Uma perspectiva feminista do Direito

A comemoração do centenário Dia Internacional das Mulheres é um óptimo pretexto para, perante amigas e amigos com quem tenho travado acesas discussões acerca da pertinência das teorias feministas, dar mais umas achegas ao debate e ajudar a desmitificar algumas considerações e assombros que ainda subsistem em relação ao tema.
Certas abordagens à questão dos direitos das mulheres, se circulam placidamente entre o meio académico e/ou literato, encontram no seu exterior enorme tracção.
Começo pelos “ismos”: o pensamento tecnocrata – e outros esforços porventura insuspeitos – instituiram um certo “fim da História” que se materializou na ideia corrente de desvalorização da Razão em prol do racionalismo mercantilista e que, por atacado, desvirtuou, aos olhos das sociedades sob o seu comando, qualquer forma de pensamento crítico. Consagrada a liberdade de consumir e o “direito” à esfera privada, vive-se hoje em sociedades militantemente anti-literárias e anti-culturais em que, de uma penada, qualquer teoria de ruptura é equiparada – os “ismos”– e activamente anulada, com o epíteto de fútil (em face de preocupações transversais a toda a sociedade) ou radical (no sentido de fraturante). O feminismo enquanto teoria e prática acaba, pois, por ser interpretado desta forma e acusado de constituir um entrave à liberdade pessoal.
Aceite isto, proponho uma forma de abordagem às particularidades do pensamento feminista que permita, simultaneamente, comunicar as suas intenções numa linguagem passível de ganhar maior base de aceitação: o Direito.
Admitindo que pensar as questões de género à luz do Direito implica uma deriva metodológica que obriga a uma análise transversal das diversas áreas do Direito – Penal, do Trabalho, Civil, Constitucional, etc, assumamos uma linha de estudo denominada Direito das Mulheres que, partindo da constatação de que as mulheres são social e politicamente desfavorecidas, tem por intenção a análise da situação jurídica das mulheres, com vista à promoção da igualdade. E esta transgressão metodológica tem por única razão de ser o facto de o Direito a) ter um papel constitutivo das práticas e representações de género e b) codificar representações de género que existem de forma endémica e maioritária no discurso das sociedades. Com isto, pretendo afastar acusações de “excesso legalista” que possam pretender ler aqui um secreto desejo de codificar tudo em leis e regulamentos quando o objectivo é precisamente o inverso.
Convidando à leitura de “Direito das Mulheres - Uma introdução à teoria feminista do Direito” (Tove Stang Dahl, Fundação Gulbenkian, 1993), avanço com algumas questões que me parecem centrais à discussão do(s) direito(s) das mulheres: a necessidade de, salvaguardando a diferença entre indivíduos, eliminar a desigualdade entre os géneros e a tendência, não isenta de preceitos ideológicos (também do discurso igualitário), para naturalizar os sentidos normativos dos diversos discursos sobre o género.

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