sopinha

Sou suspeita de falar nestas coisas: fui criança no período revolucionário e frequentei sempre a escola pública. Talvez por isso não me repugnem nem os piolhos nem os lampiões no nariz e ache até ao interclassismo uma certa graça. Deve ser por essa razão que quando vejo as mãezinhas e os paizinhos empenhados na defesa do privilégio das suas crianças fico aborrecida.

Como um grupo de jornalistas se dedicou a fazer jornalismo, hoje podemos afirmar que é falso o argumento de que não há alternativa pública à maioria das escolas privadas: Só 18 escolas privadas, das 94 com contrato de associação com o Estado, ficam a mais de 15 quilómetros de uma pública com o mesmo grau de ensino. (...) Cerca de 20 estabelecimentos privados ficam até a menos de um quilómetro dos seus equivalentes no público.

Nada tenho contra as escolhas privadas pelo ensino privado. Cada um come do que gosta, mas há um prato, a sopinha, que tem que fazer parte de todas as refeições equilibradas. E a responsabilidade do provimento da sopinha é do Estado. Assim, se os papás e as mamãs não gostam da sopinha pública podem escolher a sopinha privada, não podem é pedir legumes subsidiados quando há sopinha pública à espera da sua prole.

O problema da sopinha é que ela não chega para todos os meninos e meninas. Sócrates prometeu uma rede pré-escolar com capacidade para acolher todas as crianças com 5 anos. Acontece que as criancinhas, pasme-se, precisam de sopinha desde que nascem. E creches e infantários públicos é coisa que, na esmagadora maioria das localidades, ou não existe ou não abunda. A pouca resposta pública que há não chega para a cova de um dente. Por isso, era bom acabar com a subsidiodependência das escolas privadas e investir a sério nas creches e infantários. Acho que isso se chama igualdade de oportunidades.

O terrorista


Avigdor Liberman, o líder da extrema-direita israelita que Netanyahu escolheu para ministro dos Negócios Estrangeiros, é mais conhecido pelo racismo antiárabe que imprime às suas campanhas e que terá culminado na defesa da execução dos deputados árabes do Knesset por defenderem o diálogo com o Hamas.

Em Lisboa, Liberman esteve reunido com Sócrates e Amado. E deixou uma ameaça aos países que nos últimos meses aprovaram o reconhecimento do Estado da Palestina com as fronteiras existentes em 1967, antes da Guerra dos Seis Dias. Ao lado do MNE português, Liberman advertiu contra "decisões unilaterais" em relação à Palestina. É verdade que tem razões para estar preocupado: só no último mês e meio, à iniciativa de reconhecimento por parte do Brasil seguiram-se as da Argentina, Bolívia, Equador, Chile e Peru.

É por causa desta recente vaga de apoio diplomático à Palestina - resultado da recusa israelita de parar com a expansão dos colonatos, que levou ao rompimento das negociações de paz - que Liberman veio esta semana inventar a criação dum Estado palestiniano com "fronteiras provisórias" e que ocuparia 50% do território ocupado por Israel na Cisjordânia, sem retirada dos colonatos. Com isso esperava ganhar apoio internacional para pressionar os palestinianos a voltarem às negociações, enquanto prosseguia tranquilamente a ocupação ilegal de terras para os colonos. A manobra não teve grande sucesso, como seria de prever.

Muitos dirão que a vinda deste político xenófobo e racista a Lisboa só serviu para envergonhar os governantes portugueses obrigados a tirar uma foto ao seu lado. Mas como denuncia o Comité de Solidariedade com a Palestina, que também esteve no protesto em São Bento contra a visita, é importante que todos saibam que ele é um dos principais – e certamente dos mais perigosos – responsáveis políticos pelos crimes de guerra e contra os Direitos Humanos cometidos nos territórios ocupados por Israel. Numa palavra, Avigdor Liberman é um terrorista.

