Pois... É preciso fazer um grande esforço mas para alguém que, como eu, não enjeita as telenovelas da TVI como produção cultural legítima, não seria coerente retirar a tauromaquia desse mesmo campo. Agora que é uma actividade parva, isso é difícil de negar! :)
Eu relativamente à tauromaquia nem comento. Acho inacreditável e ponto. Mas, Diogo, explica lá melhor isso das novelas da TVI :) Até concordo, mas quero muito ouvir-te a explanar sobre
Comentário pertinente da Catarina Isabel Martins no FB: "Não sei se aquece. A mim, até arrefece. Não somente porque, como diz a Ministra, estes números incluem tudo desde as artes às novelas da TVI e a música pimba, mas sobretudo porque, como decorre do seu discurso, a demonstração do valor económico da cultura vai servir para mais uma demissão do estado na garantia da cultura como direito. Ou seja, mais desivestimento e promoção da pseudo-cultura mercantilizável, La ferias e quejandos."
Tal como respondi no FB, penso que reproduzir o binarismo alta - baixa cultura, não por via da tensão erudito vs popular, mas agora da pureza criativa vs mercadoria, não me parece boa política, excepto para alimentar os velhos argumentos precipitados da alienação cultural. E isso é preguiça intelectual. Lamento informar mas a cultura também se produz em série e ainda bem. Já a relação do Estado com isso é que é menos linear: a retórica da subsídio-dependência não augura nada de bom.
"Catarina Isabel Martins Não é nada disso, Tiago. Preguiça intelectual decorre da amálgama indistinta, que é má conselheira na definição de políticas. Serve, a meu ver, neste caso, a falsa noção de que a cultura se deve sustentar a si mesma, sem intervenção do Estado. Não me relaciono bem com os purismos criativos, e defendo um reconhecimento do que há de económico na cultura, enquanto criação de valor e de emprego, por exemplo (e nessa vertente, defendi, para Coimbra, o conceito de cidade criativa, baseado nas indústrias criativas, que muitos condenam devido ao tal conceito de mercadoria). Mas é necessário alertar para a perversão política dos argumentos. O discurso anti-subsídio-dependência tem sido fundamento de ataques fortes aos criadores, apresentando-os como parasitas da sociedade, o que resulta, na realidade, num discurso anti-cultura que ataca sobretudo o seu potencial crítico e emancipatório. Neste, serão prejudicados profissionais e, por extensão, amadores, o erudito como o popular, mesmo que o segundo pareça ser promovido. A política cultural em Coimbra é disso um exemplo."
"Tiago Ribeiro Concordo inteiramente: tinha aliás acrescentado, nos comentários do blog, que «já a relação do Estado com isso é que é menos linear: a retórica da subsídio-dependência não augura nada de bom.». A ideia de cidades criativas social e culturalmente responsáveis converge com essa visão crítica mas descomplexada do problema. "
Madalena, a questão da formação de públicos é, a meu ver, falsa por esse motivo. Quando se ouve (e se se ouve!) dizer que não há públicos para a cultura, só me lembro da quantidade de pessoas que todas as noite sintoniza a TV para ver as novelas da TVI. A distinção, como o Tiago bem lembrou, entre alta e baixa culturas não é mais do que um posicionamento moralista de superioridade intelectual de meia dúzia de pessoas que acham que Brecht é melhor que Tozé Martinho. Quando as fronteiras desta dicotomia eram definidas pelos conceitos "erudito" e "popular" tal como agora quando é definida pelos conceitos "cultura mercantilizada" e "cultura pura" são meros eufemismos para disfarçar uma posição que, afinal, tenta estabelecer as fronteiras entre "boa cultura" e "má cultura". É passar um atestado de incompetência social aos milhões de pessoas que consomem cultura quando vêem telenovelas.
Catarina Isabel Martins (respondo aqui para não estar a fazer do hugo, pombo-correio), a cultura mercantilizável não merece um "pseudo" como prefixo. Os impactos destas notícias que, repito, não são novas, são em larga medida ignorados por decisores políticos e o corolário dessa ignorância é a retracção brutal do investimento na área em tempos de crise económica. Não me parece que a capacidade de geração de riqueza dos actores culturais (na criação, mediação e difusão) deva ser critério de definição dos parâmetros orçamentais relativos à cultura. Parece-me, ao invés, que, tal como defende António Reis, as políticas culturais devem ser entendidas como um "direito ao inútil" (no sentido económico do termo). Ora, esse direito não se esgota na "cultura pura", mais do que educar os gostos para uma "boa cultura", a questão deverá estar na promoção de diversidade cultural.
