Silêncios estrondosos

Diz-se que alguns silêncios são estrondosos. E com a frase do senso comum não pretendo puxar a conversa para a primeira parte da campanha presidencial cavaquista fabricada a partir do seu pequeno tabu. Esse silêncio que dizia já tudo foi, como não podia deixar de ser, quebrado, dando lugar ao redondo discurso de circunstância de um Cavaco cheio de si, a achar-se imprescindível ao país, a fazer aquele boneco de quem até nem queria o lugar mas foi empurrado para tal pelo sentido de responsabilidade. Para Cavaco, ou Cavaco ou o dilúvio.

O silêncio presidencial que, aliás, terá a sua continuação anunciada na não afixação de cartazes sob o pretexto de poupar as contas públicas. Assim, no lugar da ausência de cartazes cola-se a demagogia e o populismo fácil de quem tem a vantagem do seu lado. E essa ausência será feita do mesmo silêncio que grita, acompanhada de uma presença espectral nos telejornais. Mais um episódio da retórica da invisibilidade cavaquista.

E, ao lembrar os silêncios estrondosos, também não pretendo também puxar a conversa para qualquer outra gestão de silêncios por parte da classe política devida aos seus cálculos, nem, com isso, lamentar o pequeno maquiavelismo de circunstância.

Interessa-me aqui o silêncio estrondoso da comunicação social. Não tanto o silêncio com que se abafa quotidiana tanta iniciativa cidadã sem se dar dela conhecimento, o silêncio que molda silenciosamente o país até o tornar uma telenovela antes das telenovelas com um enredo pobre que pretende determinar o que são factos e não-factos.

Este silêncio acontece até sobre protagonistas políticos e sociais. Deixo três exemplos recentes, desiguais como não podia deixar de ser.

Três militantes da JCP que pintavam um mural foram levados para uma esquadra e obrigados a despir-se. Este abuso de autoridade praticado sobre quem pretendia apenas difundir ideias não pode ser abafado pelo silêncio.

Cinco deputados/as bloquistas publicaram um livro que desmonta a estrutura familiar do capitalismo português, mostrando, numa altura em que os mais ricos falam no despesismo do Estado, que os capitalistas nacionais sempre viveram às suas expensas e dependentes do seu favoritismo. Como muito bem lembrou Óscar Mascarenhas, a este propósito, este livro “está a ser silenciado pelo predominante jornalismo da voz do Dono. É o plano B da manipulação e intoxicação: em regra, esse jornalismo regurgita sentenças do Dono como certezas que nem sequer merecem a ociosidade do contraditório; aparece um livro «do contra», com a agravante de ser bem construído e que dá um trabalhão a contestar – aplica-se a regra do silêncio.”

E o último exemplo vai neste mesmo sentido. A crise, sempre a crise, inunda jornais, rádios e televisões. E as representações sociais sobre a crise vão sendo moldadas a partir do poder de um punhado de comentaristas e economistas todos do mesmo credo que têm o direito de interpretação…

Votados ao silêncio estão todos/as, os/as economistas ou outros/as, que pensem de forma de diferente. Assim, constrói-se a ideia de que o que acontece é inevitável, o que deveria fazer vergar qualquer veleidade de contestação, e isolam-se as perspectivas políticas que não se situem no espaço deste “consenso”, apresentando-se como irrealistas. Contra este silêncio corre um abaixo-assinado a favor da pluralidade na discussão.

Mas, mais do que exigir que os meios de comunicação social não sejam tão parciais como sempre foram, rasgar este silêncio estrondoso é derrotar na prática o discurso da crise. E, para isso, é preciso que a greve geral seja mais estrondosa do que o silêncio que eles impõem.

Publicado aqui e aqui (que é uma espécie de caixote para onde vai (quase) tudo o que escreva...).

o castigo

Há pessoas que só não me irritam todos os dias porque, felizmente, não sei o que pensam quotidianamente. Um desses casos é Miguel Oliveira da Silva (MOS).
Desde que é presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que MOS teve, pelo menos, duas intervenções públicas que considero tóxicas.

Em finais de Junho deste ano, MOS defendia, em entrevista a um jornal, a revisão da lei do aborto. Sobre isso pronunciei-me aqui.

Ontem, MOS foi ouvido, por sugestão do PSD, no grupo de trabalho que analisa os projectos de lei do Governo e do Bloco de Esquerda sobre transexualidade e defendeu a esterilidade dos transexuais e o impedimento de mudarem o registo civil se mantiverem os órgãos reprodutores.
«É altamente aconselhável que se realize a cirurgia total antes da mudança de sexo e nome no registo», são palavras suas.

MOS não compreende que há transexuais, transgéneros, pessoas que podem ou não querer mudar de sexo, assim como não compreende que falamos de identidade de género e não de genitais.

Até hoje acreditei que Cavaco Silva era o único português que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, mas, afinal, não está sozinho. Só assim se compreende que MOS tenha a ousadia de defender a irreversibilidade da transexualidade.