(Publicado no esquerda.net, com caixa de comentários)

Cassandra

Corre uma petição na internet contra um crime denominado violação correctiva que, ao que parece, é práctica corrente em África do Sul. O caso de Millicent Gaika, que foi violada e torturada horas a fio para que a sua sexualidade fosse corrigida, tem trazido esta questão à superfície. Neste mesmo país, Eudy Simelane foi violada e assassinada depois de tornar pública a sua orientação sexual e de ter feito da defesa dos direitos sexuais uma batalha. Esta prática pretende, imagine-se, corrigir a sexualidade das lésbicas. Não há, no entanto, relativismo cultural capaz de justificar a barbárie. Trata-se de crimes e como crimes de ódio devem ser encarados.

Estas notícias transportam-me para uma outra que me trouxe e traz algum incómodo: Julian Assange é acusado, por duas mulheres, de violação.

Poderia a caça a Assange significar que o entendimento internacional sobre a gravidade do crime de violação estava a mudar, mas não me parece que seja esse o caso nem que a Suécia e a Inglaterra estejam determinadas a fazer da luta contra a violação um desígnio internacional. Usar a violação como motivo para deter Assange foi um acto sem precedentes. A acusação (e detenção) que pende sobre Assange é, parece-me, a desculpa humanitária perfeita para a violação dos direitos humanos e para a aplicação de uma justiça feita à medida das necessidades dos incomodados com as revelações da wikileaks.

Não sei se Assange violou ou não as duas mulheres que o acusam. Tenho a minha opinião e, confesso, que uma acusação desta natureza me incomoda. Assange tem prestado, em meu entender, um enorme serviço à democracia e, por isso, preferia continuar a tê-lo arrumado no lote das pessoas recomendáveis. Os tribunais que o julguem. Mas, o que verdadeiramente me incomoda no meio disto tudo é que, na eventualidade dessas acusações serem falsas, tudo isto signifique mais um recuo na compreensão da violação como um crime intolerável. Acusá-lo falsamente significa desrespeitar todas as pessoas, sobretudo mulheres e crianças, que sobreviveram ao crime de violação e agressão sexual. A violação é o pano de fundo que alimenta o tráfico de seres humanos; é usada como arma e troféu de guerra; como manifestação do entendimento das mulheres como seres humanos subalternos, como recusa do seu direito à autodeterminação sexual. Usá-la como estratégia de silenciamento de Assange é insultar todas as mulheres que sofreram lesões vaginais e que são marginalizadas nas suas culturas em virtude de terem sido violadas. E, por isso, o peso de uma falsa acusação é quase tão grave como o do próprio crime.

Apolo, nas palavras de Homero, apaixonou-se por Cassandra e prometeu-lhe o dom da profecia, caso ela cedesse aos seus desejos. Cassandra, após ter sido instruída nos dons da profecia, esquivou-se aos desejos de Apolo que, zangado, lhe retirou o dom da persuasão, transformando as suas profecias em letra morta. Cassandra previu o destino trágico de Tróia, mas a sua palavra não tinha valor. E, por isso, Cassandra é hoje, nas palavras de Janet Mills, o símbolo da recusa patriarcal em confiar na palavra das mulheres.

Um não significa mesmo não e não pode sobre isso existir qualquer outra interpretação possível. Que exactamente duas mulheres possam estar a colocar em questão o valor da palavra das mulheres é aquilo que me incomoda verdadeiramente.
[Publicado também aqui]

A cavalo emprestado olham-se os dentes

O jornal Público dá hoje conta de um estudo sobre o empréstimo de manuais escolares feito pelo “Observatório dos Recursos Educativos” , uma entidade financiada pela Porto Editora, a maior editora de livros escolares.

Aí, defende-se o “apoio directo progressivo e com discriminação positiva”, a ser aplicado “depois de passada a crise económica” o que significa na prática: um adiamento de qualquer legislação neste sentido para altura incerta fazendo suportar o preço dos manuais dos próximos anos novamente pelas famílias, uma oposição frontal ao sistema de empréstimos que a oposição parlamentar conseguiu aprovar no parlamento contra o governo, uma oposição ao sistema de financiamento de todos os alunos do ensino obrigatório para compra de manuais escolares defendido, entre outros, pelo PCP.

Os argumentos centrais deste estudo, retirados da comparação com a realidade espanhola, são dois: as famílias carenciadas seriam as mais prejudicadas pelo sistema de empréstimo (1) e o Estado gastaria muito (2) (a distinção entre argumentos centrais e adicionais parte da valoração a que a entrevista ao autor induz e da própria análise do argumentos).