A notícia aquece-me a alma porque, cada vez mais, os impactos económicos de políticas culturais profundas são cada vez menos ignoráveis. O que se faz com essa informação é outra questão que pode e deve ser discutida. Ainda assim, no contexto em que vivemos, saber que a cultura produz riqueza é talvez a melhor arma para pressionar o poder político a investir nela.
Já agora, permitam-me acrescentar que, verdadeiramente preocupante é o facto de a ministra dizer que "Quando se fala em todas estas componentes culturais, estamos a falar desde a música rock à música pimba ou às telenovelas da TVI, estamos a falar de uma panóplia de contributos culturais" e que, portanto, deve "fazer-se uma leitura inteligente destes números". Estamos, de facto a falar de uma panóplia de contributos culturais mas todos eles o são e devem ser valorizados enquanto tal. Não percebo, por isso, o que raio tem isso a ver com "uma leitura inteligente" dos números. Mas isso é uma pergunta que o jornalista deveria ter colocado.
1 - Dizer que uma parede não existe quando ela de facto está lá parece-me um bocado abusivo. Podem insistir à vontade que a boa cultura e a má cultura são mitos e invenções que a distinção não deixa de ser percepcionada assim, tornando-se, na prática, real. Que a estética, a noção de gosto, os cânones de beleza da baixa cultura se definem a partir das noções da classe dominante, que imperam nas diferenças de classe, não é grande novidade. E então? A sociedade é categorizável e categorizada lamento. E ainda bem. Seria uma confusão...
2 - O problema, obviamente, coloca-se quando é necessário criar políticas culturais. E aqui a questão é que alta cultura promover - a baixa vive muito bem sozinha e possui uma capacidade de eternização e captação de público extraordinária muito obrigado - , e o Estado existe precisamente para suprir as faltas que "o resto" não consegue. De facto não existem critérios absolutamente objectivos para a distribuição e não há propriamente soluções salomónicas. O que está a acontecer na procura dessas soluções (e está mesmo) é um afunilar das condições de acesso aos recursos, através de mecanismos como estudos de público, expectativas de retorno, capacidade de auto-financiamento, histórico de sucesso, etc, o que, se permite por um lado barrar o acesso a promotores de coisas esquisitas, por outro corta pela raiz toda a produção amadora e, consequentemente, o potencial criativo que daí adviria.
3 - Na discussão sobre a regionalização, que tenho como vitória de Pirro por hábito, esta é uma das áreas em que seria possível fazer um trabalho interessante descentralizando-a
P.S.: já agora Diogo, o Brecht por esta altura já está ao nível do Tozé Martinho. Tens andado desatento!
AP, um dos problemas das paredes é que, atirando um gato, há sempre a probabilidade de ele a atravessar. Nesse sentido, um rancho folclórico é alta ou baixa cultura? Tem ou não capacidade de auto-sustentação económica? E as touradas? E os grupos de teatro amador? E as centenas de conjuntos musicais pimba compostos por pessoas que têm um emprego durante a semana para poderem sustentar a sua prática cultural? E haverá diferença entre estes e os conjuntos musicais compostos por jovens cheios de pinta que usam o Kitch como desculpa para o mau gosto?
Poderia continuar apenas para provar um ponto: essas paredes, mais do que erguidas por uma classe dominante, são construídas subjectivamente na cabeça de cada indivíduo tendo em conta pouco mais que os seus próprios gostos.
De resto, concordo com o essencial do teu ponto 2. Há um conjunto de iniciativas culturais que são mais do que auto-sustentáveis e outras que, não o sendo e, portanto, estando em situação particularmente frágil, são precisamente as que mais são ignoradas pelos poderes públicos. Ainda assim, há que ter cuidado porque do reconhecimento do potencial de pequenos criadores ao financiamento do devaneio cultural caprichoso e inconsequente do estudante universitário, vai um saltinho.
P.S. - Ainda bem que começam a dar o devido valor ao Brecht.
xiii... as probabilidades ao nível quântico - que permitiriam que o gato atravessasse a parede - são de uma escala que não é para aqui chamada. A mecânica clássica nesta escala funciona perfeitamente e, de facto, o gato não atravessa a parede!, por mais tentativas que faças no voo do bicho.
