nique sarkozy

Começou com a proibição da burka, medida com a qual recebeu a solidariedade da direita mais xenófoba à esquerda mais distraída. Agora vai tudo a eito e Sarkozy anunciou esta semana medidas de combate à criminalidade, que incluem a retirada da nacionalidade francesa a estrangeiros que atentem contra as autoridades. Para os menores que tenham cometido algum delito, a proposta é a recusa automática da nacionalidade assim que atingirem a idade adulta. Que o direito internacional não permita a existência de apátridas, isso é irrelevante para Sarkozy. Porque para este filho de imigrantes que não gosta de estrangeiros é necessário demonstrar que se merece a nacionalidade francesa.
A juntar a esta cruzada pela purificação da nacionalidade francesa, onde delinquência e imigração são palavras que se equivalem, chegam as políticas contra os ciganos e nómadas e a promessa de destruição, nos próximos três meses, de metade dos seus acampamentos e respectiva expulsão dos e das indesejáveis. Acontece que esmagadora maioria destes ciganos são franceses e a outra parte, os roms, são cidadãos comunitários. Mas isso também não interessa nada.
O que importa mesmo é desviar as atenções do escândalo Woerth/Bettencourt e da destruição dos serviços públicos e combater os maus resultados nas eleições regionais, preparando desde já as presidenciais de 2012. E para isso, a receita é simples, apesar de não ser original: medidas securitárias e alinhamento do discurso com a Frente Nacional.

Vê aqui o que não passa na TVI!


É desta! Eis o panfleto em que se informa, denuncia e procura mobilizar as pessoas para elas também mandarem uma carta à TVI por se recusar a passar uma cena de afectividade entre um casal de gays que tinha filmado.

Fica aqui a carta que várias associações (Amplos, ATTAC, Ilga Portugal, Não te prives, Panteras Rosas, PolyPortugal, PortugalGay, Rede Ex Aequo, Rede de Jovens para a Igualdade, UMAR) enviaram e que vocês também podem. Bora?

Carta Aberta
Ao Director-Geral e Administrador da TVI
Ao Director-Geral da Plural Portugal
À Administração da Média Capital

Assunto: Cancelamento, pela TVI, de uma cena de afectividade entre casal de namorados, na série "Morangos com Açúcar"

Exmo. Sr. Bernardo Bairrão,
Exmo. Sr. André Cerqueira
Exma. Sr.ª Ana Esteves,

Tomámos conhecimento, através de notícia publicada no Jornal de Notícias a 19 de Julho de 2010, da decisão de cancelar a emissão de uma cena de afectividade protagonizada por um casal de rapazes na série "Morangos com Açúcar". Segundo informa a mesma fonte, a cena, que inclui um beijo entre os dois rapazes, foi gravada pelos autores da série e rejeitada pela direcção de programas da TVI. Procuramos com a presente carta obter um esclarecimento quanto ao porquê desta decisão e alertar para o impacto extremamente negativo da mesma.

Entendemos não existir justificação para a não emissão de qualquer conteúdo que expresse a diversidade de afectos e relacionamentos que existem na sociedade, tendo em conta os critérios avaliados para o horário e público a que se destina a série, mas sempre com respeito pelo compromisso de igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa (Art. 13º), no Tratado da União Europeia (Art. 10º) e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Art. 21º), que no caso aqui apresentado se relaciona directamente com um tratamento desigual baseado na orientação sexual das personagens.

Qual é a gravidade desta infracção? Tratando-se de uma série de jovens para jovens, em emissão desde 2003, com um público substancial que encontra nela um retrato das vidas de sucesso, complicações, dramas e conquistas da juventude portuguesa, compreendemos ser importante que o desenvolver da série “Morangos com Açúcar” seja inclusivo e se estenda sem discriminações à realidade de jovens lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT) em Portugal.

A visibilidade positiva e a informação correcta sobre orientação sexual e identidade de género são aspectos cruciais na desmistificação destes assuntos, na educação de mentalidades e no desenvolver de uma personalidade e capacidades sãs entre jovens com uma orientação sexual minoritária, que, infelizmente, não contam ainda com modelos positivos no seu dia-a-dia devido à discriminação e ao preconceito.

A comunicação social e os média desempenham um papel importantíssimo nesta área, tendo o direito e o dever de retratar e noticiar, sem medo ou preconceito, mas com respeito e verosimilhança, as histórias desta camada da população, honrando e apoiando todos aqueles que ainda sofrem constantemente pelo preconceito direccionado pela sua orientação sexual ou identidade de género.

A omissão de personagens LGBT e de cenas que retratem o dia-a-dia destas pessoas, com dúvidas e receios tão legítimos quanto os de seus pares heterossexuais, e que fazem parte da vida de milhares de jovens no nosso país, é absolutamente preocupante, descaracteriza a série em relação à sociedade que pretende retratar e isola muitas crianças e adolescentes que encontram um sinal positivo na história das personagens Nuno e Fábio e na aparente legitimidade que a TVI confere à mesma, revelando-se afinal discriminatória e incapaz de respeitar as vivências destes jovens no seu todo.

Esta decisão reduz a existência e os sentimentos destes adolescentes e propicia a invisibilidade, veiculando a ideia de que são menos dignos que os seus pares heterossexuais, sentimentos e pensamentos que levam à instabilidade emocional e que poderão expressar-se no maior isolamento, insegurança, repressão, desrespeito próprio, auto-mutilação, tentativa e ideação de suicídio, como tem sido recentemente documentado.

Vivemos numa época em que estão reunidas todas as condições para o apoio e o respeito às pessoas LGBT, e estamos certos/as que a sociedade portuguesa está mais do que preparada para assistir às imagens desta história de amor, que afinal é igual a tantas outras. Pedimos que não deixem de participar e de contribuir de forma positiva para esta educação de mentalidades, repondo a cena cujo cancelamento representa uma infracção das normas nacionais e internacionais dos direitos humanos e um sinal triste de retrocesso civilizacional.

Melhores cumprimentos

Comigo não brincam

Ora vede lá se isto...



... não é igual a isto:

Bora lá dizer isto mais de-va-gar-inho ver se Ministério e IPS percebem: Homossexualidade não é sinónimo de comportamento de risco!



Na sequência desta notícia do JN de ontem, dizendo:

"O Ministério da Saúde não vai adoptar medidas contra a exclusão de homossexuais e bissexuais na doação de sangue, que constavam numa recomendação do Bloco de Esquerda, aprovada no Parlamento por várias bancadas, inclusive pelos deputados socialistas"

As organizações AMPLOS, ATTAC, Ilga Portugal, Médicos pela Escolha, Não te prives, Panteras Rosas, Poly Portugal, Portugal Gay, Rede Ex Aequo, SOS Racismo e UMAR , lançaram hoje um comunicado

Deixo aqui a parte final:

"Por que motivo(s)? Não percebemos nem aceitamos que tal volte a acontecer. Já são demasiados anos em volta deste folhetim interminável que só acentua o preconceito e a desigualdade em volta das pessoas LGBT. Não se pode, por um lado, aprovar medidas que visem a promoção da igualdade e, por outro, perpetuar uma discriminação sem qualquer fundamento que põe de lado milhares de potenciais dadores quando existe sempre necessidade de sangue. Os avanços e recuos verificados nesta matéria somente contribuem para o aumento do estigma em relação às pessoas homossexuais que em nada favorece uma sociedade que se quer livre, inclusiva e democrática.
Deverão ser os comportamentos de risco a determinar a exclusão da doação de sangue, sejam homens ou mulheres, homossexuais ou heterossexuais e não outro qualquer factor arbitrário e discriminatório que parte de pressupostos estereotipados.
A homossexualidade não é sinónimo de comportamentos de risco, tal como a heterossexualidade não é garantia da sua ausência! Quantas vezes teremos que o dizer?
Nem a ciência, nem as estatísticas, nem os princípios da não discriminação e da igualdade justificam tal comportamento por parte do Ministério da Saúde pelo que exigimos, por isso, a adopção urgente das medidas solicitadas na Resolução adoptada na AR".