O argumento 1 funda-se no pressuposto, retirado do caso espanhol, de que serão os mais pobres que perderão ou danificarão mais os livros. Assim, e já que na ideia de empréstimo está subjacente a ideia de uma caução em caso de estrago, aceitando que os mais pobres estragam/perdem mais, caber-lhes-ia pagar mais...

O resto aqui no blogue do Movimento Escola Pública.

o cavaco sai caro


















O cartoon, está bom de ver, é do Luís Afonso.

Há casas fantásticas, não há?

Notícia da Visão online (Escritura de Cavaco omite vivenda em construção há nove meses):

No dia 9 de julho de 1998, a notária Maria do Carmo Santos deslocou-se ao escritório de Fernando Fantasia, na empresa industrial Sapec, Rua Vítor Cordon, em Lisboa, para registar uma escritura especial. O casal Cavaco Silva (cerimoniosamente identificados com os títulos académicos de "Prof. Dr." e "Dra") entregava a sua casa de férias em Montechoro, Albufeira, e recebia em troca da Constralmada - Sociedade de Construções Lda uma nova moradia no mesmo concelho. Ambas foram avaliadas pelas partes no mesmo valor: 135 mil euros. Este tipo de permutas, entre imóveis do mesmo valor, está isento do pagamento de sisa, o imposto que antecedeu o IMI, e vigorava à época.

Mas a escritura refere, na página 3, que Cavaco Silva recebe um "lote de terreno para construção", omitindo que a vivenda Gaivota Azul, no lote 18 da Urbanização da Coelha, já se encontrava em construção há cerca de nove meses. Segundo o "livro de obras" que faz parte do registo da Câmara Municipal de Albufeira, as obras iniciaram-se em 10 de Outubro do ano anterior à escritura, em 1997. Tal como confirma Fernando Fantasia, presente na escritura, e dono da Opi 92, que detinha 33% do capital da Constralmada, que afirmou, na quinta-feira, 20, à VISÃO que o negócio escriturado incluía a vivenda.

Bem-aventurados os que não passam à segunda volta...


Há duas semanas, Fernando Nobre disse a Judite de Sousa que no dia 24 tem lugar marcado num avião com destino à Papua Nova Guiné. O que o terá feito mudar de ideias?

Uma casa de fantasia

Notícia da Visão:

A casa de férias de Cavaco Silva foi adquirida a uma empresa subsidiária da Opi 92, de Fernando Fantasia. O Presidente da República continua sem dizer onde está a escritura pública da transação.
O que se sabe é que a permuta foi feita com uma empresa de construção, a Constralmada. E que essa empresa era uma sociedade por quotas fundada por Fernando Fantasia e detida em 33,3% pela sua empresa Opi 92, SA. Era, porque foi dissolvida em Janeiro de 2004.
Fernando Fantasia é um dos moradores no restrito aldeamento da Coelha. Viria a ser, também, um dos rostos de algumas das mais complexas operações durante a gestão de Oliveira e Costa no BPN/SLN. Mas isto aconteceu alguns anos após o negócio com Cavaco Silva. Muito embora não se consiga situar, precisamente, quando é que a Opi deixou de ser exclusivamente detida por Fernando Fantasia para passar a ser mais uma das "participadas" do grupo do BPN.
A VISÃO enviou várias perguntas para Cavaco Silva, que receberam, às 16h00 desta terça-feira, 18, uma resposta de fonte oficial da direção da sua campanha para a re-eleição na Presidência da República: "O Professor Cavaco Silva já disse o que tinha a dizer sobre o assunto." E da Presidência não nos chegou qualquer resposta.

E quando é que deixam o Alberto João ir ao youtube? (IV)

E quando é que deixam o Alberto João ir ao youtube? (III)

Felicitações para Ben Ali?

Cavaco e “a mais elevada consideração” para com Ben Ali

A “razão de Estado” hipócrita considera muitas vezes que ditador só é ditador depois de ter caído. Hoje, mesmo essa recatada hipocrisia, se curvará perante a evidência: Ben Ali é um ditador fugido do seu povo que o derrubou corajosamente. A ver vamos o que se segue.