Pois há diferenças entre o campeonato nacional de lançamento do anão e a Olga Roriz sim. Se preferes o anão, isso é lá contigo. Se queres uma definição inequívoca da boa e má cultura, da alta e baixa, etc, não há claro. That's the point! De qualquer modo, a Estética existe, possui contornos de cânone quando aplicada, não é definida pelas classes baixas, é reinterpretada ao longo dos tempos e determina assim, com maior ou menor flexibilidade na linha limite, as "distinções de culturas". O gosto então como uma emanação individual é peregrino. Serão com certeza uma coincidência as diferenças culturais paralelas às diferenças de classe. As paredes "construídas subjectivamente na cabeça de cada indivíduo" foram lá colocadas por ele próprio, ou talvez pelo Espírito Santo.
Por último, gosto de te ver a distinguir o "potencial de pequenos criadores" do "devaneio cultural caprichoso e inconsequente do estudante universitário". Há salvação portanto, eheheh.
Não digo que a construção do gosto seja uma tarefa puramente individual e solitária até porque o ser humano é um animal social e mais não sei quê. Agora, que também não é refém da origem de classe do indivíduo, também é para mim bastante óbvio. Muito mais do que a origem socio-económica do indivíduo, penso que conta o destino pretendido, os estilos de vida com os quais se quer identificar e isso é feito de forma reflexiva no operário fabril como no professor universitário.
Agora, como é também óbvio, o leque de escolhas não é infinito. Toda gente está sujeita à diversidade cultural com que se vai deparando ao longo da vida (não posso gostar de teatro Nabuki se não souber o que isso é) mas também isso, com o advento da internet e dessas coisas em que és perito, é uma barreira cada vez menos relevante.
Finalmente, sobre a "Estética", não me parece que ainda exista nos moldes a que as nossas sociedades estavam habituadas. Não há estética, mas estéticas tal como não há moda, mas modas. E isso implica uma confluência de estilos ao mesmo tempo dominantes e dominados que fazem implodir essa velha teoria da definição dos parâmetros esteticamente admiráveis por uma classe dominante. Aliás, em bom rigor, a maioria das pessoas sempre se esteve borrifando para o facto de a ópera ser considerada uma forma cultural superior.
"o destino pretendido" e os "estilos de vida com os quais se quer identificar". Como se tivesse essa possibilidade de escolha. Que as classes são cada vez mais indistintas relativamente aos indivíduos que em cada uma pernoitam e há migrações de uma para a outra certo. Mas não é por isso que desaparecem no grande saco da "classe média". Ainda para mais na cultura onde as distinções, até pelos recorrentes discursos, quer de um lado quer do outro, são por demais evidentes. Insistires na legitimidade das diferentes culturas só prova precisamente que as sabes distinguir, e que inferes isso da realidade (no sentido lato). O discurso anti-elitista existe por definição porque existem elites e o wishful thinking, excepto em casos clínicos, não vai alterar a sua existência. Por fim, não sei quem é essa "maioria das pessoas" que se está borrifando para o facto de a "ópera ser considerada uma forma cultural superior", mas, já agora, é considerada por quem?
Não me fiz entender. Não nego a existência de elites ou, pelo menos, de grupos de pessoas que querem constituir uma elite. Eu digo que a distinção que é feita a partir desses discursos, não existe. Tal como digo que, a maioria das pessoas (aquelas que nunca foram a um espectáculo de ópera nem têm vontade disso) se está borrifando para o que estas "elites" dizem ser uma cultura legítima.
Pois, é aí que discordamos. A distinção entre boa e má cultura ou alta e baixa, feita a partir dos discursos (e práticas) das elites e dos outros, existe sim. Se me disseres que, para ti, possuem a mesma validade, tudo certo. Agora que a definição de boa e má cultura, feita pelas elites é certo, condiciona a noção real e generalizada dessas mesmas definições, com as práticas e geração de conceitos consequentes - como valorização pelo poder público da boa cultura, o popular vs o erudito, as reacções das elites e dos outros aos diversos tipos de cultura (a maioria à ópera ou as elites ao folclore por exemplo) - não vejo como o negar. A falta de vontade da maioria das pessoas a ir a um espectáculo de ópera é precisamente uma reacção a isso. Elas sabem que a ópera é diferente de um espectáculo do Emanuel. E se se estão borrifando para o que as elites dizem ser uma boa cultura, se calhar até estão, não deixam por isso de acreditar, de um modo difuso e sem dar por ela, que existem essas diferenças e reagem consequentemente.