Sarkosy: A guerra na ponta da língua

Interessante artigo do Le monde fazendo uma breve análise da retórica sarkosyana. Ele é a guerra à delinquência, ele é a guerra aos traficantes, ele é a guerra aos jovens desordeiros dos bairros sociais, ele até é a guerra ao absentismo escolar,e por aí em diante.
O artigo acaba dizendo:

"La France s'est engagée dans une guerre sans merci contre la criminalité (declarações de Sarkosy). Une guerre qui dure depuis huit ans, et ne semble pas terminée".

O problema

é que à Tina, espera-lhe uma relação estável com pancada de meia-noite todos os dias.

Porreirismo e educação sexual

A amiga Andrea Peniche enviou-me há dias dois ou três exercícios de educação sexual, para o 1º ciclo, prescritos num manual patrocinado pela sagrada Associação de Planeamento Familiar. Entre outras coisas, consistiam, em sala de aula, na exposição dos corpos das crianças às mãozinhas dos colegas e no convite ao débito de sinónimos ordinários comummente atribuídos ao pénis e à vagina. Ora vede*:

Algumas notas:

1. O ensino da saúde sexual e reprodutiva é da máxima urgência na escola pública. Saúde sexual e reprodutiva não é sexualidade. Abordar, discutir e desconstruir o fenómeno sexual nas sociedades contemporâneas não é ensinar os meninos a pinar nem, por Deus, descomplexá-los.

2. A sexualidade é uma dimensão importante não apenas da vida social como da vida íntima e privada dos cidadãos. O facto de ser íntima e privada não significa que não seja política e não produza ou reproduza relações de poder. O facto de ser política e produzir ou reproduzir relações de poder não significa que deixe de ser íntima e privada. A escola pública não ensina nem certifica correcção ou competência sexual.

3. Estes joguinhos são graves, invasivos e perigosos. Não será preciso evocar Norbert Elias para se compreender a complexidade e ambivalência do estatuto do corpo na construção identitária. As crianças não se vêem? As crianças não se tocam? Sim e sim. Mas não é preciso enfiar um voluntário no meio da sala a bater uma para saber se já se vem (em que idade nos vimos, professora?) e desfazer o tabu da masturbação.

4. Trazer o calão para a sala de aula é admissível em dois contextos: na linguística e na poesia. Não é o caso. Cona e piça diz-se - e muito bem -, mas é lá fora.

5. A nossa sorte é que o Abominável César das Neves é grotesco e anedótico. É muito mais simples bater na ideia peregrina - mas muito bem imaginada - da ortodoxia do erotismo do que olhar criticamente para o que se faz na tecnocracia sexual da esquerda moderna. Custa sair do rebanho, não é?

*Os comentários esferografados são de autoria, naturalmente, suspeita. Mas a letra é de merceeiro.

A implosão da escola

Para combater a "insustentabilidade" do país, o PS e a Direita resolvem acabar com o país. Para combater as falhas no sistema de ensino, o PS e a Direita resolvem mandar às favas os mecanismos que poderiam ajudar a que se cumprissem os seus objectivos.

Castigar alunos com comportamentos ilegais é um imperativo na mesmíssima medida em que o é castigar qualquer cidadão com comportamentos ilegais. Mas chumbar alunos automaticamente por estes ultrapassarem um número limite de faltas é não perceber o papel que as escolas devem desempenhar nas sociedades democráticas. E o mesmo se aplica à criação de quadros de honra, à responsabilização dos pais pela sua ausência da escola quando a ela são convocados e à facilitação das retenções. Isto vinga e acalma os espíritos dos esforçados? Certamente. Mas parece-me que a escola, nas sociedades democráticas, deve reger-se por objectivos um pouco menos cínicos.

A polícia não tem meios para apanhar todos os criminosos? Podíamos passar a ter polícia sem a competência de apanhar criminosos. A tesouraria pública não consegue combater a fraude fiscal? E se lhe retirássemos as competências de cobrança de impostos? E por aí fora...

A apoteose

Segundo uma peça do telejornal da SIC, Cavaco Silva foi recebido em apoteose no sul de Angola. A apoteose retratada nas imagens fugidias deste canal consistia em grupos de crianças em idade escolar a saudar a comitiva que passava ou a cantar algo ensaiado. Talvez apoteose seja o nome de um feriado escolar ou de vícios de um poder político a lembrar outros tempos e manipulando crianças para cantar hinos a líderes políticos que desconhecem. Ou então terá sido esta reportagem que foi a apoteose de um jornalismo acrítico perante o poder político.

Paulo Portas Soma/Subtrai e segue...

Impressionante como até num assunto como o Estatuto do Aluno, o PS faz aliança com o CDS/PP....E agora é aturar o Paulo Portas ...E aqui não estava em causa mais ou menos dinheiro, era acima de tudo: uma visão da escola, uma visão da comunidade escolar e da forma como ela pode ser potenciada ou não, abordagens ao absentismo, à indisciplina, ou à violência, mais "repressiva(s)" ou mais "preventiva(s)" (sendo que uma não exclui obrigatoriamente a outra, a diferença está na proporção que cada uma das vertentes tem e da tónica que lhes dás). E não me venham com histórias . Conheço as propostas do PCP e do BE e as de parte da sociedade civil e era muito possível conseguir chegar-se a um consenso à esquerda, assim o quisessem...

I know you are but what am I?



Paul Reubens, protagonista da série Pee-wee Herman Show, foi detido em 1991 por ter sido encontrado num cinema “para adultos” em onanismos pouco aceites por espectadores de filmes infantis. Depois de um período de rectificação forçada, em 2002 volta a ser notícia por terem encontrado em sua casa um sortido de material pornográfico. Na altura foi até acusado de pedofilia e passou mais uns anos a justificar o conteúdo da iconografia: era arte pela arte, não havia menores (nem mesmo daqueles que parecem muito maiores) e no fundo, era só pornografia! Reubens negou sempre ser pedófilo e veio-se a confirmar que também não era abusador sexual de menores. Mas a sua maior aventura foi explicar que a forma como ele aproveitava o tempo livre nada tinha a ver com a sua profissão.
E se Pee-wee fosse pedófilo? É natural que quem fantasie ou sinta uma atracção sexual por crianças tenda a procurar empregos em que está mais próximo destas. Mas ser pedófilo é diferente de ser abusador sexual infantil e pode-se ser pedófilo toda a vida sem tocar num cabelinho de um menor (ou seja: praticar actos sexuais com menores, actuar sobre estes por meio de conversa, escrita, espectáculo ou objecto pornográfico). O contrário é igualmente verdade.
Vem isto a propósito dos jogadores da selecção francesa e da confusão que praí vai. Ora neste caso, nem pedófilos nem proxenetas: solicitadores de cuidados (ainda que de legalidade duvidosa).

Só um pequenino apontamento a propósito da revisão constitucional


Um Estado que não garante serviços públicos de Saúde e de Educação não é um Estado, é um condomínio. Sugiro, portanto que o PSD proponha mais algumas alterações à CRP passando o Primeiro Ministro a designar-se Administrador de Condomínio, passando a AR a chamar-se Assembleia de Condóminos, e por aí em diante.