Cavaco Silva é o primeiro-gestor dos silêncios em Portugal. E, nas horas de aperto, até um bolo-rei servia como último recurso para não responder a perguntas incómodas. Mas estes silêncios acabam onde se impõe uma estranha (e certamente muito responsável) noção de “razão de Estado”. Em Outubro de 2009, sentiu a necessidade de felicitar o ditador Ben Ali pela sua “expressiva reeleição”. Necessidade de Estado e mensagem da praxe, dirão…

Mas não teria sido preferível encontrar um bolo-rei que permitisse o silêncio? Ou será que endereçar a Ben Ali a “mais elevada consideração e estima pessoal” não era engolir um sapo autoritário em nome de uma discutível "razão de Estado"?

Parece que a escritura de Cavaco só vai aparecer na segunda volta...

E quando é que deixam o Alberto João ir ao youtube? (II)

Cavaco Silva e os vizinhos de férias na "aldeia BPN"


serviço público

No sítio da Câmara Municipal do Porto está publicada uma notícia sobre o jornalista do Público Amílcar Correia. Esta notícia, escrita em tom jocoso e depreciativo, aparece na rubrica Notícias. Não estando assinada, sou obrigada a concluir que não se trata de uma opinião pessoal, mas espelha antes a opinião do Executivo sobre os editoriais e crónicas deste jornalista.

Não vou aqui discorrer sobre a utilização do sítio da Câmara para este tipo de prosa contra um jornalista em particular nem, tão pouco, falar da escolha de insultar um jornalista em vez de o desmentir. E não o faço porque considero este artigo um verdadeiro serviço público. As crónicas e editoriais que estão linkados neste artigo são de enorme utilidade. É sempre bom ter a informação coligida.

Que a Câmara Municipal do Porto se relacione mal com a crítica e com a opinião deste jornalista ou de outra pessoa qualquer, é um problema. Mas, na verdade, é só mais um a somar a todos os outros.

Um ano sem Daniel Bensaïd

Fica um esboço da homenagem necessária aqui.

Mas o que é que quer dizer com isso?




Miguel Cadilhe em entrevista ao DN:

"Há competitividade a menos e Estado a mais."

"O Estado é excessivo, assim penso há anos."

"Estes níveis e ritmos insuportáveis são, em grande parte, efeito do Estado excessivo."

"É um outro modo de aquilatarmos as desproporções e os irrealismos das dimensões do Estado."

"(...) é urgente e irrecusável reduzir e reformar o Estado."

"Certo para mim é que Portugal tem que reconceituar e redimensionar o Estado (...)"

"Temos de abandonar o Estado pesado, fraco, gastador, burocratizado. E passar a um Estado magro, forte e eficiente, contido em limites que a economia e a competitividade suportem."

"Se a solução tivesse sido consequente, teríamos agora um Estado redimensionado, suportável e muito mais eficiente."

E a cereja:
"Pois bem, os serviços susceptíveis de pricing deveriam ser reequacionados sob a lógica «utilizador-pagador»".

Escolhas: Golos e Malhões



A Leirisport é uma empresa municipal de Leiria que gere equipamentos e actividades desportivas no Concelho e que é considerada pelo próprio presidente da Câmara, Raul Castro, como "o pior problema da autarquia". É responsável pela gestão do Estádio Municipal de Leiria e prevê-se que, em 2011, sorva mais de 8 milhões de euros do orçamento municipal. A Câmara Municipal de Leiria, preocupada com a quantidade de dinheiro sugada pela Leirisport, pediu ajuda aos especialistas políticos da Deloitte que recomendaram a manutenção da Empresa Municipal ou que, no máximo, se privatizassem os sectores mais rentáveis e que a CML se mantivesse responsável pelos restantes. Recomendou também outras medidas mais modestas mas também mais reveladoras: as pessoas que usufruem do programa ViverActivo (programa de actividade física destinada a pessoas com mais de 55 anos) passassem a pagar pelo serviço.

Já ontem, saiu a notícia de que a CML tinha cessado todos os protocolos existentes com 50 associações culturais, 24 ranchos folclóricos, 11 grupos corais e 4 grupos de música tradicional. Isto para além de ter pago em 2010 o que deveria ter pago em 2009 e de não saber quando pode pagar os montantes relativos a 2010.