Há, no pensamento pequenino de MOS, uma ideia recorrente: o castigo. Por isso, castiguem-se as mulheres que têm comportamentos sexuais que não cabem na sua cartilha moral; castiguem-se os/as homossexuais proibindo a adopção; castiguem-se os/as transexuais impondo-lhes o absolutismo cirúrgico.

Quando MOS for capaz de perceber que a cartilha pela qual se rege até pode ser muito certa para orientar a sua acção mas não tem por que ser imposta às outras pessoas; quando resolver levantar os olhos do seu adorável umbigo e se der ao trabalho de perceber que há mais umbigos no mundo; quando tiver a delicadeza de não se pronunciar sobre assuntos cuja complexidade ultrapassa a sua disponibilidade para os conhecer e entender, então, talvez aí, tenha respeito pelas suas opiniões. Até lá, agradecia que não intoxicasse os meus dias.

Hoje, depois das aulas, atrás do pavilhão B

A propósito do desentendimento entre Governo e PSD no que diz respeito ao Orçamento de Estado, um dos "convidados de estúdio" (não me lembro quem) do Antena Aberta da Antena 1 dizia que o problema das negociações foi terem decorrido na AR. Dizia o comentador que elas deveriam ter decorrido em segredo num hotel qualquer.

Se todo este processo trouxe à luz algum problema, foi o do secretismo das negociações que acabaram em declarações completamente contraditórias entre as duas partes. Se esta gente se tivesse lembrado que estava a discutir o OE de um Estado democrático teria aprovado o orçamento na especialidade e as negociações teriam tido lugar na especialidade com direito a transmissão televisiva em directo. A confusão entre política e partidos políticos, aparentemente, não é exclusiva à populaça.

A Factura Geral do Estado, by RAP

Tenho andado sem paciência nem vontade de escrever. Acompanho, claro, a (triste)actualidade por estas bandas e pela França (que continua a ser um exemplo de mobilização social) mas... nada a fazer, não me deu nem me dá para teclar furiosamente quando, eu sei, deveria ser precisamente o contrário. Para procurar contribuir com um discurso alternativo ao dominante (o de que o aumento do desemprego e da pobreza é uma fatalidade e que o poder político não teve, nem tem, outro remédio que senão o de nos enfiar pelas "guelas" a baixo um PEC 3 na onda do que se tem feito por essa UE) e ajudar à mobilização para a greve geral, à qual aderirei, à qual deviamos todos e todas aderir. Mas outros/as fazem no bem melhor do que eu, para além de que, olha, não me dá para "bloggar", ponto.

Para não ser despedida aqui do tasco, deixo-vos o artigo de opinião do Picardo Araújo Pereira na Visão de Hoje.

"Recordo que este Orçamento vem impor austeridade à política de austeridade anterior, que não se revelou suficientemente austera. Tendo em conta a capacidade que a crise tem tido para resistir aos nossos sacrifícios, é possível que haja novas medidas de austeridade em breve. Um novo aumento do IVA parece fora de hipótese, e torna-se cada vez mais difícil reduzir os salários quando começa a não haver salários para reduzir. Prevejo a obrigatoriedade de cada cidadão oferecer dois litros do seu sangue ao governo. O suor já levaram todo".


Nota: Não me habituo a esta coisa do acordo ortográfico. Factura sem "c"? Nã :)

O rico emprego de Agostinho!

Colha o cravo vermelho. Ponha o cravo ao peito.

Sim, tenho a certeza que os polícias responsáveis por estes abusos, o fizeram por se tratar de 5 militantes de um partido de Esquerda. Não foi por serem imbecis com poder a mais. Foi tudo parte de um conluio contra a resistência ao grande capital.

Uma crise de laicidade

Ainda nem um mês passou da comemoração do centenário da República. Para além do princípio de eleição democrática do chefe de Estado, comemora-se com esta data outro pilar de uma democracia profunda, a ideia de laicidade do Estado, o princípio básico da separação entre a Igreja dominante no país e o Estado que deve tratar igualmente todas as religiões, sem privilegiar ou promover uma fé em particular; a ideia de que a religião é algo do foro privado e que não se deve tornar confundir com o poder de Estado, em nome da liberdade religiosa.

Hoje conhecemos a notícia de que, na voragem de cortar despesas para pagar a banqueiros, fabricantes de submarinos, Mota Engil e outros que tais, o governo irá retirar os benefícios fiscais às instituições religiosas não católicas mantendo-os contudo à Igreja Católica. Se de tal soubessem, os/as fundadores/as do republicanismo português estariam, como se costuma dizer, a dar voltas na tumba. A laicidade tinha também de se tornar uma vítima da crise?

David Harvey e as explicações da crise

Faça-se justiça à Zezinha, que descobriu o Tiririca de São Bento antes de toda a gente


precisa-se psicóloga (m/f)

Depois de Rachida Dati, ministra da justiça, ter trocado inflação por felação, foi agora a vez de Brice Hortefeux, ministro do interior, ter trocado impressões digitais por impressões genitais.