Quem disse que os gays são maricas?


paladinos da palermice

João César das Neves (JCN) é conhecido pelas suas posições acaloradas em defesa do obscurantismo. Ultimamente, tem-se dedicado, entre outras palermices, a atacar a educação sexual nas escolas erigindo como alvo preferencial a Associação para o Planeamento da Família (APF).

Quem visitar o sítio da Plataforma Resistência Nacional, cujo nome é já um bom indício dos tesourinhos deprimentes que por lá se podem encontrar, verificará que obscurantista é uma formulação simpática quando aplicada a esta gente.

Entregaram no passado dia 11 de Junho uma carta à Ministra da Educação em que não só contestam a existência de educação sexual nas escolas como também os materiais de suporte, produzidos pela APF, que estariam a ser usados e que acusam de promover «atentados ao pudor e à intimidade», apelando igualmente à «suspensão imediata do programa de educação sexual nos estabelecimentos de ensino em Portugal até que a objecção de consciência e liberdade de educação dos pais e professores seja salvaguardada». Naturalmente que a «crise» também foi invocada como razão suficiente para suspender a educação sexual.

Acontece que a APF, nesta como em muitas outras questões, é pioneira em Portugal, desenvolvendo actividade no âmbito da educação sexual desde 1984, em todas as regiões do país. Foi, por exemplo, numa consulta de planeamento familiar para jovens, orientada pela Gabriela Moita, que eu aprendi parte do que sei: aprendi como se faz contracepção, como se previnem doenças sexualmente transmissíveis, que a sexualidade é um direito que deve ser vivido sem medos nem constrangimentos. Aprendi a ser dona do meu corpo.

Os famosos kits que têm despoletado o alarme de muita gente decente, como diz JCN, foram avaliados em 2007 por um grupo de especialistas, coordenado pelo Professor Daniel Sampaio, e tiverem a classificação de «excelente», e estão agora a ser objecto de um outro processo de avaliação junto dos/as seus/suas utilizadores/as. Nos materiais de suporte está expresso que se considera inadequado e incorrecto as práticas profissionais que incentivem qualquer prática sexual, assim como é promovida uma atitude pedagógica de fomento do debate entre diferentes posições e valores, e criticadas as atitudes de proselitismo ou manipulação moral em matérias e temas não consensuais.


O lado desta «gente decente» é o da ignorância e dos comportamentos de risco; é a recusa de admitirem a sexualidade como uma dimensão da vida humana e o direito dos e das jovens à informação; é aquele que propõe que o confessionalismo, a uniformização e o moralismo sejam valores da escola pública. E, por isso, a sua táctica é esta: atacar a lei da educação sexual em contexto escolar através da APF, destruir e menorizar os avanços já conseguidos, amedrontar e confundir as famílias, as escolas e os/as profissionais envolvidos/as.

[A imagem é de Barbara Kruger]

Corrida (com o ) CDS-PP


(Bem) Vista pela ANIMAL

Imagem do Público

Nota: O CDS-PP é contra a violência na televisão, por isso certamente que a "corrida" não será transmitida em nenhum canal televisivo.

Era isto, desculpem a diarreia mental mas é por "justa causa"

Ora, tava aqui a pensar escrever qualquer coisa sobre os possíveis efeitos das propostas do PSD para a revisão constitucional e descubro a "notícia" em baixo através de um post da Shyznogoud (do Jugular) no facebook. Pareceu-me um bom mote para a minha tentativa de post.
Um dos papelinhos que um dos membros da direcção de Passos Coelho tirou do saquinho de "sorteio de ideias para reformar a constituição" trazia uma proposta laboral complexa: alterar o conceito de "despedimento sem justa causa" pelo de "despedimento por you're fired".
Na sala, a ideia não foi consensual mas ninguém se acusou e as "ideias" tinham sido colocadas no saquinho "anonimamente", justamente para não se saber quem as teve.
Marco António ainda disse «isto deve ser a gozar». Relvas corou um pouquito, mas Passos Coelho não teve dúvidas: «Se estava no saquinho, estava no saquinho, vamos propor! Próximo... Miguel Macedo, tira dois papelinhos e abre...».
«Então, vamos lá ver... neste tenho "passar a Saúde para tendencialmente paga" e "aprender com aquilo do Santana e permitir que o presidente corra só com o primeiro-ministro e deixe o Parlamento em paz"», leu Miguel Macedo, enquanto Passos Coelho apontava.
E assim continuou a reunião até altas horas da tarde, sendo apenas interrompida para um pequeno lanche e meia-hora de Play Station. «Nem mais um minuto!», gritou o busto de Sá Carneiro.
Feita à piada que pode dar para rir como para gritar, só queria mesmo dizer, para além do óbvio para alguém de Esquerda - que estas propostas são um claro ataque ao Estado social, um retrocesso que não pode acontecer, etc, etc - que, ainda assim, gabo a "coragem" (ou não) a Pedro Passos Coelho que contribui assim inegávelmente para marcar uma clara divisória entre a Esquerda e a Direita. Sim, porque apesar de, cada vez mais aliás (dada a retórica e prática dos partidos do arco do poder), não parecer, continuam a existir claras diferenças entre a Esquerda e a Direita de um ponto de vista ideológico, e convém não esquecê-las . Custa ouvir estas "propostas" e tem inegáveis perigos mas, ainda assim, esta clarificação na retórica não deixa, no meu ponto de vista, de ser "saúdavel" para o debate ideológico e democrático. Que a direita se assuma, ela, as suas posições e a sua ideologia neoliberal (Só é pena o PS não fazer o mesmo: assumir-se na retórica e na Prática, em todas as áreas, como de Esquerda:) Tenho é algumas dúvidas que elas sejam partilhadas por todos/as os/as militantes e se calhar até por alguns/mas dirigentes do PSD mas enfim..
Agora, dito isto também, parece-me que os/as opinion makers - analistas políticos/as , na linha das sondagens aliás, estão muito confiantes numa clara vitória do PSD mal haja eleições, eleições que já nos disseram vezes sem conta que iam acontecer em breve. Fala-se até de maioria absoluta. Não sei... não me parece assim tão linear e "tão fácil" e estas performances de Passos Coelho tendem a reforçar a minha ideia.
Se, por um lado, acho que o Passos Coelho não deixa de ter alguma coragem ao repetir vezes sem conta (demasiado?) as suas propostas, também acho que ele está a surfar demasiado na onda, que é como quem diz "tá armado em campeão antes do tempo", confiando em demasia que este é o momento para se afirmar e assumir posições "mais difíceis" que o demarquem do PS, quando está também a dar uma oportunidade de ouro ao PS para renascer, unir as tropas, afirmar-se como o guardião do Estado social. O Governo está a ver-se à rasca para se aguentar, perdeu referências, os/as ministros/as andam à deriva; as sondagens correm-lhe (a Passos) de feição, os ventos europeus sopram como se a causa da Crise que vivemos não fosse precisamente um feito da ideologia do" Mercado e o lucro é que são", está à frente de um partido desejérrimo, depois do compasso da Manuela, por se afirmar e andar por aí de peito inchado e já com drafts feitos sobre quem ocupará que lugar no próximo governo. Certo.
Certo...mas este senhor a ir a eleições não irá assim "tão depressa", ainda faltará, pelo menos, quase um ano. E aqui, diga-se, não estou nada certa, como muitos/as estão, que serão convocadas eleições antecipadas, ou, a sê-lo, não tão depressa, como muitos/as pelos vistos/as julgam, mas ok. Se o orçamento passar, que o governo se conseguir aguentar e que a crise financeira e económica não chegar a um ponto de não retorno, dúvido que Cavaco, e menos ainda Alegre, as convoque tão rapidamente. Se o orçamento não passar, haverá eleições antecipadas na certa, mas será porque o PSD não quis aprovar o orçamento e aí o PS explorará até ao tutano que a crise deve-se ao PSD.
Por outro lado, num ano (ou mais) passa-se muita coisa, e não é dito que o Governo/Ps não consiga , como já o fez, passar por mais uma crise sem comprometer por completo as suas hipóteses de ganhar.
Por várias razões: porque daqui até lá os indicadores económicos (não estou muito bem a ver como, é certo, mas ...) podem melhorar; porque a memória é curta; porque a nossa capacidade colectiva de apertar o cinto sem nos passarmos de vez é muita; porque lá para o fim do ano, inícios do próximo, o Governo vai adoptar medidas "mais populares"; porque possívelmente haverá uma remodelação governamental, porque o Sócrates tem várias vidas e consta que ainda não gastou as suas 7; porque se o Socrates está muito desgastado, e ele no fundo, no fundo, sabe, hão de encontrar no PS, no momento em que Socrates terá que sair de cena, quem possa e queira pegar no partido, dando-lhe um "novo ar" e Porque - e é aí que acho que estas propostas de Passos Coelho acabam por favorecer o PS - o PS voltará a poder adoptar, ainda com mais veemência, o discurso do voto útil, "da Esquerda possível, necessária e desejável somos nós", e de "se a direita for para o poder vai acabar com tudo o que é Direito, vai ser tudo privatizado, etc" (e de facto será por aí sim....sendo que o PS já terá dado uma "ajudinha").
Não sou nenhuma "analista política", contrariamente a cada vez mais pessoas aliás, mas as análises que tenho ouvido - lineares e quase deterministas no que nos espera nos próximos meses/tempos - não me parecem, na minha modesta opinião, assim tão lineares. Se por um lado, não tenho grandes dúvidas perante o facto do PSD de Passos Coelho ir chegar mais tarde ou mais cedo ao poder também não sei se será assim tão depressa ou, pelo menos (isto já para me resguardar da chuva de críticas que desconfio que esta minha pseudo análise terá) com a razia e o prenúncio de morte por bons e longos anos que tantos/as dizem que o PS terá.
A ver vamos.