O Festival de Jazz da Alta Estremadura, no final do ano passado, viu-se obrigado a reduzir drasticamente de dimensão quando a CML sugeriu diminuir o financiamento de 38.000€ para 8.000€. Aparentemente, assistiram aos 3 espectáculos da última edição 399 pessoas.

Será uma chatice tentar perceber os números mas não custará muito perceber que continua a ser possível definir prioridades e que a conversa da crise e do "não há dinheiro para tudo" não merece um farrapo de consideração. O problema é que as escolhas têm sido constantemente erradas e que o Estado continua a ser assaltado por quem o gere.


Adenda: Entretanto, a fotografia que usei originalmente estava alojada no site do Região de Leiria e, talvez por falta de verbas, sumiu-se. Felizmente, as fotografias do mamarracho não rareiam e posso usar uma do site da BBC à confiança.

"Eu era um mísero professor, minha senhora..."


O economista rigoroso Cavaco Silva diz que não sabe como ganhou os 140% de mais-valias no jackpot da SLN, mas sabe que o lucro foi depois aplicado em "acções estrangeiras com uns nomes esquisitos"...

E quando é que deixam o Alberto João ir ao youtube?


José Manuel Coelho em entrevista a Judite de Sousa, 7/1/2010

É nisto que dá ir aos saldos...


"O favor que Cavaco teve de Oliveira e Costa não consistiu no preço de venda mas antes no preço de compra." diz o Ricardo Coelho no blogue de campanha Alegro Pianissimo. O Expresso confirma que na SLN o único que comprava acções a 1 euro era Oliveira e Costa. Os outros accionistas tinham de pagar entre 1,8 e 2,2 euros por acção.

O favor que Cavaco aceitou de Oliveira e Costa - que deu uma mais-valia de 357 mil euros à sua família, rendimentos na altura isentos de imposto - é uma bomba política, por mais que o gangue da SLN na Comissão de Honra de Cavaco venha agora distrair as atenções e dizer que houve accionistas a vender mais caro, esquecendo que também as compraram muito mais caro que o candidato presidencial do PSD.

A humilhação de Cavaco pela descoberta do favor que tentou esconder começou hoje mesmo pela mão de quem preside à Comissão de Honra da candidatura. Ramalho Eanes veio afirmar nunca ter entrado em esquemas semelhantes, apesar de solicitado por vários bancos. "Tenho dito sistematicamente que não", afirmou Eanes, e não foi preciso dizer mais nada para mostrar que é muito diferente do candidato que era suposto estar a honrar com a sua presença naquela acção de campanha em Setúbal...

eu veto cavaco silva

Há várias interpretações para o veto de Cavaco Silva ao diploma que simplifica a mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Há quem diga que Cavaco tenta, desta forma, desviar as atenções do caso BPN; outros afirmam que procura recuperar os votos perdidos aquando da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo; outros ainda referem que este é um veto de longo alcance: Cavaco está filado em eleições antecipadas e na reconfiguração da Assembleia da República.

O grande argumento de Cavaco Silva para este veto é precisamente aquilo que faz desta lei uma boa lei: a simplificação.
Cavaco Silva não é apenas conservador, é também paternalista. E não há pior insulto do que ser tratado com complacência e reduzido ao reino da infantilidade. Desconfia da lei porque ela não estabelece prazos para confirmar o diagnóstico médico. Ou seja, duvida tanto da capacidade da equipa médica como da palavra das pessoas transexuais e transgénero. Achará, porventura, que alguém toma uma decisão desta natureza de ânimo leve? Achará que uma pessoa quando decide mudar de sexo ou de identidade não ponderou o suficiente?

A questão do diagnóstico médico é central, mas não pelos motivos que Cavaco Silva invoca. O diagnóstico remete para a patologização da transexualidade, prática esta muito contestada tanto por profissionais de saúde como por activistas. Cavaco Silva invoca a lei espanhola para vetar a lei portuguesa, mas faz tábua rasa de toda a discussão que aqui ao lado se vem travando: no Estado Espanhol discute-se a revisão da lei no sentido da despatologização da transexualidade (que recolhe o apoio do PSOE, IU, centrais sindicais e, claro, activistas), o que implica olhar as pessoas transexuais e transgénero como elas devem ser olhadas, como pessoas capazes de tomar decisões sem necessidade de tutela. Mais, na Argentina e em França este processo já foi concluído.