15 comentários:
Pois... É preciso fazer um grande esforço mas para alguém que, como eu, não enjeita as telenovelas da TVI como produção cultural legítima, não seria coerente retirar a tauromaquia desse mesmo campo. Agora que é uma actividade parva, isso é difícil de negar! :)
Eu relativamente à tauromaquia nem comento. Acho inacreditável e ponto. Mas, Diogo, explica lá melhor isso das novelas da TVI :) Até concordo, mas quero muito ouvir-te a explanar sobre
Comentário pertinente da Catarina Isabel Martins no FB:
"Não sei se aquece. A mim, até arrefece. Não somente porque, como diz a Ministra, estes números incluem tudo desde as artes às novelas da TVI e a música pimba, mas sobretudo porque, como decorre do seu discurso, a demonstração do valor económico da cultura vai servir para mais uma demissão do estado na garantia da cultura como direito. Ou seja, mais desivestimento e promoção da pseudo-cultura mercantilizável, La ferias e quejandos."
Tal como respondi no FB, penso que reproduzir o binarismo alta - baixa cultura, não por via da tensão erudito vs popular, mas agora da pureza criativa vs mercadoria, não me parece boa política, excepto para alimentar os velhos argumentos precipitados da alienação cultural. E isso é preguiça intelectual. Lamento informar mas a cultura também se produz em série e ainda bem. Já a relação do Estado com isso é que é menos linear: a retórica da subsídio-dependência não augura nada de bom.
Mais do FB:
"Catarina Isabel Martins
Não é nada disso, Tiago. Preguiça intelectual decorre da amálgama indistinta, que é má conselheira na definição de políticas. Serve, a meu ver, neste caso, a falsa noção de que a cultura se deve sustentar a si mesma, sem intervenção do Estado. Não me relaciono bem com os purismos criativos, e defendo um reconhecimento do que há de económico na cultura, enquanto criação de valor e de emprego, por exemplo (e nessa vertente, defendi, para Coimbra, o conceito de cidade criativa, baseado nas indústrias criativas, que muitos condenam devido ao tal conceito de mercadoria). Mas é necessário alertar para a perversão política dos argumentos. O discurso anti-subsídio-dependência tem sido fundamento de ataques fortes aos criadores, apresentando-os como parasitas da sociedade, o que resulta, na realidade, num discurso anti-cultura que ataca sobretudo o seu potencial crítico e emancipatório. Neste, serão prejudicados profissionais e, por extensão, amadores, o erudito como o popular, mesmo que o segundo pareça ser promovido.
A política cultural em Coimbra é disso um exemplo."
"Tiago Ribeiro
Concordo inteiramente: tinha aliás acrescentado, nos comentários do blog, que «já a relação do Estado com isso é que é menos linear: a retórica da subsídio-dependência não augura nada de bom.». A ideia de cidades criativas social e culturalmente responsáveis converge com essa visão crítica mas descomplexada do problema. "
Madalena, a questão da formação de públicos é, a meu ver, falsa por esse motivo. Quando se ouve (e se se ouve!) dizer que não há públicos para a cultura, só me lembro da quantidade de pessoas que todas as noite sintoniza a TV para ver as novelas da TVI. A distinção, como o Tiago bem lembrou, entre alta e baixa culturas não é mais do que um posicionamento moralista de superioridade intelectual de meia dúzia de pessoas que acham que Brecht é melhor que Tozé Martinho. Quando as fronteiras desta dicotomia eram definidas pelos conceitos "erudito" e "popular" tal como agora quando é definida pelos conceitos "cultura mercantilizada" e "cultura pura" são meros eufemismos para disfarçar uma posição que, afinal, tenta estabelecer as fronteiras entre "boa cultura" e "má cultura". É passar um atestado de incompetência social aos milhões de pessoas que consomem cultura quando vêem telenovelas.
Catarina Isabel Martins (respondo aqui para não estar a fazer do hugo, pombo-correio), a cultura mercantilizável não merece um "pseudo" como prefixo. Os impactos destas notícias que, repito, não são novas, são em larga medida ignorados por decisores políticos e o corolário dessa ignorância é a retracção brutal do investimento na área em tempos de crise económica. Não me parece que a capacidade de geração de riqueza dos actores culturais (na criação, mediação e difusão) deva ser critério de definição dos parâmetros orçamentais relativos à cultura. Parece-me, ao invés, que, tal como defende António Reis, as políticas culturais devem ser entendidas como um "direito ao inútil" (no sentido económico do termo). Ora, esse direito não se esgota na "cultura pura", mais do que educar os gostos para uma "boa cultura", a questão deverá estar na promoção de diversidade cultural.