Barrico-me nos vestiários do Continente (compro lá roupa, algum problema?)

Como não escrevo há anos no meu querido (é mesmo) blog e ontem ameaçaram correr comigo por razões atendíveis, decidi colocar em posta os comentários que fiz à hiperexploração da Andrea Peniche. Lá poderão ver o continuum dos comentários. Penso que não valerá a pena a acrescentar que os melhores são os do Diogo Augusto.

Frederica, percebi a tua ideia - e o Latour ;) O timing desta medida é revelador do seu objectivo: expandir a oportunidade comercial ao máximo de horas possível com o mínimo de encargos sociais e laborais com os trabalhadores. "Crise" oblige. Farei greve, também, contra isso. Mas quanto à liberdade de escolha, embora a diversidade da oferta possa ser, em si, um bem a proteger perante a condição atomizada do consumidor, ela não pode servir de argumento para financiar operadores comerciais esgotados e vazios, incapazes de reiniciar negócios economicamente atractivos e sustentáveis. Sejamos claros: este comércio dito - reforço, dito - tradicional é certamente vítima dos shoppings, mas é sobretudo vítima de mudanças sociais mais amplas às quais não quis, não soube ou não pôde responder. Ele há de tudo. Daí que eu tenha falado em política pública: benefícios fiscais, projectos comerciais comparticipados, vantagens no arrendamento dos espaços, etc.. Daí também a grande falácia: este comércio não pode competir com os shoppings (o que pela minha condição de consumidor e pelo meu estilo de vida é, no mínimo, óptimo), e o seu destino, a existir, é outro. Pensemos nas coisas por aí e talvez tenhamos alguma luz, como eu, que, por acaso, sou uma pessoa brilhante. A sério.

Ricardo Santos, os direitos dos trabalhadores são (até me sinto mal ao dizer isto) fundamentais. Eu até acho piada aos luditas e sabendo que esta história dos horários traz água no bico talvez, em algum momento, me oponha a ela. Mas o ponto é este: eu quero - muito - que a coisa avance se e só se forem fixados mínimos laborais como, por exemplo, sei lá, alguma dignidade e cenas tipo básicas, tazaver? O meu FMI é a OIT.

Andrea, ninguém está a dizer que os hipermercados são um serviço público, apenas que não há motivos válidos e abstractos para impedir que uma actividade económica aumente os seus horários de funcionamento e retire proveito de um padrão de consumo. Dizer que isto é sinónimo automático de precarização, das duas uma:

1. ou não te dás ao trabalho de explicar que é possível - de facto - teres comércio aberto 24 horas por dia sem que isso afecte um pintelho dos direitos e condições laborais dos trabalhadores (irrealista, mas ajuda a referenciar os princípios em que corre a discussão);

2. ou a tua concepção de mercado é verdadeiramente soviética e então discordamos de caralhudo.

Catarina Príncipe, eu vou ao Continente à noite e vejo lá muita populaça, às vezes até cheiram mal. Os pobres também compram, sobretudo no hipermercado, onde há «comer» barato. O sistema é mesmo fodido, é :/

Anarquista Duvall, a teu ponto é: o capitalismo explora logo sou contra qualquer merda em que ele apareça. Ai querem aumentar as merdas? Então, lá está, sou contra. Isto serve para tudo. Assim num dá, né? Mas isto tem piada: ai vocês acham que as mercearias são más? São bem boas! Vocês é que não as conhecem ;-) Conheço uma que é tão boa... ui. Conclusão: anda tudo a dormir (ou "alienado", como dizem os pseudomarxistas) e o Estado deve fazer pedagogia e dirigir, à chapada, o povinho parvo ao melhor sítio. Para seu próprio bem e em seu nome. Pois olha, era o que faltava. Mais: aqui em casa nem produtos biológicos entram.

Raquel, a sua questão é muito pertinente, mas serve para discutir legislação laboral, recompensas salariais e democracia empresarial. Ponto final. Estou consigo a 100%.

Pedro, sou individualista e egoísta e de esquerda. Como diria o Guterres, «é a vida». Quanto às motivações económicas e aos efeitos desestruturadores na cadeia produtiva deixe-me dizer-lhe que isto comparticipa de um processo bem mais amplo, que, em termos gerais, combato. Como já disse, talvez me oponha a esta medida pelo agravamento objectivo das condições laborais dos trabalhadores num contexto particularmente crítico. Mas lá está, não invento "outros" argumentos para ganhar a coisa. Estava a ir muito bem até nos presentear com os salmos, ou lá o que se dava na catequese: «também no campo social é mais uma machadada na alienação do "tempo livre" constantemente preconizada pelas actividades mercantilizantes e aquisitivas em detrimento do tempo de interacção pessoal». Só lhe digo que tenho interagido com tanto filho da puta que prefiro, largo, comprar rissóis daqueles caros, que têm um camarão quase tigre lá dentro. E comprá-los às horas que me apetecer.

