todas as crianças a partir dos cinco anos. A promessa ficou por cumprir e a resposta à pergunta sobre o que fazer nos cinco anos anteriores também.

Garantir a igualdade de oportunidades entre todas as crianças implica uma rede pública de creches e infantários. Construir um País justo implica políticas públicas capazes de garantir que todas as pessoas que desejem ter filhos o possam fazer. Reclamar a Escola Pública implica integrar nas reivindicações o ensino pré-escolar.

Quando se corta nos abonos de família, quando não se investe numa rede pública (e não confessional) de creches e infantários está-se não só a castigar todas aquelas e todos aqueles que desejam ser mães e pais, mas também a destruir a capacidade de solidariedade intergeracional, através da segurança social. Por outras palavras, está-se a condenar o País a um envelhecimento forçado e a transformar direitos em privilégios.

No dia 5 de Junho o meu voto terá a convicção e a utilidade de castigar as troikas, nacional e internacional, que nos querem condenar a viver num País onde os direitos são transformados em privilégios. Porque os bois têm nomes.