Em entrevista ao jornal Libération, Olivier Besancenot, porta-voz do Novo Partido Anti-capitalista francês, abordou desassombradamente o tema da personalização da política e revelou a intenção de sair da ribalta mediática depois de cerca de dez anos em funções (primeiro na LCR depois no NPA). É uma decisão corajosa. Em termos pessoais, vai contra o que poderia ser o seu “interesse”, a sua “carreira política”. Em termos colectivos, vai mesmo contra o “interesse” imediato do NPA. A cara do jovem, simpático e assertivo carteiro trotskista era um seguro de vida eleitoral, principalmente entre os mais jovens. O seu “apagão” mediático tem custos que ninguém ignora num partido cuja expressão militante ultrapassa largamente a sua implantação eleitoral. Diz Besancenot que “as soluções intermédias, homeopáticas, para mostrar as outras caras do partido, não funcionam. Há que cortar e aceitar ter um certo tempo menos representação mediática para fazer emergir um novo ou uma nova porta-voz, ou mesmo vários.” (ler a entrevista em castelhano aqui)
Concordando com Besancenot é, contudo, preciso notar o óbvio: a sua saída corajosa não resolve a questão de fundo que convém enunciar. Na política actual, à lógica própria de qualquer democracia representativa parlamentar sobrepõe-se a lógica mediática. E se dar a cara eleitoralmente, mesmo quando entendido enquanto princípio de responsabilidade da chamada "ética republicana", implica já uma personalização que tem efeitos secundários que podem ser nocivos, muito pior se poderá produzir nos fenómenos mediáticos do “ter cara” e do “fazer caras”. A mediatização sintetiza o partido no “líder” (e mesmo este nos seus sound bites) não cabendo nela a pluralidade e o confronto de ideias que são a sua riqueza. A mediatização tende a privilegiar quem aparece e a impor a equação direcção política igual a porta-vozes mediáticos.
Esta situação não coloca problemas aos partidos tradicionais do sistema político que assumem à partida a ideia de líderes políticos que dão a linha política do alto das suas capacidades superiores, de caciques intermédios (que têm por sua vez diversos níveis e uma relação complexa com os primeiros) e de massas para bater palmas em congressos e demais tarefismos, ou seja, aceitam o princípio da divisão do trabalho político. Nos partidos anti-capitalistas, o reverso desta medalha coloca-nos perante problemas sérios uma vez que quem luta contra a divisão do trabalho não pode aceitar pacificamente a reprodução desta divisão no seu seio (que se traduzem, por exemplo, na multiplicação de patamares de informação privilegiada e de “segredos de estado” organizativos). Aliás, já Gramsci colocava este problema quando notava que os partidos políticos parecem reproduzir na militância divisões como a de generais, sargentos e soldados. Daí que somando aos enquistamentos próprios de qualquer organização, a questão mediática e ainda a profissionalização da política, temos um desafio interior à democratização da política e ao ideal de militância. Ter protagonismo, ter cara e fazer carreira são coisas muitas vezes esconjuradas e colocadas do lado dos vícios exclusivos da “política burguesa” mas que constituem também o fundo inconsciente sobre o qual está encenada a desinteressada boa vontade revolucionária. E isto, não devendo ser dramatizado, não pode também ser um ângulo cego na auto-imagem de um partido anti-capitalista.
Mais do que lamentar-se sobre o papel da ganância e do individualismo na natureza humana ou do que laurear uma perspectiva cínica relativamente às organizações (dos partidos aos movimentos sociais), trata-se de, partindo da constatação de que a divisão do trabalho que é uma característica fundamental do capitalismo e da consciência de que ela se reproduz mesmo em espaços sociais que procuram ser alternativos, encontrar formas práticas de a desmontar. Trata-se assim de ter a consciência do peso do inconsciente social e dos modelos práticos que nos constituem.
Mas trata-se também de ter a consciência clara dos objectivos de transformação social e do campo de batalha que é imposto a quem não queira estar fora de jogo. Não se escolhe o tabuleiro de jogo, nem se pode escolher as regras do jogo. E o campo de poder que é a política actual não foi feito à medida de uma democracia participativa (ou seja, pesar de se dizer que a revolução não será televisionada, a política é hoje um campo que a televisão colonizou). Daí que no horizonte de um partido anti-capitalista esteja o dilema “como utilizar os meios de comunicação sem ser moldado por estes?” que se poderia incluir numa outra questão mais vasta: “como multiplicar a democracia interna e os espaços de militância a contracorrente dos diversos constrangimentos da política actual?”
4 comentários:
Ultimamente não tenho acompanhado tanto, mas sei que ainda há poucos meses ele tava a ser contestado internamente , talvez seja por isso. Agora , concordo contigo, ela era a cara do NPA e conseguia congregar muitas pessoas, saindo, não sei não. Sabes quem se prevê para a "sucessão"?
Hum, não faço ideia. O facto é que o NPA já tem tido vário/as porta-vozes. O que se coloca deve ser a saída de cena do Besancenot pelo menos por uns tempos, para que outras figuras consigam se afirmar e ocupar esse espaço. Mas olha, o texto não é meu. É do Carlos Carujo.
Sucessão deve ser tudo o que Besancenot procura com esta saída. Importante reflexão e boa referência. Abraço.
O BE ou o Louçã alguma vez fizeram ou fariam isto???
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