Inimigo do meu inimigo...

O Renato Teixeira, a propósito do debate realizado em Coimbra, com Mariam Rawi, activista da RAWA (Revolutionary Association of the Women of Afghanistan), volta à carga com a sua formulação sui generis sobre a estratégia de combate ao imperialismo e à ocupação norte-americana. Trata-se de um argumento que tem utilizado em diversas ocasiões e que se pode resumir basicamente à ideia de que se deve apoiar o fundamentalismo islâmico pois este tem sido o principal opositor à ocupação imperialista.


Por outras palavras, a política que ocorre fora do contexto mais familiar é sempre resumida a um binarismo em que, neste caso concreto, só existem forças ocupantes e os "mais visiveis e aguerridos" na suposta resistência a estes. Depois, prescrevem-se, à distância, soluções que transferem quadros de análise que se colam apenas à realidade dos países capitalistas avançados. Esta discussão não é, sublinho, sobre vias violentas ou pacíficas para atingir um dado objectivo, mas sim sobre o projecto político subjacente a essas mesmas forças políticas. Esta é uma discussão sobre principios gerais de orientação, mas que se deve enraizar na análise concreta da situação. É por isso que se podem fazer análises diferenciadas sobre o que significa o Hezbolah, Hamas, Taliban e outros tipos de expressões políticas. Para mim não são a mesma coisa, nem actuam em contextos semelhantes, nem reduzo a sua complexidade e significado ao facto de combaterem o imperialismo. Adiante.

Subsiste a questão: deve a esquerda apoiar todos aqueles que combatem o imperialismo e a ocupação, independentemente da caracterização do que estes são, o que representam e que projecto politico defendem para o seu país ou região? Eu acho que não. Esta avaliação tem impactos catastróficos na solidariedade politica (e material) que possamos fazer do exterior, mas tem implicações ainda mais dramáticas para as forças políticas que actuam no interior do Afeganistão e que têm que lidar directamente com os Taliban.

Tendo em conta o autor, é curioso como este argumento é o mais despolitizado possível, parecendo subvalorizar a acção política e ignorar, em última análise, a coexistência de diferentes projectos políticos, antagónicos, os quais, correndo o risco de simplificação, podem ser caracterizados como de esquerda (e progressistas) e de direita (e reaccionários). Este argumento parece ignorar também a história dos trágicos conflitos ocorridos ao longo do último século cujo desenlace foi invariavelmente a tomada do poder por forças autoritárias (na maior parte dos casos com o apoio dos EUA) e a aniquilação (física) das forças progressistas nessas regiões – Iraque, Irão, Indonésia são os casos que me surgem intuitivamente à cabeça.

É possivel, com ou sem ocupação, a convergência de Taliban com a RAWA ou outras organizações progressistas? Obviamente que não, pois o objectivo dos Taliban é de impor o seu projecto político, e o seu ódio à democracia, igualdade e direitos da mulheres e tão grande quanto o ódio aos exércitos de Obama. O caminho é pois outro, mais dificil, mas de fazer com que o projecto político das forças progressistas ganhe influência política e capacidade de intervenção na resolução dos problemas imediatos da população, combatendo o projecto rival talibã que é infinitamente mais bem financiado e implantado.

Quando se fala do Afeganistão é natural utilizar o exemplo do Paquistão, no qual estão presentes ingredientes semelhantes: um Governo corrupto (embora não seja um Estado falhado ou colapsado) associado aos Estados Unidos e a oposição "visível" corporizada pelos fundamentalistas islâmicos. Também aqui intervêm forças políticas progressistas que não se podem obviamente "aliar" com o fundamentalismo que mata tanto quanto a repressão do governo.

O que é que fazem organizações como o Labour Party Pakistan (LPP)? Procuram organizar a luta social e política contra o governo, patrões e fundamentalismos, construindo organizações sindicais e de camponeses. Os fundamentalistas não combatem o patronato que mata os sindicalistas nem advogam melhorias nas condições de vida de quem trabalha. O LPP procura construir uma rede de apoio e de solidariedade que retire a população das mãos dos fundamentalistas e da "educação popular" das Madrassas, na ausência de um estado social. É por isso que fazem constantes apelos internacionais solicitando apoio com vista a poder financiar actividades de solidariedade directa com as populações, como é o caso da ajuda às vitimas da cheias.

Se o Renato tivesse assistido à intervenção da Mariam, teria ouvido em primeira mão o discurso de uma representante de uma organização que coloca como uma das questões principais para a democratização – e já agora da igualdade e emancipação de homens e mulheres - do Afeganistão o fim da ocupação estrangeira. Tal seria a condição para a abertura de uma nova fase de luta política no Afeganistão.

