Diz-se que alguns silêncios são estrondosos. E com a frase do senso comum não pretendo puxar a conversa para a primeira parte da campanha presidencial cavaquista fabricada a partir do seu pequeno tabu. Esse silêncio que dizia já tudo foi, como não podia deixar de ser, quebrado, dando lugar ao redondo discurso de circunstância de um Cavaco cheio de si, a achar-se imprescindível ao país, a fazer aquele boneco de quem até nem queria o lugar mas foi empurrado para tal pelo sentido de responsabilidade. Para Cavaco, ou Cavaco ou o dilúvio.
O silêncio presidencial que, aliás, terá a sua continuação anunciada na não afixação de cartazes sob o pretexto de poupar as contas públicas. Assim, no lugar da ausência de cartazes cola-se a demagogia e o populismo fácil de quem tem a vantagem do seu lado. E essa ausência será feita do mesmo silêncio que grita, acompanhada de uma presença espectral nos telejornais. Mais um episódio da retórica da invisibilidade cavaquista.
E, ao lembrar os silêncios estrondosos, também não pretendo também puxar a conversa para qualquer outra gestão de silêncios por parte da classe política devida aos seus cálculos, nem, com isso, lamentar o pequeno maquiavelismo de circunstância.
Interessa-me aqui o silêncio estrondoso da comunicação social. Não tanto o silêncio com que se abafa quotidiana tanta iniciativa cidadã sem se dar dela conhecimento, o silêncio que molda silenciosamente o país até o tornar uma telenovela antes das telenovelas com um enredo pobre que pretende determinar o que são factos e não-factos.
Este silêncio acontece até sobre protagonistas políticos e sociais. Deixo três exemplos recentes, desiguais como não podia deixar de ser.
Três militantes da JCP que pintavam um mural foram levados para uma esquadra e obrigados a despir-se. Este abuso de autoridade praticado sobre quem pretendia apenas difundir ideias não pode ser abafado pelo silêncio.
Cinco deputados/as bloquistas publicaram um livro que desmonta a estrutura familiar do capitalismo português, mostrando, numa altura em que os mais ricos falam no despesismo do Estado, que os capitalistas nacionais sempre viveram às suas expensas e dependentes do seu favoritismo. Como muito bem lembrou Óscar Mascarenhas, a este propósito, este livro “está a ser silenciado pelo predominante jornalismo da voz do Dono. É o plano B da manipulação e intoxicação: em regra, esse jornalismo regurgita sentenças do Dono como certezas que nem sequer merecem a ociosidade do contraditório; aparece um livro «do contra», com a agravante de ser bem construído e que dá um trabalhão a contestar – aplica-se a regra do silêncio.”
E o último exemplo vai neste mesmo sentido. A crise, sempre a crise, inunda jornais, rádios e televisões. E as representações sociais sobre a crise vão sendo moldadas a partir do poder de um punhado de comentaristas e economistas todos do mesmo credo que têm o direito de interpretação…
Votados ao silêncio estão todos/as, os/as economistas ou outros/as, que pensem de forma de diferente. Assim, constrói-se a ideia de que o que acontece é inevitável, o que deveria fazer vergar qualquer veleidade de contestação, e isolam-se as perspectivas políticas que não se situem no espaço deste “consenso”, apresentando-se como irrealistas. Contra este silêncio corre um abaixo-assinado a favor da pluralidade na discussão.
Mas, mais do que exigir que os meios de comunicação social não sejam tão parciais como sempre foram, rasgar este silêncio estrondoso é derrotar na prática o discurso da crise. E, para isso, é preciso que a greve geral seja mais estrondosa do que o silêncio que eles impõem.
Publicado aqui e aqui (que é uma espécie de caixote para onde vai (quase) tudo o que escreva...).
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