Leitura(s) sobre a proibição do veu e da burka

Só agora li este post da Mariana Canotilho e para além de o achar particularmente interessante, tendo a concordar na íntegra com ele. Confesso, contudo, que há alturas em que tive mais certezas do que outras.
Aquando a discussão em França sobre a proibição do uso individual - de forma "ostentatória" - de símbolos religiosos - basicamente, o que se queria proibir era o veú islâmico - fiquei profundamente irritada com esta intromissão do Estado na liberdade religiosa, de culto e/ou cultural de cada um/a. Por muito que isso nos possa por vezes custar, não cabe ao Estado procurar combater fundamentalismos ou supostos sinais disso mesmo com outros fundamentalismos, com a privação das liberdades individuais, até porque isso tende a ter efeitos contrários e a reforçá-los.
Não, não gosto, faz me tremenda confusão, até provoca repulsa ver mulheres cobertas até aos pés, porque o entendo como um sinal da submissão da mulher, como uma demonstração cabal das sociedades patriarcais em que vivemos nas quais as mulheres são oprimidas, menorizadas, remetidas para determinadas esferas e papeís profundamente desiguais, injustos, contraproducentes, imbecís. Mas, na verdade, quem me diz que por vezes o uso dessas vestimentas não é fruto de uma efectiva escolha individual? Ouvi e vi alguns exemplos disso mesmo em França, em que jovens mulheres afirmavam que o uso do véu era a sua escolha, não lhe tinha sido imposto, apenas elas queriam usá-lo por se considerarem mais protegidas, porque gostavam de o usar, porque sim. Dir-me-ão, claro, que elas foram educadas e socializadas para pensarem e dizer isso mesmo, ou seja algo que elas julgam que escolheram foi-lhes na realidade imposto pelo sistema e pela cultura dominante que as quer subjugar. Pois, é bem capaz, muito provável, quase certo, sim. Mas 1º: não posso do alto dos meus valores e principios afirmar cabalmente isso mesmo e 2º, acima de tudo, não acho que a solução passe, como o diz muito bem a Mariana, pela sua proibição pelo Estado*, também pelos motivos que já expliquei. Por uma questão de princípio: não quero que o meu, o nosso Estado, use meios que atentam contra as liberdades, por muito que o fim em si "até possa ser bom", porque se entra então num terreno perigoso e muito subjectivo de saber quando ou não o Estado pode ser atentatório de direitos fundamentais. Tanto mais quando essa imposição do Estado condiciona o direito à educação das pessoas, porque o que também estava em causa e vingou em França é a não aceitação e possibilidade de expulsão das jovens raparigas que usem o véu na escola. Houve jovens que foram intimidadas, expulsas. Resultado: foram postas em escolas integristas. Na altura pensei eu, "quer dizer! para além de subjugar as liberdades individuais ainda condiciona o direito à educação quando a frequência de escolas públicas poderia precisamente contribuir para que estas jovens possam emancipar-se".
Mas alguns/mas amigos/as meus/ minhas e reportagens televisivas também me mostraram outro lado, e fizeram com que ficasse na dúvida: o facto de jovens a quem era imposto o veú puderem, com esta lei, ganhar um espaço de libertação - no seio da escola - desse símbolo que lhes era imposto e as condicionava enquanto mulheres, na sua aprendizagem, nas relações que estabeleciam com os/as outros/as na escola e na forma como os/as outros/as olhavam para elas. O facto de jovens que não usassem o veu antes da lei serem discriminadas por jovens rapazes muçulmanos, agredidas verbalmente e por vezes mais, por não o usar. Alguns/mas amigos/as meus/minhas, vivendo nomeadamente na região parisiense, confirmaram-me isso mesmo: jovens mulheres que não o usassem eram tratadas como "merda" pelos "seus pares" masculinos, olhadas de lado pelas suas colegas que o usavam, postas em causa, chegando até por vezes à violência. O facto desta lei proibí-lo impedia portanto essa distinção entre as que usam e as que não usam e facilitava a sua integração com todos/as.
Foi aquando o debate em frança, que acompanhei de longe e já por estas bandas, que procurei formar a minha opinião sobre este(s) assunto(s). À partida posiconei-me logo contra este tipo de leis. Confrontada com visões contrárias, e com argumentos como os referidos em cima, fiquei na dúvida , li vários textos sobre o tema ilustrativos das 2 posições e o dilema perante este assunto, nomeadamente enquanto feminista, nunca ficou completamente resolvido, devo assumi-lo.
Ainda assim, leituras como este post da Mariana reforçam a minha posição inicial e a que continuo a manter. Recomendo, portanto, a sua leitura :)
*Adenda: não o disse no post porque uma das mais valias do Post da Mariana é precisamente de o dizer, mas mediante comentários a este post no facebook, fica a nota: É claro que a emancipação das mulheres passa antes e sobretudo - e isso vários/as dos/as decisores/as políticos/as agora preocupados/as com as condições de vida das mulheres tendem, na altura de fazer propostas ou de votar leis, a esquecer-se - por uma justa (re)distribuição da riqueza e dos recursos, pelo trabalho digno, um emprego com direitos, pelo fim da discriminação salarial das mulheres, por assegurar para todos/as o direito à educação, uma educação livre de preconceitos etc, ou seja, pelo assegurar e reforçar dos direitos económicos e sociais das mulheres (e dos homens) na lei e nas práticas, e acabar com os estereótipos de género.

2 comentários:

Joaquim Coelho disse...

A maneira de votar opiniões só porque se observou a vida num curto espaço de tempo da sociedade não dá para entender as mudanças naturais dos gostos, opiniões, educação, tradições que fazem parte da cultura de um povo.
Desde há mais de cinquenta anos que tenho seguido as mudanças da sociedade em diversos países europeus e tive o condão de prever muitas das desgraças que vão deformando princípios e regras que são o suporte da civilização ocidental. Não é admissível, porque seria perverso e criminoso, deixar que sejam os usos e costumes fundamentalistas, dos povos que são acolhidos nos países que lhes proporcinam melhores condições de vida, a ditar as regras de convivência pública, ostentando formas de vida que apenas devem ter em privado. Porque ao longo dos anos se não acautelaram os usos e costumes próprios dos países de acolhimento, os naturais dessas nações vão sendo ameaçados perante a onda de abusos e atentados contra a sua paz e segurança. Quanto aos emigrantes, deve prevalescer a máxima: "para cá do Marão, mandam os que cá estão."

magda alves disse...

Caro Joaquim, não me leve a mal mas não me apetece muito responder a um comentário tão "pomposo" na escrita quando basicamente o que diz e pensa é que muçulmanos/as = fundamentalistas = longe de nós ou se perto de nós: assimilação, e não integração. Não vejo em que é que uma mulher que use veu ou burka dita as regras da convivência pública, nem porquê é que o deveria usar só no espaço privado. O espaço público é de todos/as, a escola também. Não quer com ela conviver? ela não o obriga sabe e, deixe lá, desconfio que ela também não queira. Palavreado como "os naturais dessas nãções" e "para cá do Marão, mandam os que cá estão" é logo meio caminho andado para eu acabar uma conversa que ainda só tinha começado . Para além do que subjaz a esse tipo de concepções, deixe me só relembrar-lhe que há, caso não saiba, portugueses/as muçulmanos/as sabe, mulheres portuguesas que usam veu, é verdade.

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