Mas se alguem lhe tivesse perguntado porque é que não fazia unidade na resistência com os Taliban ela talvez respondesse que as tropas da NATO e os Taliban são equitativamente responsáveis por crimes e massacres contra o povo afegão. Que a guerra infinita advogada pelos EUA convive bem não só com um governo corrupto e atrelado aos seus interesses, mas também com a integração neste de senhores da Guerra, a chama aliança do Norte, que não são diferentes dos Taliban. Que as suas activistas não podem se deslocar pelo país sem estarem cobertas e acompanhadas por um homem, ou que talvez nem falariam com ela, nem a considerariam interlocutora simplesmente por ser... mulher. Isto aplica-se quer ao Governo que supostamente traria as liberdades das democracias ocidentais, quer aos Taliban.

A “invenção de uma terceira trincheira” não constitui nenhuma abstração niilista pois ela já existe. Negar os taliban não é nem “cumplicidade, ignorância ou cobardia”, mas alicerça-se numa análise do que eles representam. Prefiro, por isso canalizar a minha solidariedade política (e quem sabe, recuperar a velha tradição de solidariedade material) para os projectos progressistas que defendem valores de democratização e emancipação social. Para mim uma coisa é certa: o inimigo do meu inimigo não é necessariamente meu amigo.

democratizar a cultura e o conhecimento não cabe no orçamento

Depois do burburinho sobre a passagem do escalão do IVA de 6% para 23% nos livros, entretanto desmentido, surge a notícia da extinção da Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), cujas atribuições passam a estar agora sob a alçada da Biblioteca Nacional.
Tendo em conta o percurso dos últimos anos, esta notícia parece anunciar, mesmo que envergonhadamente, o fim da última réstia de políticas públicas para o sector do livro e das bibliotecas.

A DGLB surgiu por extinção do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas). Esta transformação trouxe com ela cortes orçamentais muito acentuados. Por exemplo, o programa de apoio à edição de revistas científicas foi extinto e o programa de apoio à edição de ensaio teve um corte brutal. Este financiamento serve para partilhar custos de produção com os editores, permitindo que livros de duvidosa relevância comercial, mas de reconhecida relevância cultural e científica possam ser editados e distribuídos pela rede pública de bibliotecas.
Ora, esta notícia parece anunciar que o sector do livro vai ser definitiva e completamente mercantilizado. Editar-se-á o que se vende e ficaremos reduzidos às lógicas do best-selling. O critério de edição passará a ser exclusivamente a relevância comercial e não a relevância cultural ou científica e os editores deixarão de ser agentes culturais para passarem a ser agentes comerciais.
E é por isso que digo que isto anda tudo trocado. O que é preciso é que as bibliotecas tenham um orçamento que lhes permita equiparem-se e diversificarem o seu acervo, ao invés de se dirigirem aos editores, de mão estendida, pedindo livros à borla. Lembro-me que na minha faculdade a biblioteca não tinha um único exemplar de um qualquer livro de Jean-Paul Sartre, apesar de ter o curso de filosofia, assim como me lembro de haver apenas um exemplar de um daqueles livros transversais a todos os cursos.

Estudantes e público em geral não têm obrigação de ter uma biblioteca privada, têm é que ter bibliotecas públicas com livros em quantidade e diversidade. É assim que se combate a fotocópia e é assim que se constrói, em meu entender, a democratização da cultura e do conhecimento.

a reacção dos mercados

Bruxelas elogiou as medidas de austeridade anunciadadas pelo PEC 3 referindo que «todos aqueles que acompanham a reacção dos mercados, devem estar preocupados com os desenvolvimentos recentes na dívida soberana em países como Portugal». Por seu lado, a imprensa e o governador do Banco de Portugal deram conta de que os mercados reagiram positivamente a estas medidas.

Tendo as linhas gerais do Orçamento do Estado sido apresentadas ontem, hoje decidi investigar a reacção do mercado que melhor conheço (Bolhão) às medidas de austeridade.

Pelo que ouvi, arrisco-me a dizer que tanto a imprensa como Carlos Costa não só mentem descaradamente como apresentam versões parciais da realidade. Numa palavra, a reacção do mercado é esta: gatunos!

hiperexploração

Foi hoje publicado o decreto de lei que permite a abertura dos hipermercados ao domingo até à meia noite.

Em defesa desta medida, patrões e governo acenaram com a criação de 2000 postos de trabalho. No entanto, aquilo que a realidade nos diz é que o emprego no sector do comércio está praticamente ao nível do ano 2000 (751 mil empregos no 4º trimestre de 2000 e 753 mil em idêntico trimestre de 2009), não obstante terem sido licenciados mais de dois milhões de metros quadrados de grandes unidades. Ainda segundo a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o alargamento do horário aos domingos não se traduzirá num aumento dos postos de trabalho, mas antes numa nova gestão dos recursos humanos com transferência de pessoal de períodos com menor fluxo de clientes para os novos horários de abertura. E a prová-lo, podemos dizê-lo agora, está o pedido que o ano passado as grandes superfícies fizeram para a autorização da semana de 60 horas. No horizonte destes grupos económicos não está a criação de emprego, mas antes o aprofundamento da exploração e da precariedade.