Há mais vida para além da burka

Num corpo velado pelas suas raízes culturais, Ghazel joga squash, boxe, anda de bicicleta, skate, ballet, tudo o que uma mulher ocidental (e hiperactiva) faz. As exposições de artistas muçulmanas são uma forma de afirmação e projecção da sua realidade. A burka simboliza a sua identidade e usam-na para simultaneamente a afirmar, criticar e desconstruir. E se lhe tirássemos a burka? Como disse a Andrea “o uso da burka carrega em si todo um historial de opressão e (...) é uma manifestação clara da subordinação das mulheres“ mas não é erradicando por decreto a burka, o nikab, o sari (ou a écharpe) que contribuímos para a sua emancipação. Um corpo, mesmo que condicionado sob um retalho de tecido e uma cultura opressiva, nunca é um corpo passivo e por isso, sou pela utilização sem restrições de todos os tipos de indumentárias desde fardas dos escuteiros, hábitos de freira, togas de magistrados e até gabardinas de exibicionistas (estas, de preferência num espaço o mais informal possível).

Se a arrogância e a estupidez pagassem imposto...

Quando eu pensava que nenhuma declaração deste senhor - de seu nome João César das Neves - me poderia supreender (e arrepiar) eis que leio isto...


Também tem de saber que, neste confronto, a APF se situa num dos extremos da polémica. A auto--erigida guardiã nacional da ortodoxia erótica é considerada por muitos como um talibã radical e militante

não acredito na bondade de sarkozy

A discussão que a Magda e o Diogo aqui lançaram é importante e interessante. Decidi intervir nela através de um post e não de um comentário porque queria fazer uso desta imagem.

Tendo a pensar que a questão não sendo simples não deve, contudo, ser complexificada até à exaustão sob pena de não nos centramos no que me parece ser essencial: o resultado prático da aplicação desta lei. E por isso, sem querer desmerecer toda a reflexão que já foi sendo produzida sobre o assunto, tendo a ser essencialmente pragmática.

Concordo que o uso da burka carrega em si todo um historial de opressão e que é uma manifestação clara da subordinação das mulheres. Abomino e combato todas as culturas e práticas sociais que se alicerçam na opressão, mas acho que não é isto que a lei de Sarkozy pretende combater e muito menos acredito que os seus efeitos práticos sejam esses.
Defendo que o Direito deve ter um papel emancipatório e mesmo vanguardista nas sociedades. Mas as leis não são apenas enunciados escritos, elas alteram quotidianos. E, nesse sentido, a discussão abstracta não me basta. Preciso de antecipar os efeitos dos enunciados legislativos para tentar perceber se à justeza teórica corresponderá mais justiça nos modos de vida. E, evidentemente, não me parece que a legislação deva ser feita para que se possam produzir barómetros emancipatórios: a minha legislação é mais à frente do que a tua!
As leis alteram a vida concreta das pessoas e são essas transformações que, creio, devem ser ponderadas e antecipadas. E é pelos efeitos práticos que me parece que esta legislação vai produzir na vida das raparigas muçulmanas que não posso defendê-la. Com isto quero dizer que não reconheço esta lei com surgindo de uma demanda laica nem tão pouco feminista. Se assim fosse, outras indumentárias haveria que proibir. Esta lei surge, em meu entender, porque Sarkozy quer mostrar quem manda e fá-lo através do ponto mais fraco da comunidade integrista que, além do mais, é passível de despertar as solidariedades mais inesperadas. O problema é que esta é uma medida avulsa, que não está integrada em nenhum plano de intervenção e empoderamento destas raparigas. Tem, tão-só, o objectivo de mostrar quem manda e de afirmar a superioridade da cultura de acolhimento, não assentando em nenhuma espécie de protecção das raparigas e das mulheres, pretendendo apenas incendiar uma comunidade sem medir os riscos. E eu acho que o efeito é exactamente o contrário do problema que a lei diz pretender combater.
Creio que o Estado, ao arrepio da comunidade integrista muçulmana que obriga as raparigas e as mulheres a usarem burka, deve proteger (e promover) todas aquelas que decidam romper com essa tradição. E deve protegê-las de várias formas: com políticas dirigidas a essas mulheres, que as capacitem económica, social e culturalmente na eventualidade de elas quererem romper com a tradição da comunidade em que estão integradas. E isso, do meu ponto de vista, consegue-se com educação. Proibi-las de frequentar a escola se usarem burka é comprometer o seu futuro; achar que as comunidades muçulmanas integristas se deixarão convencer com esta chantagem é, em meu entender, ingenuidade.

O que o Estado deve procurar garantir, de todas as formas possíveis, é que não haja abandono escolar, nem destas raparigas nem de ninguém.

Creio que a escola é precisamente o meio que estas raparigas têm de se libertar de uma tradição que as oprime e, mais do que isso, as atomiza. Não acho que seja solução a troca de roupa à entrada e à saída da escola. Primeiro, porque é esquizofrénico; segundo, porque não acredito que nenhum integrista vá nessa conversa e, por isso, o resultado mais previsível é o abandono escolar. E o pior que pode acontecer a estas raparigas é serem privadas dos meios que lhes podem permitir romper com a sua comunidade de origem se assim o entenderem. Sem escolaridade ficarão irremediavelmente à mercê da tradição e jamais terão condições de emancipação.

Dir-me-ão: isso é um processo demasiado longo e sem garantias de sucesso. De acordo. No entanto, eu não tenho coelhos brancos na cartola. Tirem-nos as muçulmanas que eu estarei solidária. Nos coelhos de Sarkozy é que, definitivamente, não acredito.

