A recente aquisição da Volvo por parte de uma quase desconhecida empresa automóvel chinesa - a Geely International - poderia suscitar diversos tipos de abordagem. A primeira é feita pelo Editorial de hoje do Público. A imagem da Volvo tinha subjacente uma preocupação com a inovação tecnológica e com a segurança. Assim o que se intui nesse editorial é a preocupação (legítima) de que a associação da Volvo a uma empresa que é conhecida pela produção de automóveis baratos e poluentes, que teve que adiar a sua entrada no mercado europeu e norte-americano por causa do incumprimento de standards mínimos, possa toldar definitivamente a cultura organizacional da organização Sueca. A questão final colocada é esta «Ficam em todo este processo, no entanto, uma dúvida e uma nostalgia: serão os Volvo do futuro automóveis requintados e "amigos" dos condutores como o foram na era dos suecos?»
Um outro enfoque, que me é simpático, seria um (certo) saudosismo em relação às experiências de «Democracia Industrial» levadas a cabo nas fábricas de Kalmar e Uddevalla. Aparentemente esta imagem de marca não ficou na retina daqueles que se preocupam com o futuro da Volvo, mas para mim é sem dúvida o aspecto mais interessante. Como proceder a uma organização da actividade produtiva, num sector altamente exposto à competição no mercado internacional, que mantivesse uma elevada produtividade, mas que criasse uma cultural real de participação e de envolvimento dos trabalhadores? Kalmar era um exemplo de «Democracia Industrial» mas a opção da maioria das empresas norte-americanas e europeias foi a da transplantação dos modelos Toyotistas. Em termos tecnológicos ficamos com um neo-taylorismo em que a intensidade do trabalho é dramaticamente intensificada. A nível da democracia organizacional, implanta-se um simulacro de participação, que captura o saber tácito dos trabalhadores mas aos quais não confere qualquer poder relevante nas principais tomadas de decisão.
Essas experiências têm sido paulatinamente abandonadas. Convém lembrar que os anos 70 foram o período de maior força da classe trabalhadora organizada, que não reivindicava apenas mais salário, mas que procurava interferir nas modalidades de organização produtiva, nas competências e qualificações dos postos de trabalho, na crítica ideológica do modelo produtivo taylorista-fordista e das suas consequências nos corpos e nas mentes dos trabalhadores. Desde então o clima ideológico mudou e essa «crítica social» recuou dramaticamente.
Dedicarei um outro post à Geely e à China, ao significado desta compra e à emergência desta potência económica mundial, que está no centro do actual processo de acumulação capitalista.
Um comentário:
É sintomática a preocupação principal surgir em relação às possíveis perdas dos consumidores. Ainda assim, e sendo que, no plano do consumo, gozamos de uma liberdade muito mais ampla do que no plano da produção, creio que as principais preocupações que devem surgir a propósito deste assunto se prendem com as condições laborais dos trabalhadores da Volvo. Isto sendo as empresas chinesas conhecidas por estabelecerem condições de trabalho precárias e não sei quê...
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