Por outro lado, importa perguntar que tipo de consequências terá esta medida nas quotas de mercado dos diferentes formatos de comércio. Não é difícil adivinhar que o pequeno e médio comércio serão os que mais rapidamente se ressentirão. Isto prenuncia o fim da diversidade comercial, que com ela arrasta a desertificação e o abandono dos centros das cidades: passaremos todos a consumir nos mesmos sítios e os mesmos produtos. Também é facto conhecido que o comércio tradicional é gerador de mais emprego do que o comércio das grandes superfícies. Por isso, é preciso saber quantos empregos custará esta medida. Feitas as contas, arrisco-me a dizer que os empregos eventualmente criados serão inferiores aos empregos perdidos.
Falemos agora dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Já trabalhei no comércio, em horário nocturno, e tinha direito a um fim-de-semana completo de seis em seis semanas. É fácil imaginar como isto desestrutura todas as relações sociais e familiares. O direito ao descanso e à vida com qualidade é um direito de toda a gente, sem excepção.

Esta medida, ao contrário do que pode à primeira vista parecer, não defende nem o direito dos consumidores nem o direito dos trabalhadores, mas tão-só o interesse concentracionista dos grandes grupos económicos.

Vai mal um país que acha que ter sete dias por semana para consumir é qualidade de vida e modernidade. Vai mal um país que confunde lazer e descanso com consumo.
[A imagem é de Barbara Kruger]

"I'm Sleeping in a Submarine"

Aparentemente o concerto dos Arcade Fire pode não se realizar já que está previsto para a véspera da cimeira da NATO, agendada para os dias 19 e 20 de Novembro na FIL (próxima do Pavilhão Atlântico). De acordo com o promotor do espectáculo já foram vendidos 14 mil bilhetes. 14 mil pessoas que irão gostar de um qualquer grupo do Facebook intitulado "Eu também sou contra a cimeira da NATO em Portugal".

dartacão

O que pode explicar que quatro banqueiros (Ricardo Salgado, Faria de Oliveira, Carlos Santos Ferreira e Fernando Ulrich) andem, juntinhos, quais mosqueteiros, em peregrinação pelo poder político?
Em Setembro reuniram com Sócrates, ontem com Pedro Passos Coelho e hoje com Teixeira dos Santos.
Imagino que com o pão da sanduíche tenham tentado negociar a retirada daquela pequena «distracção» orçamental, a taxa sobre as operações de risco e derivados e o imposto sobre parte do passivo. Já ao fiambre da sanduíche tentaram convencê-lo das virtudes do Orçamento e da necessidade da sua viabilização. Tudo em nome do interesse de Portugal, evidentemente, o que até justifica esta investida de subjugação do poder político ao poder económico. Um por todos e todos por um. A dúvida que me resta é quem, de entre os quatro, é o Dartacão.

Pequena boa nova


Apesar de não ter dimensão para sequer afastar a atenção da crise por um breve momento, a pequena boa nova foi uma bonita ocasião para o “consenso” do centrão, unido mais uma vez pelo “interesse nacional”. A pequena boa nova foi saudada num coro “floribelista”: viva este país que é pobre, pobre, em ouro, mas rico, rico, em diplomacia. Com tal feito, haveria um “reforço da influência”, ele seria “um sinal de grande prestígio” e, segundo Sócrates, serviria mesmo para os portugueses “aumentarem a sua auto-estima”.
Mas a pequena boa nova vale o mesmo que o ouro dos tolos. Faz tanto pelo prestígio e pelo bem-estar nacional como a eleição de Barroso para presidir à Comissão Europeia e a de Constâncio para ser vice do Banco Central Europeu, continuando ambos a aprofundar um neo-liberalismo submisso aos interesses económicos da burguesia dos países mais ricos da Europa. Faz tanto como o facto da famosa “cimeira da guerra” ter sido nos Açores. A pequena boa nova só pode ser boa para quem pensa pequeno, para quem mistifica o “interesse nacional”, para quem não quer ver que no momento da decisão esse “interesse nacional” do centrão se reduzirá, como noutros tantos momentos, à submissão militar aos EUA ou à submissão económica à Alemanha e aos outros poderosos da Europa.
Por exemplo, a pequena boa nova não fará a diferença no Médio Oriente, nem implicará a coragem de propor o fim da “dívida” obscena do “terceiro mundo”. A pequena boa nova foi um triunfo da desqualificação da própria ONU face à NATO. E, dentro da ONU, não implicará a coragem de reformar, de acabar com os privilégios absurdos como a existência de membros permanentes e o seu direito de veto. Para quem saudou a pequena boa nova é normal que a ONU continue a escrever direito internacional por linhas tortas.
Mas se a pequena boa nova nada muda no mapa das influências internacionais, acrescenta uma nova responsabilidade à esquerda portuguesa para trabalhar mais pela solidariedade internacional. Porque agora cada recomendação ou sanção votada ou que ficou por votar responsabiliza directamente o Estado português.