A escolha desta imagem pretende apenas mostrar que as indumentárias ligadas a confissões religiosas são comuns. Eu sei que ser freira é uma escolha e que usar burka não é (ou, pelo menos, é uma escolha bastante mais condicionada). Mas o catolicismo também carrega em si toda uma narrativa que afirma a inferioridade das mulheres. No entanto, é impensável proibir uma freira (ou noviça) de frequentar a escola ou espaços públicos se usar hábito, mas não é impensável fazê-lo a uma rapariga que usa burka. Tudo isto para dizer que não acredito na ingenuidade e na bondade de Sarkozy e muito menos no seu comprometimento com a emancipação das raparigas muçulmanas.

O véu, a burka, a lei e a liberdade

Confesso que, como a Magda (e talvez mais do que ela), também não tenho uma posição definida nem clareza suficiente em relação ao assunto, ainda que me incline para uma posição contrária à que ela expressou. Isso acontece por causa de um factor que a Magda não abordou no post dela. Diz a Magda que "não cabe ao Estado procurar combater fundamentalismos ou supostos sinais disso mesmo com outros fundamentalismos, com a privação das liberdades individuais" e é precisamente aí que a coisa complica. É que cabe, de facto, ao Estado combater fundamentalismos ainda que com medidas que possam, à partida, parecer privações de liberdades individuais.

Há um conjunto de valores civilizacionais que cabe ao Estado defender. Isso acontece quando, por exemplo, determinada prática é considerada crime público, ou seja, quando determinada prática é condenada apesar da vontade da vítima. Isso acontece, habitualmente, em casos em que a vítima é sistematicamente parte dominada numa relação de poder bastante assimétrica. A violência doméstica, uma vez que foi e é muitas vezes encarada como compreensível e aceitável pelas vítimas servirá aqui de bom exemplo para estabelecer um paralelismo. A condenação deste comportamento não é vista como privação de liberdade mas, antes, como garantia dela. No caso dos véus, parece-me que a situação é semelhante e a proibição de uma prática circunscrita àquela herança cultural talvez se afigure como um imperativo em sociedades democráticas. Não como forma de "controlar" invasões civilizacionais apocalípticas mas como forma de garantir a todos, independentemente das suas heranças e/ou referencias culturais, os mesmíssimos direitos. Ou, como disse o nosso colega Tiago Ribeiro num outro espaço, "em contextos desiguais, a lei liberta e a liberdade oprime". E agora pode vir ele insultar-me e dizer que não percebi patavina do que disse.

Imagem roubada daqui.

Eh pá, essa até o Valter Lemos sabia!


"Não sei se um emprego temporário é precário."
Helena André, ministra do Trabalho e da Solidariedade Social,
entrevistada hoje no "Diário de Notícias".

Leitura(s) sobre a proibição do veu e da burka

Só agora li este post da Mariana Canotilho e para além de o achar particularmente interessante, tendo a concordar na íntegra com ele. Confesso, contudo, que há alturas em que tive mais certezas do que outras.
Aquando a discussão em França sobre a proibição do uso individual - de forma "ostentatória" - de símbolos religiosos - basicamente, o que se queria proibir era o veú islâmico - fiquei profundamente irritada com esta intromissão do Estado na liberdade religiosa, de culto e/ou cultural de cada um/a. Por muito que isso nos possa por vezes custar, não cabe ao Estado procurar combater fundamentalismos ou supostos sinais disso mesmo com outros fundamentalismos, com a privação das liberdades individuais, até porque isso tende a ter efeitos contrários e a reforçá-los.
Não, não gosto, faz me tremenda confusão, até provoca repulsa ver mulheres cobertas até aos pés, porque o entendo como um sinal da submissão da mulher, como uma demonstração cabal das sociedades patriarcais em que vivemos nas quais as mulheres são oprimidas, menorizadas, remetidas para determinadas esferas e papeís profundamente desiguais, injustos, contraproducentes, imbecís. Mas, na verdade, quem me diz que por vezes o uso dessas vestimentas não é fruto de uma efectiva escolha individual? Ouvi e vi alguns exemplos disso mesmo em França, em que jovens mulheres afirmavam que o uso do véu era a sua escolha, não lhe tinha sido imposto, apenas elas queriam usá-lo por se considerarem mais protegidas, porque gostavam de o usar, porque sim. Dir-me-ão, claro, que elas foram educadas e socializadas para pensarem e dizer isso mesmo, ou seja algo que elas julgam que escolheram foi-lhes na realidade imposto pelo sistema e pela cultura dominante que as quer subjugar. Pois, é bem capaz, muito provável, quase certo, sim. Mas 1º: não posso do alto dos meus valores e principios afirmar cabalmente isso mesmo e 2º, acima de tudo, não acho que a solução passe, como o diz muito bem a Mariana, pela sua proibição pelo Estado*, também pelos motivos que já expliquei. Por uma questão de princípio: não quero que o meu, o nosso Estado, use meios que atentam contra as liberdades, por muito que o fim em si "até possa ser bom", porque se entra então num terreno perigoso e muito subjectivo de saber quando ou não o Estado pode ser atentatório de direitos fundamentais. Tanto mais quando essa imposição do Estado condiciona o direito à educação das pessoas, porque o que também estava em causa e vingou em França é a não aceitação e possibilidade de expulsão das jovens raparigas que usem o véu na escola. Houve jovens que foram intimidadas, expulsas. Resultado: foram postas em escolas integristas. Na altura pensei eu, "quer dizer! para além de subjugar as liberdades individuais ainda condiciona o direito à educação quando a frequência de escolas públicas poderia precisamente contribuir para que estas jovens possam emancipar-se".
Mas alguns/mas amigos/as meus/ minhas e reportagens televisivas também me mostraram outro lado, e fizeram com que ficasse na dúvida: o facto de jovens a quem era imposto o veú puderem, com esta lei, ganhar um espaço de libertação - no seio da escola - desse símbolo que lhes era imposto e as condicionava enquanto mulheres, na sua aprendizagem, nas relações que estabeleciam com os/as outros/as na escola e na forma como os/as outros/as olhavam para elas. O facto de jovens que não usassem o veu antes da lei serem discriminadas por jovens rapazes muçulmanos, agredidas verbalmente e por vezes mais, por não o usar. Alguns/mas amigos/as meus/minhas, vivendo nomeadamente na região parisiense, confirmaram-me isso mesmo: jovens mulheres que não o usassem eram tratadas como "merda" pelos "seus pares" masculinos, olhadas de lado pelas suas colegas que o usavam, postas em causa, chegando até por vezes à violência. O facto desta lei proibí-lo impedia portanto essa distinção entre as que usam e as que não usam e facilitava a sua integração com todos/as.
Foi aquando o debate em frança, que acompanhei de longe e já por estas bandas, que procurei formar a minha opinião sobre este(s) assunto(s). À partida posiconei-me logo contra este tipo de leis. Confrontada com visões contrárias, e com argumentos como os referidos em cima, fiquei na dúvida , li vários textos sobre o tema ilustrativos das 2 posições e o dilema perante este assunto, nomeadamente enquanto feminista, nunca ficou completamente resolvido, devo assumi-lo.
Ainda assim, leituras como este post da Mariana reforçam a minha posição inicial e a que continuo a manter. Recomendo, portanto, a sua leitura :)
*Adenda: não o disse no post porque uma das mais valias do Post da Mariana é precisamente de o dizer, mas mediante comentários a este post no facebook, fica a nota: É claro que a emancipação das mulheres passa antes e sobretudo - e isso vários/as dos/as decisores/as políticos/as agora preocupados/as com as condições de vida das mulheres tendem, na altura de fazer propostas ou de votar leis, a esquecer-se - por uma justa (re)distribuição da riqueza e dos recursos, pelo trabalho digno, um emprego com direitos, pelo fim da discriminação salarial das mulheres, por assegurar para todos/as o direito à educação, uma educação livre de preconceitos etc, ou seja, pelo assegurar e reforçar dos direitos económicos e sociais das mulheres (e dos homens) na lei e nas práticas, e acabar com os estereótipos de género.