A notícia aquece-me a alma porque, cada vez mais, os impactos económicos de políticas culturais profundas são cada vez menos ignoráveis. O que se faz com essa informação é outra questão que pode e deve ser discutida. Ainda assim, no contexto em que vivemos, saber que a cultura produz riqueza é talvez a melhor arma para pressionar o poder político a investir nela.
Já agora, permitam-me acrescentar que, verdadeiramente preocupante é o facto de a ministra dizer que "Quando se fala em todas estas componentes culturais, estamos a falar desde a música rock à música pimba ou às telenovelas da TVI, estamos a falar de uma panóplia de contributos culturais" e que, portanto, deve "fazer-se uma leitura inteligente destes números". Estamos, de facto a falar de uma panóplia de contributos culturais mas todos eles o são e devem ser valorizados enquanto tal. Não percebo, por isso, o que raio tem isso a ver com "uma leitura inteligente" dos números. Mas isso é uma pergunta que o jornalista deveria ter colocado.
1 - Dizer que uma parede não existe quando ela de facto está lá parece-me um bocado abusivo. Podem insistir à vontade que a boa cultura e a má cultura são mitos e invenções que a distinção não deixa de ser percepcionada assim, tornando-se, na prática, real.
Que a estética, a noção de gosto, os cânones de beleza da baixa cultura se definem a partir das noções da classe dominante, que imperam nas diferenças de classe, não é grande novidade. E então? A sociedade é categorizável e categorizada lamento. E ainda bem. Seria uma confusão...
2 - O problema, obviamente, coloca-se quando é necessário criar políticas culturais. E aqui a questão é que alta cultura promover - a baixa vive muito bem sozinha e possui uma capacidade de eternização e captação de público extraordinária muito obrigado - , e o Estado existe precisamente para suprir as faltas que "o resto" não consegue. De facto não existem critérios absolutamente objectivos para a distribuição e não há propriamente soluções salomónicas. O que está a acontecer na procura dessas soluções (e está mesmo) é um afunilar das condições de acesso aos recursos, através de mecanismos como estudos de público, expectativas de retorno, capacidade de auto-financiamento, histórico de sucesso, etc, o que, se permite por um lado barrar o acesso a promotores de coisas esquisitas, por outro corta pela raiz toda a produção amadora e, consequentemente, o potencial criativo que daí adviria.
3 - Na discussão sobre a regionalização, que tenho como vitória de Pirro por hábito, esta é uma das áreas em que seria possível fazer um trabalho interessante descentralizando-a
P.S.: já agora Diogo, o Brecht por esta altura já está ao nível do Tozé Martinho. Tens andado desatento!
AP, um dos problemas das paredes é que, atirando um gato, há sempre a probabilidade de ele a atravessar. Nesse sentido, um rancho folclórico é alta ou baixa cultura? Tem ou não capacidade de auto-sustentação económica? E as touradas? E os grupos de teatro amador? E as centenas de conjuntos musicais pimba compostos por pessoas que têm um emprego durante a semana para poderem sustentar a sua prática cultural? E haverá diferença entre estes e os conjuntos musicais compostos por jovens cheios de pinta que usam o Kitch como desculpa para o mau gosto?
Poderia continuar apenas para provar um ponto: essas paredes, mais do que erguidas por uma classe dominante, são construídas subjectivamente na cabeça de cada indivíduo tendo em conta pouco mais que os seus próprios gostos.
De resto, concordo com o essencial do teu ponto 2. Há um conjunto de iniciativas culturais que são mais do que auto-sustentáveis e outras que, não o sendo e, portanto, estando em situação particularmente frágil, são precisamente as que mais são ignoradas pelos poderes públicos. Ainda assim, há que ter cuidado porque do reconhecimento do potencial de pequenos criadores ao financiamento do devaneio cultural caprichoso e inconsequente do estudante universitário, vai um saltinho.
P.S. - Ainda bem que começam a dar o devido valor ao Brecht.
xiii... as probabilidades ao nível quântico - que permitiriam que o gato atravessasse a parede - são de uma escala que não é para aqui chamada. A mecânica clássica nesta escala funciona perfeitamente e, de facto, o gato não atravessa a parede!, por mais tentativas que faças no voo do bicho.
