Assim muito grosso modo, entendo a indemnização de um corpo lesado e fodido como uma combinação única de economia corporal, material e moral*. Avalia-se a utilidade de um corpo e determina-se o seu grau de incapacidade, que por sua vez é traduzido em dinheiro através de um código semi-convencionado que articula dignidade humana com curriculum salarial. Se há pouco mais de uma década uma vida valia o preço de um carro médio, hoje ronda os 50 mil euros, isto é, um carrão - o que me deixa francamente mais descansado. Chassis à parte, parece que ainda assim, tal como há merdas e merdas, também há vidas e vidas. Velhos, pobres e desempregados não são propriamente gente valiosa e eu até adivinho porquê: não se lhes pode dar uma mão que querem logo um braço (que só não perderam nas obras - extravagância estética de pedreiro - precisamente porque são velhos, pobres e desempregados).
Ora vem isto a propósito das indemnizações atribuídas aos doentes cegados no Hospital de Santa Maria. É evidente que negligência e responsabilidade médicas são matéria jurídico-fininha que não sou propriamente competente para insultar (excepto no dossier corporativismos periciais, que ainda ontem recenseei na padaria do Pingo Doce). Fora dos tribunais, consensualizou-se uma indemnização política de 246 mil euros para o caso - presumo - mais grave. É sempre pouco, mas parece justo. E digo indemnização política porque é episódio particularmente vigiado pela imprensa, pelo que ganha os respectivos contornos e cuidados mil. Queira Deus que a coisa - no hospital, no trabalho ou na estrada - se exporte para as dezenas de corpos fodidos que chegam diariamente aos tribunais sem porra de culpa nenhuma. Ainda ontem rezei um Pai-Nosso e uma Salve-Rainha à Axa, Liberty, Fidelidade-Mundial, Império-Bonança, Zurich, Allianz e Tranquilidade. A ver que tal.
Ora vem isto a propósito das indemnizações atribuídas aos doentes cegados no Hospital de Santa Maria. É evidente que negligência e responsabilidade médicas são matéria jurídico-fininha que não sou propriamente competente para insultar (excepto no dossier corporativismos periciais, que ainda ontem recenseei na padaria do Pingo Doce). Fora dos tribunais, consensualizou-se uma indemnização política de 246 mil euros para o caso - presumo - mais grave. É sempre pouco, mas parece justo. E digo indemnização política porque é episódio particularmente vigiado pela imprensa, pelo que ganha os respectivos contornos e cuidados mil. Queira Deus que a coisa - no hospital, no trabalho ou na estrada - se exporte para as dezenas de corpos fodidos que chegam diariamente aos tribunais sem porra de culpa nenhuma. Ainda ontem rezei um Pai-Nosso e uma Salve-Rainha à Axa, Liberty, Fidelidade-Mundial, Império-Bonança, Zurich, Allianz e Tranquilidade. A ver que tal.
3 comentários:
Tiago...deficiência não, incapacidade...
Teresa
A deficiência era para o Sena - salvo seja ;)
Deficiência vai bem para essoutro filme, palavra mais exposta ao jogo cultural de valores do que incapacidade (termo técnico, mais cristalizado no fatalismo incapacitante e com menos riqueza de usos simbólicos - sejam estigmatizantes, sejam subversivos). Mantém-te firme, Tiago.
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