Há petróleo em Lockerbie!

confronto

19 de Julho, segunda-feira, 21h30, Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, Porto.
Apresentam o livro: Joana Lopes e José Carlos Marques.

«(...) Mas o que é de certo modo estranho é que hoje, algumas décadas mais tarde, grande parte do que aconteceu esteja ainda por contar, por descrever, por estudar. Se muitos académicos – "historiadores de plantão", como lhes chama Mário Brochado Coelho – se têm ocupado das instituições mais importantes e mais estruturadas da época – os partidos –, poucos dão importância à teia formada por uma miríade de outras organizações, cuja acção foi absolutamente decisiva no alargamento da base de oposição ao salazarismo e ao marcelismo e, até, à consciencialização dos militares que acabaram por assinar a revolução. Falhando os historiadores, sobra a tarefa para os memorialistas, ou seja para quem viveu os acontecimentos e não se resigna a que não fiquem registados para as gerações futuras – com o rigor e a isenção de que são capazes, sem concessões a pressões académicas, editoriais ou outras.
Chego assim à Confronto e a este livro que é um resultado notável de um esforço que se adivinha ter sido hercúleo: a recolha sistemática de documentos e de testemunhos, que permitiu a reconstituição, detalhadíssima, da vida de uma instituição fulcral durante os seus seis anos da sua existência. Ficará para a posteridade um documento completo, porque o autor não se limitou a ser memorialista: tornou-se historiador "à força". Não é o primeiro – nem será o último – a quem isso acontece».
Joana Lopes, do Prefácio

Arte e Salvação II - Requiem


Quando visitou Auschwitz-Birkenau, Filipe Marques pôde vislumbrar - como quem persegue a ponta de um fio de cabelo numa longa trança escura - o emaranhado de relações que puderam suportar o extravagante edifício social-socialista. Daí resultou "Requiem for a young painter" (2000), instalação (clarividente?) baseada em retratos que retoma as ligações do III Reich com a religião católica.
Em exposição no Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, desde Maio, "Requiem" deveria permanecer aberta ao público até 31 de Julho. No entanto, foi compulsivamente encerrada na semana passada, pela mesma direcção que convidou o artista a expor, por alegadamente ferir a susceptibilidade das e dos visitantes.

Como lembrar? Como esquecer ainda? Como reconhecer nos matizes da arte a implicação antropológica, política, filosófica, quando a censura continua a cultivar-nos mornos e mansos?

Portugueses Vs. Ciganos





Costumo fazer, em algumas das minhas aulas, um exercício em que peço aos alunos que me indiquem as principais características da identidade portuguesa e, a seguir, lhes peço que me indiquem as principais características da identidade cigana. O resultado é sempre o mesmo, duas listas sem um único ponto de convergência. Uma lista repleta de características socialmente valorizadas (corajosos, acolhedores, boa gastronomia) ou apenas chatas (pessimistas, proteladores) e uma outra lista recheada de características negativas (sujos, criminosos, violentos, preguiçosos, marginais, incultos...). É claro que, quando lhes chamo a atenção para este facto, apressam-se a dizer que não são nada racistas e que até conhecem alguns ciganos que são boa gente.

Não me interessa aqui verificar se estas características são ou não comuns a todos os ciganos mas, antes, sublinhar a forma como vêem portugueses e ciganos como dois grupos absolutamente distintos mesmo que todas as suas concepções da identidade cigana sejam construídas a partir do conhecimento que têm das práticas de ciganos que são portugueses.

Esta notícia, que publicita uma denúncia pública de uma acção do poder político que é considerada injusta fornece-nos, no entanto, uma fonte de informação muito mais rica: a sua caixa de comentários. Muitos dos leitores que comentaram a notícia, expressaram o seu desejo para que "vão para a terra deles". Talvez não seja má ideia chamar a atenção desta gente para o facto de eles já estarem na terra deles e de que a forma como se defende que se "eles" se devem "adaptar à nossa cultura, costumes e tradições" não é mais do que racismo. E não deixa de o ser mesmo que cada uma destas pessoas "até tenha um amigo que é cigano" ou "nem tenha problemas em ir comprar à feira".

Os peritos não se enganam



A Andrea Peniche já se dedicou aqui a aplicar a devida sova verbal mas, como ainda esperneia, não resisto a dar o meu pontapezinho no estômago. Luís Graça, director do serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, vai no mesmo sentido e, comparando a IVG a uma operação ao apêndice, diz que tal como esta, aquela também deveria ser paga. Mas será que a operação ao apêndice também deveria ser sujeita ao pagamento de taxas moderadoras? E porquê fircarmo-nos por aí? Porque não criminalizar as segundas e posteriores IVGs?

Os números são ridículos e mostram bem o tipo de raciocínio no qual assenta esta posição: apenas 1,8% das IVGs são feitas por mulheres que já o tinham feito anteriormente. Isto é, não estamos perante peritos com informações privilegiadas nas quais sustentam as suas posições (como falarei adiante), mas perante pessoas que têm uma posição de fundo contra a prática da IVG. É que, seguindo esta linha de raciocínio, as alterações na lei que despenalizaram a IVG não constituem um movimento de aceitação desta prática como justa mas, ao invés, a implementação de uma tolerância. Estes senhores toleram a IVG, mas sem abusos! Não estamos, portanto, perante a consagração de um direito (não faria sentido, por exemplo, que se defendesse que os cidadãos tivessem direito a um julgamento justo mas só num primeiro caso, porque se fossem repetentes já estariam a abusar), mas perante um favorzinho que se faz a quem quer interromper a sua gravidez.

Quer isto dizer que estamos perante pessoas que, não tendo capacidade de fazer retroceder as recentes alterações legislativas, querem, pelo menos, que as sanções sociais continuem a ser pesadas para quem aborta. Gente que encara estas mulheres como devedoras de um favor e que se irritam quando elas "nem se dão ao trabalho de comparecer à consulta".


"Especialistas defendem que está na altura de fazer balanço e de rever a lei do aborto".

Quando se fala nas questões relacionadas com a prática da IVG, confrontam-se, essencialmente, concepções diferentes de justeza que fazem parte das concepções mais gerais de justiça de cada um. São essas concepções que nos permitem formular juízos, traçar limites que separem as práticas justas das práticas injustas. Por outro lado, estas concepções são construídas através de juízos morais, ideológicos e/ou políticos constituindo portanto um sistema referencial bastante sólido. Não são, portanto, baseadas nas fluídas estatísticas nem num saber técnico aprofundado.

Ora, é precisamente esse tipo de saber que faz um especialista. Um especialista, ainda que dotado de um conjunto de conhecimentos que lhe permita apetrechar as suas posições não está, portanto, numa posição privilegiada para emitir juízos mais válidos do que os demais. O problema é que estes especialistas (como, aliás, o Cavaco tem feito a propósito do Euro) servem-se do seu estatuto para imprimir mais legitimidade às suas concepções de justiça. Mas, poder-me-ão dizer que um conselho de ética servirá precisamente para emitir opiniões desse tipo. Talvez mas parece-me que faria mais sentido a existência de um observatório que monitorizasse as medidas e que se deixassem de formulações de juízos mais-legítimos-do-que-os-teus.

crime e castigo

Estava-se mesmo a ver no que ia dar a vergonhosa entrevista do actual presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Miguel Oliveira da Silva (MOS), médico pretensamente pró-escolha, mas que é objector de consciência no hospital onde trabalha. Sobre essa entrevista falei há uns dias atrás aqui.