Pois há diferenças entre o campeonato nacional de lançamento do anão e a Olga Roriz sim. Se preferes o anão, isso é lá contigo. Se queres uma definição inequívoca da boa e má cultura, da alta e baixa, etc, não há claro. That's the point! De qualquer modo, a Estética existe, possui contornos de cânone quando aplicada, não é definida pelas classes baixas, é reinterpretada ao longo dos tempos e determina assim, com maior ou menor flexibilidade na linha limite, as "distinções de culturas".
O gosto então como uma emanação individual é peregrino. Serão com certeza uma coincidência as diferenças culturais paralelas às diferenças de classe. As paredes "construídas subjectivamente na cabeça de cada indivíduo" foram lá colocadas por ele próprio, ou talvez pelo Espírito Santo.
Por último, gosto de te ver a distinguir o "potencial de pequenos criadores" do "devaneio cultural caprichoso e inconsequente do estudante universitário". Há salvação portanto, eheheh.
Não digo que a construção do gosto seja uma tarefa puramente individual e solitária até porque o ser humano é um animal social e mais não sei quê. Agora, que também não é refém da origem de classe do indivíduo, também é para mim bastante óbvio. Muito mais do que a origem socio-económica do indivíduo, penso que conta o destino pretendido, os estilos de vida com os quais se quer identificar e isso é feito de forma reflexiva no operário fabril como no professor universitário.
Agora, como é também óbvio, o leque de escolhas não é infinito. Toda gente está sujeita à diversidade cultural com que se vai deparando ao longo da vida (não posso gostar de teatro Nabuki se não souber o que isso é) mas também isso, com o advento da internet e dessas coisas em que és perito, é uma barreira cada vez menos relevante.
Finalmente, sobre a "Estética", não me parece que ainda exista nos moldes a que as nossas sociedades estavam habituadas. Não há estética, mas estéticas tal como não há moda, mas modas. E isso implica uma confluência de estilos ao mesmo tempo dominantes e dominados que fazem implodir essa velha teoria da definição dos parâmetros esteticamente admiráveis por uma classe dominante. Aliás, em bom rigor, a maioria das pessoas sempre se esteve borrifando para o facto de a ópera ser considerada uma forma cultural superior.
"o destino pretendido" e os "estilos de vida com os quais se quer identificar". Como se tivesse essa possibilidade de escolha. Que as classes são cada vez mais indistintas relativamente aos indivíduos que em cada uma pernoitam e há migrações de uma para a outra certo. Mas não é por isso que desaparecem no grande saco da "classe média". Ainda para mais na cultura onde as distinções, até pelos recorrentes discursos, quer de um lado quer do outro, são por demais evidentes.
Insistires na legitimidade das diferentes culturas só prova precisamente que as sabes distinguir, e que inferes isso da realidade (no sentido lato). O discurso anti-elitista existe por definição porque existem elites e o wishful thinking, excepto em casos clínicos, não vai alterar a sua existência.
Por fim, não sei quem é essa "maioria das pessoas" que se está borrifando para o facto de a "ópera ser considerada uma forma cultural superior", mas, já agora, é considerada por quem?
Não me fiz entender. Não nego a existência de elites ou, pelo menos, de grupos de pessoas que querem constituir uma elite. Eu digo que a distinção que é feita a partir desses discursos, não existe. Tal como digo que, a maioria das pessoas (aquelas que nunca foram a um espectáculo de ópera nem têm vontade disso) se está borrifando para o que estas "elites" dizem ser uma cultura legítima.
Pois, é aí que discordamos.
A distinção entre boa e má cultura ou alta e baixa, feita a partir dos discursos (e práticas) das elites e dos outros, existe sim. Se me disseres que, para ti, possuem a mesma validade, tudo certo. Agora que a definição de boa e má cultura, feita pelas elites é certo, condiciona a noção real e generalizada dessas mesmas definições, com as práticas e geração de conceitos consequentes - como valorização pelo poder público da boa cultura, o popular vs o erudito, as reacções das elites e dos outros aos diversos tipos de cultura (a maioria à ópera ou as elites ao folclore por exemplo) - não vejo como o negar.
A falta de vontade da maioria das pessoas a ir a um espectáculo de ópera é precisamente uma reacção a isso. Elas sabem que a ópera é diferente de um espectáculo do Emanuel. E se se estão borrifando para o que as elites dizem ser uma boa cultura, se calhar até estão, não deixam por isso de acreditar, de um modo difuso e sem dar por ela, que existem essas diferenças e reagem consequentemente.
Não te preocupes. Isto só quer dizer que eu estou do lado dos bons e tu estás do lados dos maus. Há muito boa gente do lado dos maus! ;)
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