Publicado no Esquerda.net

Contra a obscenidade do roça-roça



"Mr. Cuomo took his daughters to a Gay Pride Parade... Is that normal? (...) I don't think it's propper for them to go there and watch a couple of grown men grind against each other."

os donos de portugal

Este livro apresenta os donos de Portugal e faz a história política da acumulação de capital ao longo dos anos que vão de 1910 a 2010. Descobre-se aqui a fortuna nascida da protecção: pelas pautas alfandegárias contra a concorrência, pela ditadura contra as classes populares, pela liberalização contra a democracia na economia.

Esta burguesia é uma teia de relações próximas: os Champalimaud, Mello, Ulrich, entre outros, unem-se numa mesma família. Os principais interesses económicos conjugam-se na finança. Esta burguesia é estatista e autoritária: o seu mercado é o Estado e depende por isso da promiscuidade entre política e negócios.

Os Donos de Portugal
retrata também um fracasso monumental: o de uma oligarquia financeira incapaz de se modernizar com democracia, beneficiária do atraso, atraída pela especulação e pelas rendas do Estado e que se afasta da produção e da modernização. Ameaçada pelo 25 de Abril, esta oligarquia restabeleceu-se através de um gigantesco processo de concentração de capital organizado pelas privatizações. Os escândalos do BCP, do BPN e do BPP revelaram as faces da ganância. Aqui se demonstra como os donos de Portugal se instalam sobre o privilégio e o favorecimento.

Um capítulo encontra-se disponível em pré-publicação na revista Vírus.

Lançamento: 20 de Outubro, quarta-feira, pelas 18h30, na Livraria Buchholz (Rua Duque de Palmela, nº 4), em Lisboa. Apresentação de Fernando Oliveira Baptista.

O triste fado do bloco central

enamoramento e amor

A novela do Orçamento do Estado já vai longa e o capítulo de hoje inclui uma reunião de Pedro Passos Coelho (PPC) com um grupo de quatro banqueiros, a saber: Ricardo Salgado (BES), Faria de Oliveira (CGD), Carlos Santos Ferreira (Millenium) e Fernando Ulrich (BPI).

PPC anda confuso e, ao que parece, os quatro banqueiros mostraram-se disponíveis para o ajudar a tomar uma decisão. Diz-se por aí que tentarão convencê-lo a viabilizar o Orçamento. Segundo a tradição telenovelística, porém, nada ficará hoje resolvido. PPC não se decidirá e novos capítulos se seguirão fazendo jus à velha máxima de fazer render o peixe. O epílogo está previsto para a próxima terça-feira na reunião do Conselho Nacional do PSD. Aí, PPC decidirá o sentido de voto da bancada do PSD e, cumprindo a tradição guionista das telenovelas, seremos felizes para sempre.

Se isto fosse uma daquelas novelas em que o público decide o desenlace, eu apostaria num final à Alberoni, de profundo enamoramento e amor entre PPC e os banqueiros. Os vilões e as vilãs há muito que foram identificados: quem trabalha e quem quer trabalhar. A esta gente PPC não coloca as suas dúvidas nem tão-pouco discute estratégia política e económica, apenas comunica as suas certezas: viveis acima das vossas possibilidades, cambada de gandulos!

Há uma outra coisa que eu lamento e que me entristece profundamente. Também eu tenho uma relação profunda e continuada com Fernando Ulrich. Até que complete 72 anos de idade, pagarei um tributo a este senhor que, diligentemente, lambe parte do meu salário todos os meses. Mas nem por isso ele se mostra disponível para comigo discutir as dúvidas que tenho sobre o meu orçamento.

Os Simpsons deslocalizados

Lisboa contra a pena de morte!



No próximo dia 10, Domingo, Lisboa manifestar-se-á contra a Pena de Morte, juntando-se assim ao conjunto de cidades de todo o mundo onde será lembrado o 8º Dia Mundial contra a Pena de Morte. Apela-se à participação e divulgação deste evento!

10-10-2010
17:30h
Largo de Camões (Lisboa)

Todos/as vestidos/as de preto contra a pena de morte!

Trata-se de uma iniciativa conjunta da ATTAC, Colectivo Mumia Abua-Jamal, Comité de Solidariedade com a Palestina, FERVE, Não Te Prives, SOS Racismo, Panteras Rosa, Pobreza Zero Precários Inflexíveis e Solidariedade Imigrante.

Mais info e comunicado da iniciativa aqui

o erro de descartes

Dizia Descartes, no seu Discurso do Método, que «o bom senso é a coisa que, no mundo, está mais bem distribuída».
Depois de ver esta notícia, ficou para mim claro que, infelizmente, Descartes enganou-se redondamente. Do ponto de vista do argumento da liberdade de expressão, a acção desta gentalha até pode ser legal. Porém, o que lhes falta em bom senso é para mim suficiente para os incluir na categoria de energúmenos.


