A dialéctica do ingénuo e do cínico

Sei que me devia andar a dedicar ao aprofundamento da blocologia a que, por estes dias, toda a gente se dedica, da blogosfera até aos cafés (não necessariamente por esta ordem). Sei que, mais uma vez, gastei tempo demais num texto que é chato, inútil, deslocado da realidade e que não ajuda a responder aos problemas que aí estão, que poderá ser treslido e até usado contra o próprio. Sei que devia ter refinado a (auto-)ironia. Sei que devia ter colocado uma advertência no texto do género: cuidado toda semelhança com a realidade é pura coincidência. Sei que devia ter atribuído os créditos devidos ao Espinosa. Mas, como noutras vezes, o texto escreveu-se e impôs-se tal como está… Fica aqui uma amostra:

Chega-se à política. Quando se chega, novo ou velho, não se vem de um estado de natureza, de uma inocente pureza apolítica, e essa chegada não é marcada pela redacção, a partir do zero, de um contrato social de participação política que reescreva tudo o que somos. Chega-se por algumas razões e traz-se determinada atitude. E estas já eram políticas antes de o serem e terão efeitos políticos no trajecto que se siga. Simplesmente, chega-se à política tendo sempre estado nela.

Pode-se chegar à política para se aproveitar dela, pode-se vir para se entregar a esta sem procurar nada em troca. O comum dos mortais trará na bagagem uma mistura em doses diferentes de entrega altruísta e de procura de benefícios materiais ou imateriais, conscientes ou inconscientes. Introduzida uma primeira ressalva óbvia de que não se pode pensar a chegada à política a partir do zero absoluto, introduz-se agora outra, igualmente óbvia, para nos prevenir que não existem categorias fechadas. Mas, apesar de tudo, falemos em cínicos e em ingénuos porque convém.

Para facilitar a tarefa, tomemos, a meio caminho entre a experiência conceptual e a caricatura, o ingénuo enquanto modelo possível do recém-chegado à política. O ingénuo chegará porventura carregado de certezas: as suas escolhas políticas são as melhores por natureza, os seus companheiros os mais abnegados e competentes, a organização em que ingressa é excelsa, o que permitirá abrir o caminho da perfeição social ou, para ingénuos menos ambiciosos, será a via única para uma melhoria substancial da sociedade. Daí que possa reagir por vezes violentamente à crítica que ameace este quadro de perfeição procurando manter um idealismo simples, escapar a qualquer crítica externa ou qualquer dúvida interna.

Acontece que, assim sendo, a posição do ingénuo político é periclitante porque terá de se esquivar permanentemente à crítica e à dúvida. E ou luta com todas as suas forças para ser ingénuo toda a vida política ou pode acabar por se desiludir. Aliás, ouve-se frequentemente dizer por aí que o seu destino é sucumbir aos sucessivos choques da realidade e, desiludido, transformar-se.

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