A crise como teatro político

Entra finalmente em cena a crise política esperada. E, sob o pano de fundo da crise económica, a austeridade encena-se como alternativa à austeridade. Daí que a tragicomédia da vida política portuguesa seja de má qualidade: um entretenimento ligeiro para fugir à realidade, previsível e pastoso.

PEC, o enredo interminável


PECado de surpresa, Passos Coelho afirma solenemente: o teatro acabou. E o número teatral sobre o fim do teatro parece resultar. Escreve um jornal de referência que a sala gelou. Apesar disso, todos sabem que a interpretação de Passos Coelho é fraca. Finge sofregamente não querer o PEC IV por calculismo político, para que seja já a sua vez de ir receber ordens da senhora Merkel. Por sua vez, Sócrates, que lhe tinha induzido a deixa, sabe como prosseguir a peça: o seu balão de oxigénio é o discurso “ou eu ou o FMI”, criador de instabilidade, o PSD será o filme de terror.

A crise política é esta dramatização vazia, a cortina que esconde o pacto político profundo para emagrecer o Estado Social e fazer pagar a crise aos/às mais pobres. Dramática mesmo é a nossa vida de austeridade imposta. O PEC é já o enredo interminável de um filme de terror social. E os que se declaram protagonistas da vida política portuguesa são apenas candidatos a produzir as suas sequelas.

(...)

Teatro da rua

Para além da instrumentalização passageira de Cavaco, os outros principais actores políticos vão fingindo que não se passou nada na rua. Talvez pensem que, se fingirem muito, a rua se esquecerá da força que sentiu. Talvez pensem que o discurso repetido da política da inevitabilidade há-de prevalecer. Talvez pensem que a televisão é o palco único possível da política e que esse palco é deles todos os dias. Mas o dia 12 de Março provou que a política pode mudar de palco. Provou que a inevitabilidade imposta se desfaz quando a vontade colectiva se afirma. Provou que a força de que não gosta destes enredos não está esquecida.

O teatro da rua é a política de novo socializada. E só esta força pode derrotar a austeridade, a memória selectiva do autoritarismo e o desejo de colocar os lucros acima das nossas vidas.


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