A lei aprovada na Assembleia da República é tímida neste aspecto, mas simplifica as vidas das pessoas ao garantir a celeridade nos procedimentos administrativos para a mudança de nome próprio no registo: exige um diagnóstico médico como única condição para iniciar o processo administrativo. Nos últimos cinco anos, apenas 16 transexuais recorreram aos tribunais para iniciar o processo de mudança de nome próprio. Porém, acusar o Estado é demorado, caro e nada garantido. O que a nova lei traz de novo é o fim da imposição cirúrgica para mudança de nome, bastanto para isso um diagnóstico médico.

E é isto que incomoda muito a direita e o conservadorismo, que alinham pelo diapasão do absolutismo cirúrgico: sem cirurgia a irreversibilidade não está garantida. Não é, por isso, estranho que no debate parlamentar o PSD tenha proposto a esterilização das pessoas transexuais como condição para a mudança de nome próprio.

Que Cavaco Silva não seja o candidato de todas as portuguesas e portugueses é saudável e até higiénico; mas o presidente Cavaco Silva não pode esquecer-se que o é de todas e todos, incluindo as pessoas transexuais e transgénero.

É por essas e por outras que, no dia 23 de Janeiro, eu veto Cavaco Silva.
[Publicado também aqui]

Como a SLN deu um jackpot de 357 mil euros à família Cavaco...

Políticos natos

O bebé do ano de 2011 nasceu frustrado. E não é pela crise que fustiga a geração dos seus pais. Essa, esperanças de recém-nascido, já poderá ter passado há muito quando chegar à maioridade. O problema é que, inflado à nascença de ambição política, terá ouvido dizer que ainda está por nascer quem possa fazer melhor pelo défice do que Sócrates e também que para ser mais honesto do que Cavaco é preciso nascer duas vezes. Assim, face aos colossos da política actual, sentiu toda uma carreira política acabada ainda antes de ter começado: a competência técnica esgotou por várias gerações e a seriedade está num patamar pura e simplesmente impossível de superar. Nascido apenas uma vez e em Portugal, não há volta a dar-lhe. A quota dos políticos excepcionais está preenchida.

Os excepcionais gémeos dizigóticos do sistema

A veemência colocada na questão do nascimento, que marcaria uma excepcionalidade auto-atribuída, leva-nos a pensar que há um problema nato de modéstia na classe dirigente da política nacional e que isso a une tanto como as suas propostas políticas gémeas de gestão da crise.

Cavaco construiu o seu boneco valorizando a honestidade que pretendia exibir na cara fechada e a seriedade que mostrava com um certo tom de voz. Resvalou-lhe a figura muitas vezes para o autoritarismo. Gestor de silêncios e engenheiro de tabus, foi o tecnocrata do betão em tempo de vacas gordas e o inventor do discurso do oásis quando a coisa deu para o torto.

Sócrates, por sua vez, construiu o seu boneco como um corredor de fundo: exibia um fôlego de quem acreditava que poderia sempre continuar a correr apesar de todos os escândalos. Com um sorriso na lábia. A acompanhar trouxe um arraial yuppie de “novas tecnologias” que modernizariam o país em inglês técnico. Mal a sua competência ímpar foi injustiçada pela crise internacional e já na mensagem de Natal trazia pronta a sua versão de um oásis a contracorrente da austeridade.

Os excepcionais nunca se enganam e quando há problemas têm refúgio certo num país das maravilhas. Nele, a dureza das crises é recalcada. Até porque quem as paga é certamente personagem menor.

