Coscuvilhices pouco diplomáticas


O embaixador português em França lamentou a publicação dos telegramas das embaixadas dos EUA pela Wikileaks e assinala o impacto que a quebra de confiança que permitiu esta fuga terá no trabalho diplomático futuro, sobretudo na "franqueza e discrição" com que os relatos das embaixadas são enviados.

Na verdade, este "Cablegate" diz respeito a documentos que já estavam antes acessíveis a cerca de 3 milhões de pessoas, e que agora passam pelo lento crivo de alguns dos maiores grupos de media mundiais, que ficaram com o exclusivo do embargo dos documentos e estão a negociar com o governo dos EUA sobre o que será ou não publicável.

Mas o que se sabe já vai muito para além de declarações mais pitorescas em reuniões à porta fechada ou relatórios sobre perfis de políticos e empresários recheados com muita "franqueza". Pelo contrário, permite entender como os EUA vão construindo a teia diplomática que tem como grande objectivo o ataque ao Irão no mais curto espaço de tempo possível. Se dúvidas houvesse, bastará ouvir Netanyahu, o primeiro a vir a público dizer que estes telegramas só vêm dar razão à crescente retórica belicista de Israel.

A futura divulgação dos telegramas da embaixada portuguesa poderá esclarecer melhor a influência dos EUA sobre o governo português a propósito dos voos ilegais da CIA, e o primeiro telegrama revela já o nervosismo com as pressões do Bloco e do Parlamento Europeu sobre o governo.

Saber a verdade sobre as intenções e as escolhas dum Império que invade e destrói países ao arrepio do Direito Internacional não é "voyeurisme pateta" nem pode ser comparado à "divulgação de escutas telefónicas de natureza privada", como diz Seixas da Costa. E creio que até o embaixador concordará que a ordem dada no ano passado pela Administração Obama para espiar o secretário-geral da ONU não é mero assunto das "modernas comadres da eterna coscuvilhice", mas sim o maior sinal da falta de respeito que as Nações Unidas ainda merecem por parte do país que acolhe a sua sede.

(Também publicado aqui)

2 comentários:

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Luis Branco
Aceito naturalmente que nao concorde com a minha perspetiva. Eu, no entanto, mantenho-a. Posso perceber que o acesso ao conhecimento de alguns factos possa ajudar a clarificar situacoes que a Historia trataria de forma diferente, na ausencia destes dados. Mas a questao - e por isso o paralelo que fiz com as escutas - esta' a montante disso, esta na legitimidade em revelar dados que os autores dos textos (que sao diplomatas e nao criminosos) elaboraram no pressuposto da reserva. Em alguns casos, mesmo muitos, a sua credibilidade perante interlocutores que os tinham por sigilosos fica irremediavelmente comprometida. Noutros, correrao mesmo riscos pessoais. Que acharia se, como jornalista, houvesse uma devassa nas conversas que tem com as suas fontes?

Luís Branco disse...

entretanto o debate prosseguiu aqui:
http://www.esquerda.net/opiniao/coscuvilhices-pouco-diplom%C3%A1ticas-0

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