"FMIces" - Ligação Directa com um tasco do lado

"Às mulheres portuguesas", Ana de Castro Osório, 1909


“Às mulheres portuguesas”

“Maria Veleda acaba de ser condenada numa pena brutal e vexante, numa multa desproporcionada à culpa, se culpa pode considerar-se dizer a verdade…

É a primeira mulher que no nosso país sofre um julgamento e uma condenação por delito de imprensa; isto seria para nós, mulheres, uma honra porque víamos a lei dar-nos a igualdade perante o delito, se os códigos não usassem de há muito dessa justiça – iguais aos homens na culpa e no castigo, suas inferiores nos direitos e vantagens!

Maria Veleda, nem como liberal, nem como publicista, nem como defensora dos direitos femininos pode sofrer a pena por que foi condenada porque essa condenação não foi a ela somente lançada mas a todos nós, os que lutamos pela justiça com uma pena na mão, a todos os que nos sentimos ultrajados pelo despotismo e pela reacção hoje triunfantes em Portugal, a todas as mulheres, enfim, que numa das nossas mais ilustres colegas sofremos a condenação mais vexante que um ser humano pode sentir pesar sobre si e que é a que pretende tolher a liberdade de consciência e de pensamento.

A nós todas, mulheres liberais, cumpre aceitar colectivamente esse castigo glorioso e tomar sob nossa responsabilidade o pagamento dessa miserável multa, que é sabão de potassa para lavar a honra de quem se ofende porque lhe dizem o que é, mas não pode ser raspadeira que tire da consciência do povo português as verdades lá escritas indelevelmente.

Todas unidas mostraremos claramente que sabemos bem compreender a verdade eterna: “O que para um só é peso demasiado, com o apoio de muitos agrupados, num mesmo esforço, é trabalho leve de criança.” E assim, por minha proposta, abriu-se uma subscrição para pagar em que foi condenada por dizer palavras de verdade e de justiça uma mulher portuguesa, uma bela alma de liberal e uma escritora de altíssimo valor que é Maria Veleda.”


in: Jornal "A Voz da Justiça" (Figueira da Foz), 20/07/1909, p.1


Na sequência deste apelo, por subscrição pública entre mulheres republicanas, Maria Veleda pôde, enfim, pagar a multa de 300$000 a que havia sido condenada por delito de imprensa, após a publicação do artigo "Carta a uma dama franquista" no jornal "A Vanguarda".

viva a república!











manifesto dos economistas aterrorizados

A Associação Francesa de Economia Política lançou o «Manifesto dos Economistas Aterrorizados», um documento que, descodificando a crise, aponta caminhos para dela nos livrarmos. E a ATTAC tem disponível a sua tradução.

Os miseráveis

São frases críticas que não se podem deixar passar num momento destes. Não porque critiquem, no sentido negativo da palavra, ou revelem pensamento crítico, antes pelo contrário, mas porque revelam um estado crítico. O estado crítico a que se chega para justificar uma política criadora de mais crise. O estado crítico a que chega a incompreensão dos políticos da situação sobre a situação real das condições de vida de muitos/as dos/as outros/as. O estado crítico a que chega a arrogância de quem está na mó de cima.

Diz António Barreto que “há direitos incompatíveis com a crise.” E ficamos a saber que há direitos intermitentes (saúde, educação, habitação…) que são um luxo concedido no intervalo das crises e que são coisa a cortar antes de ir importunar os lucros de alguém poderoso. Ao que parece há quem pense que a dignidade humana tem um preço e esse é o preço do ajustamento das contas públicas aos níveis exigidos pelos especuladores.

Diz Almeida Santos que “o povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.” e ficamos a matutar no que será esse sofrimento. Podemos imaginar os membros de um governo que deixaram de receber o subsídio de desemprego a esticar os cêntimos até à última enquanto que lá fora o povão, a começar pelos sacanas dos funcionários públicos, se desfaz em banquetes. Ou talvez seja melhor imaginar então a enorme dor interior do Primeiro-Ministro ao cortar nos salários, nas pensões, nas prestações sociais, ao aumentar impostos ao promover desemprego. Como sofrem aqueles que amam o povo que ignora o seu sofrimento... Há então que fazer sofrer o povo para compreender bem o sofrimento do chefe. E há algo que fica a ressoar na cabeça: sim, é justo, eles deviam sofrer a crise como nós a sofremos....

Diz o deputado do PS Ricardo Rodrigues: “sendo neste momento deputado sou dos que perde mais dinheiro” E ficamos com pena da vítima mais vitimizada dos planos de austeridade. E ficamos a gabar-lhe o altruísmo de quem sofre dignamente essa perda, votando no parlamento a sua própria miséria a bem da nação. Os/as outros/as? Queixam-se de barriga cheia porque não perderão certamente tanto dinheiro como ele. Só uns trocos. Já dizia alguém que se não tiverem pão o que isso interessa? Comam brioches!

Serão frases anedóticas certamente. Mas são frases que passam por cima da miséria de muitos/as. Por isso, são frases miseráveis.

Quem paga a crise?