Soluções excepcionais

É porque os homens excepcionais são capazes de soluções excepcionais que se deve confiar neles. Daí que não devamos cair na armadilha de questionar o que se passou no famoso investimento na SLN por parte de Cavaco Silva através de qualquer desconfiança na sua integridade (até porque supõe-se que o senhor dos tabus saberá desmontar a armadilha a seu tempo). Se abordarmos a questão confiando na excepcionalidade de Cavaco, deveremos procurar saber os meandros do negócio para aí descobrir se o segredo de rapidamente obter dividendos na ordem dos 140% se pode multiplicar, nacionalizar e ser democratizado. Porque, continuando o caminho trilhado pelos PECs, ou um homem excepcional com um investimento excepcional resolve problemas como o buraco financeiro do BPN e o dos submarinos, ou ainda estarão para nascer aqueles/as que vão conseguir pagar a crise. Ou então será preciso que cada um/a dos/as trabalhadores/as portugueses/as nasça duas vezes para nos serem aplicadas medidas de austeridade a dobrar.

A excepcionalidade é sempre uma má anedota. Não é nela que se encontra o segredo da política. Não é ela que resolve crises.

Publicado também aqui.

o caimão

O publico.es dá hoje conta de mais uma eloquente, necessária e sempre certeira afirmação de Berlusconi: este gaba-se de não ter relações com mulheres de esquerda. Eu, que sou uma mulher de esquerda, suspiro de alívio e digo mesmo que há aqui erro de tradução. O que Berlusconi queria dizer é que nenhuma mulher de esquerda, passe a generalização, é parva o suficiente para se relacionar com um marialva como ele.
[Publicado também aqui]

a bem da nação, cavaco não





Criação de Gui Castro Felga.

Rio para não chorar

Há dez anos atrás, o Porto respirava diferente. Estávamos em 2001, ano de capital europeia da cultura. Independentemente daquilo que correu mal na Porto 2001, há dez anos atrás a cidade era outra. Da oferta cultural diversificada à criação de públicos, o Porto pulsava e afirmava-se. A dificuldade, nessa época, consistia em arranjar tempo para fazer ou assistir a tudo o que estava em produção ou em cartaz. A modorra em que o Porto se tornou provoca até complacência na avaliação da Porto 2001.

No ano seguinte chegou Rui Rio e com ele a confusão permanente entre cultura e entretenimento. A formação de públicos tornou-se um conceito estranho, a oferta cultural confundiu-se com êxito comercial, a produção e a criação culturais foram substituídas pelo entretenimento. Tudo o que tinha sido começado morreu. O Rivoli foi concessionado. Entrámos na era dos motores: do circuito da Boavista aos aviões da Red Bull, a cidade ensurdeceu. Mas se é verdade que Rui Rio é o coveiro da criação e produção culturais no Porto, também é verdade que usou o combate contra a cultura como estratégia política. A afirmação «Nem mais um tostão para a cultura enquanto existirem bairros sociais degradados» é daquelas sentenças capazes de colher a simpatia de uma imensa maioria. Essa estratégia saloia ajudou a que a sua incapacidade política e a sua completa ausência de ideias para a cidade conseguissem passar quase despercebidas. Toda a gente se foi entretendo com os dois braços de ferro que Rio criou e alimentou: um com os «parasitas da cultura» e outro com o Futebol Clube do Porto.

Com Rui Rio a cidade esmoreceu. Desengane-se quem alimentou a ideia do Porto como nova centralidade do Noroeste peninsular. Todos os dias o Porto perde habitantes. Uns são expulsos para a periferia porque esta é mais barata; outros migram para Lisboa ou para o estrangeiro em busca de futuro. O Porto não consegue atrair nem gente, nem investimento, nem ideias. Tudo o que tem mudado na cidade se deve quase exclusivamente à iniciativa de privados e da Administração Central (voos low cost no Sá Carneiro, cruzeiros em Leixões, animação nocturna, Museu de Serralves, Casa da Música, Teatro Nacional de São João...). A cidade não tem projecto e vive à míngua de ideias. A identidade portuense/tripeira passa quase exclusivamente pela afirmação clubística. E isso não é mau, é péssimo.

Só Rui Rio não percebe que a cultura é um «sector muito dinâmico e empregador. Os dados estatísticos indicam que a área da cultura representa 2.6% do PIB europeu. A cultura é um sector capital para sair do contexto de crise e não pode ser vista apenas como uma despesa, mas sim como um investimento». A minha esperança é que Rui Rio aprenda com a vice-presidente do PSD, Nilza de Sena, e arrepie caminho.
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