De repente, o policiamento do útero das mulheres volta a estar na ordem do dia. De repente, o discurso médico, dos especialistas, pretende voltar a constituir-se como legitimador e a suplantar o discurso dos direitos e da cidadania. De repente, as mulheres voltam a ser remetidas para o silêncio, para que se escute a voz deles, todos muito especialistas mas incapazes de contar na primeira pessoa a experiência de uma gravidez não desejada. De repente, as Isildas e os Isildos Pegados deste país voltam a ter a oportunidade de se imiscuir na vida das mulheres.

Por tudo isto, o meu agradecimento a MOS pelo facto de ter contribuído para que o discurso que pretende recolocar a apreciação do comportamento sexual das mulheres como argumento válido para a ponderação da realização de um aborto seguro e legal voltasse a ser audível. Muito obrigada por nos devolver, a nós, mulheres, ao reino da infantilidade.

Na verdade, o discurso sustentador desta proposta de alteração legislativa, que propõe que o aborto deixe de ser gratuito em caso de reincidência e de falta à consulta de planeamento familiar, ainda não deixou de conceptualizar as mulheres que abortam como criminosas. Só assim se entende esta pressão para castigá-las. O sinal está dado: quem faz um aborto está do lado do desvio; a maternidade continua a ser a norma.

Apesar de o número de mulheres que falta à consulta de planeamento familiar após a interrupção voluntária de gravidez estar abaixo da média dos outros países com uma legislação semelhante, o alarme está lançado e com ele, a rebate, os discursos censórios sobre as práticas das mulheres, como tão bem encarna MOS: «É uma falta de civismo que uma mulher que faz um aborto de borla, às nossas custas, não se dê ao trabalho de comparecer à consulta». Felizmente, também entre os médicos há vozes dissonantes (e aqui).

Gostava, no entanto, de conhecer o dito estudo que origina que os supostos «especialistas» teçam comentários tão contundentes. Não o conheço, mas acredito que exista, caso contrário todas estas considerações seriam irresponsáveis. E por isso pergunto: há alguma regularidade que nos permita dizer quem são as mulheres que reincidem na prática abortiva? É que tenho para mim que grande parte delas são imigrantes. Umas fogem à pobreza e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, reproduzindo as suas vidas clandestinas; outras reproduzem o ambiente em que foram socializadas e onde o aborto funcionava, não raras vezes, como método de controle da fertilidade. Mas isto é apenas um palpite.

Reconheço que a ausência de práticas contraceptivas é motivo de preocupação e que sobre ela se deve reflectir e encontrar caminhos. O que não me parece é que a melhor forma de o fazer seja através do castigo e da tentativa de repor o quadro moral que foi derrotado no referendo de 11 de Fevereiro de 2007.

Importa pois, como diz Duarte Vilar, director executivo da Associação para o Planeamento da Família, «começar a debater o que deve ser adequado à realidade». E é nisso que nos devemos centrar. Perceber onde falha e porque falha o planeamento familiar; não tomar as mulheres como um todo homogéneo, mas antes diverso, no sentido de adequar as campanhas ao público a que se dirigem, como forma de permitir não só que elas sejam compreendidas mas também que conduzam à alteração de práticas sociais. E claro, educação sexual nas escolas livre de atavismos.
Quanto ao resto, lá teremos que voltar a dizer: mantenham os vossos ideários longe dos nossos ovários.
[Imagem: Jack-in-the-Pulpit No. IV, de Georgia O'Keeffe]

Tugas

(Desabafo escrito em Luanda, via New York Times)

São longas as filas de espera nos consulados de Angola em Portugal. Quem lá está raramente é quem para cá vem. Quem de lá vem raramente cá chega. No próximo domingo é a vez do Cavaco. Só no ano passado vieram para Angola trabalhar mais de 23.000 tugas.

Enquanto Portugal não sai da moody de baixo, Angola cresce. Angola constrói. Angola mexe. Angola é (de novo) a terra prometida. E se vista da baía de Luanda já não é tão tranquila quanto em tempos terá sido, as lagostas continuam a sair frescas. Embora o trânsito seja infernal, as ruas um perigo e a vida assustadoramente cara, vale a pena o esforço. Vale a pena encher a mala de repelente e partir à aventura. Viver loucamente nos trópicos. Comer bitoques e beber super-bocks servidas por um preto. Ainda que para isso nos tenhamos que sujeitar à sua vil ignorância. À sua natural indolência.

O problema não está neste pedaço de nada ao qual um dia chamámos Angola. O problema, murmuramos agora entre dentes, são mesmo os pretos. Os empregados demoram a servir. Os funcionários públicos não sabem o que fazem. Os operários são uns incompetentes. Os parceiros económicos que nos são impostos uns irresponsáveis.

Mais de 30 anos depois, a Rainha Ginga continua a não gostar de trabalhar. Vazia de significado, a sua existência é tão supérflua quanto antes. O único perigo é que ela agora tem uma catana na mão. E nós já não temos o Salazar. O Paulo Dias de Novais já foi cortado aos pedaços. Pode ser que um dia o Dom Afonso Henriques fique sem pila.

A política, a cara ou a coroa nos partidos anti-capitalistas

Texto de Carlos Carujo, retirado daqui.

Em entrevista ao jornal Libération, Olivier Besancenot, porta-voz do Novo Partido Anti-capitalista francês, abordou desassombradamente o tema da personalização da política e revelou a intenção de sair da ribalta mediática depois de cerca de dez anos em funções (primeiro na LCR depois no NPA). É uma decisão corajosa. Em termos pessoais, vai contra o que poderia ser o seu “interesse”, a sua “carreira política”. Em termos colectivos, vai mesmo contra o “interesse” imediato do NPA. A cara do jovem, simpático e assertivo carteiro trotskista era um seguro de vida eleitoral, principalmente entre os mais jovens. O seu “apagão” mediático tem custos que ninguém ignora num partido cuja expressão militante ultrapassa largamente a sua implantação eleitoral. Diz Besancenot que “as soluções intermédias, homeopáticas, para mostrar as outras caras do partido, não funcionam. Há que cortar e aceitar ter um certo tempo menos representação mediática para fazer emergir um novo ou uma nova porta-voz, ou mesmo vários.” (ler a entrevista em castelhano aqui)

Concordando com Besancenot é, contudo, preciso notar o óbvio: a sua saída corajosa não resolve a questão de fundo que convém enunciar. Na política actual, à lógica própria de qualquer democracia representativa parlamentar sobrepõe-se a lógica mediática. E se dar a cara eleitoralmente, mesmo quando entendido enquanto princípio de responsabilidade da chamada "ética republicana", implica já uma personalização que tem efeitos secundários que podem ser nocivos, muito pior se poderá produzir nos fenómenos mediáticos do “ter cara” e do “fazer caras”. A mediatização sintetiza o partido no “líder” (e mesmo este nos seus sound bites) não cabendo nela a pluralidade e o confronto de ideias que são a sua riqueza. A mediatização tende a privilegiar quem aparece e a impor a equação direcção política igual a porta-vozes mediáticos.

