"Às mulheres portuguesas", Ana de Castro Osório, 1909


“Às mulheres portuguesas”

“Maria Veleda acaba de ser condenada numa pena brutal e vexante, numa multa desproporcionada à culpa, se culpa pode considerar-se dizer a verdade…

É a primeira mulher que no nosso país sofre um julgamento e uma condenação por delito de imprensa; isto seria para nós, mulheres, uma honra porque víamos a lei dar-nos a igualdade perante o delito, se os códigos não usassem de há muito dessa justiça – iguais aos homens na culpa e no castigo, suas inferiores nos direitos e vantagens!

Maria Veleda, nem como liberal, nem como publicista, nem como defensora dos direitos femininos pode sofrer a pena por que foi condenada porque essa condenação não foi a ela somente lançada mas a todos nós, os que lutamos pela justiça com uma pena na mão, a todos os que nos sentimos ultrajados pelo despotismo e pela reacção hoje triunfantes em Portugal, a todas as mulheres, enfim, que numa das nossas mais ilustres colegas sofremos a condenação mais vexante que um ser humano pode sentir pesar sobre si e que é a que pretende tolher a liberdade de consciência e de pensamento.

A nós todas, mulheres liberais, cumpre aceitar colectivamente esse castigo glorioso e tomar sob nossa responsabilidade o pagamento dessa miserável multa, que é sabão de potassa para lavar a honra de quem se ofende porque lhe dizem o que é, mas não pode ser raspadeira que tire da consciência do povo português as verdades lá escritas indelevelmente.

Todas unidas mostraremos claramente que sabemos bem compreender a verdade eterna: “O que para um só é peso demasiado, com o apoio de muitos agrupados, num mesmo esforço, é trabalho leve de criança.” E assim, por minha proposta, abriu-se uma subscrição para pagar em que foi condenada por dizer palavras de verdade e de justiça uma mulher portuguesa, uma bela alma de liberal e uma escritora de altíssimo valor que é Maria Veleda.”


in: Jornal "A Voz da Justiça" (Figueira da Foz), 20/07/1909, p.1


Na sequência deste apelo, por subscrição pública entre mulheres republicanas, Maria Veleda pôde, enfim, pagar a multa de 300$000 a que havia sido condenada por delito de imprensa, após a publicação do artigo "Carta a uma dama franquista" no jornal "A Vanguarda".

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