Esta situação não coloca problemas aos partidos tradicionais do sistema político que assumem à partida a ideia de líderes políticos que dão a linha política do alto das suas capacidades superiores, de caciques intermédios (que têm por sua vez diversos níveis e uma relação complexa com os primeiros) e de massas para bater palmas em congressos e demais tarefismos, ou seja, aceitam o princípio da divisão do trabalho político. Nos partidos anti-capitalistas, o reverso desta medalha coloca-nos perante problemas sérios uma vez que quem luta contra a divisão do trabalho não pode aceitar pacificamente a reprodução desta divisão no seu seio (que se traduzem, por exemplo, na multiplicação de patamares de informação privilegiada e de “segredos de estado” organizativos). Aliás, já Gramsci colocava este problema quando notava que os partidos políticos parecem reproduzir na militância divisões como a de generais, sargentos e soldados. Daí que somando aos enquistamentos próprios de qualquer organização, a questão mediática e ainda a profissionalização da política, temos um desafio interior à democratização da política e ao ideal de militância. Ter protagonismo, ter cara e fazer carreira são coisas muitas vezes esconjuradas e colocadas do lado dos vícios exclusivos da “política burguesa” mas que constituem também o fundo inconsciente sobre o qual está encenada a desinteressada boa vontade revolucionária. E isto, não devendo ser dramatizado, não pode também ser um ângulo cego na auto-imagem de um partido anti-capitalista.

Mais do que lamentar-se sobre o papel da ganância e do individualismo na natureza humana ou do que laurear uma perspectiva cínica relativamente às organizações (dos partidos aos movimentos sociais), trata-se de, partindo da constatação de que a divisão do trabalho que é uma característica fundamental do capitalismo e da consciência de que ela se reproduz mesmo em espaços sociais que procuram ser alternativos, encontrar formas práticas de a desmontar. Trata-se assim de ter a consciência do peso do inconsciente social e dos modelos práticos que nos constituem.

Mas trata-se também de ter a consciência clara dos objectivos de transformação social e do campo de batalha que é imposto a quem não queira estar fora de jogo. Não se escolhe o tabuleiro de jogo, nem se pode escolher as regras do jogo. E o campo de poder que é a política actual não foi feito à medida de uma democracia participativa (ou seja, pesar de se dizer que a revolução não será televisionada, a política é hoje um campo que a televisão colonizou). Daí que no horizonte de um partido anti-capitalista esteja o dilema “como utilizar os meios de comunicação sem ser moldado por estes?” que se poderia incluir numa outra questão mais vasta: “como multiplicar a democracia interna e os espaços de militância a contracorrente dos diversos constrangimentos da política actual?”

Play it again, Shadow!


Foi lançado em 2000 mas só o conheci ontem: "Dark Days", o impressionante documentário de Marc Singer sobre as vidas dos sem-abrigo que encontraram nos túneis dos comboios de Nova Iorque o refúgio e a segurança que não tinham na rua ou nos abrigos municipais. A música é do DJ Shadow e mesmo que não fosse valia a pena vê-lo.

100 anos de sabedoria

Defesa do cinema português
Manoel de Oliveira

Senhora ministra, peço-lhe que pense bem nos problemas que estamos a viver, de modo a encontrar soluções eficazes e justas.

Em defesa dos realizadores e dos produtores de filmes portugueses neste difícil momento por que estão a passar, em defesa desta boa causa, tenho a dizer o seguinte:

Os filmes portugueses nunca foram ruinosos para o país e os seus custos cremos serem os mais baixos em relação à maior parte dos países. É certo que o momento é de crise, mas o cinema português está longe de ser motivo de ruína para o país e exactamente pelo seguinte:

Cada um dos nossos filmes move um grupo de actores, outros tantos figurantes e uma equipa técnica completa.

Este conjunto de contratados mexe com transportes, com restaurantes, com hotéis, etc., etc. E toda esta gente, com aquilo que ganha, faz as mais variadas compras com esses pequenos ganhos do seu trabalho, e isto, para além dos gastos que as próprias filmagens são obrigadas a fazer para produzir cada um dos seus filmes.

Mais: todos, seja dentro ou fora do filme, pagam impostos e esses impostos, feitas as contas, serão montantes aproximados, se não iguais ou até superiores, ao subsídio que o Ministério da Cultura dá para cada um desses filmes. O que quer dizer que o Estado vem a cobrir ou até a receber mais do que os subsídios que atribui a cada filme.

E quero dizer ainda:

Depois os filmes passam a ser exibidos no país, e quantas vezes vendidos para diferentes outros países, alguns dos meus filmes já passaram por esse mundo fora, em cerca de 27 países, bem como acontecerá com outros colegas, dando a conhecer as nossas expressões cinematográficas e culturais, uma vez que o cinema figura como uma síntese de todas as artes; para além de representar um reforço nos lucros dos produtores, lucros esses favoráveis ao país, como acontece com os livros, com a pintura ou com a música.

Assim como as televisões nacionais mostram aos seus países o essencial do que se passa no mundo, o cinema nacional divulga a cultura de cada país ao mundo.

Nunca senti ser um "peso" para os governos do meu país. Limito-me a fazer o meu trabalho o melhor que sei e posso para o que sinto ter nascido, tentando questionar os seres, as coisas, a nossa história e o mundo através dos filmes que tive o privilégio de realizar. No tempo da ditadura, fui fazer um curso de fotografia em Leverkusen, oferecido pela Bayer, nos seus estúdios da Agfa. A seguir, fui para Munique, onde comprei na Arnold Richter uma câmara de filmar. Montei numa carrinha tudo o necessário de imagem e som para filmar em qualquer lugar e fiz o primeiro filme a cores revelado pela Tobis Portuguesa: O Pintor e a Cidade que ganhou o meu primeiro prémio no Festival de Cork, a Arpa de Prata. E a seguir filmei sozinho mais quatro filmes, incluído o Acto da Primavera, o único para o qual recebera uma ajuda do SNI, por se tratar de um filme religioso e para o qual tive como meu assistente o malogrado António Reis.

Senhora ministra, peço-lhe que pense bem nos verdadeiros problemas que estamos a viver, de modo a encontrar soluções eficazes e justas. Não pergunte quanto ganha um cineasta que por vezes trabalha durante dois anos debruçado repetidas vezes sobre o arranjo do seu guião para o ajustar ao seu reduzido custo de produção, como fora o caso de alguns filmes e em particular do Estranho Caso de Angélica. Nós, realizadores, não temos direito a qualquer reforma. Cada realizador ganha o seu salário só quando filma, sem garantia nenhuma de continuidade. Não pergunte quanto ganha um actor ou um bailarino. Calculo que sabe que não é muito e que a sua derradeira glória poderá vir a ser a de morrer pobre. Pergunte sim, por exemplo, quanto aufere o administrador da Lusomundo/Zon, o abafador, aquele que esconde os nossos filmes, e que não responde mais depois de se assegurar com um contrato, e que não responde nem a nós nem a quem quer ver e mostrar os filmes portugueses.

Neste momento difícil, penso sobretudo nos meus colegas realizadores mais jovens. Para eles, estes cortes são profundamente injustos. E penso que, como eu, eles não podem viver sem uma Cinemateca Nacional forte que possa mostrar, hoje e todos os dias, o que é a história do cinema. Não podem viver sem um laboratório de imagem e de som, como o da Tobis, onde há mais de setenta anos faço os meus filmes. Eles precisam de uma lei do cinema que efectivamente proteja o cinema português. E precisam de ser ouvidos para isso. Eles, como eu, sempre viveram na precariedade e na insegurança, sem reforma nem subsídio de desemprego, e sem nunca sabermos se não estaremos a fazer o nosso último filme. Eles, como eu, só temos um desejo: todos ambicionamos morrer a fazer filmes.

(roubado aqui)

Ainda a respeito do Mundial


O Gabriel Alves diria "Treinador entusiasmado apoia as duas equipas"


imagem roubada aqui.