A crise da política e a política da crise

Este artigo corresponde a uma versão, que foi sendo alterada, de uma intervenção que não pude fazer na VII Convenção do Bloco de Esquerda. Está publicado também no Esquerda.net e constitui o último artigo de uma colaboração quinzenal regular com este portal, fechando simbolicamente um ciclo de dois anos iniciado com outro artigo que também era uma intervenção não feita na convenção anterior.


O debate das moções na Convenção do Bloco de Esquerda começou com a afirmação correcta de que uma Convenção serve para olhar para trás e para a frente. Este é o tempo dos balanços que nos possibilitam pensar o futuro. Acrescentaria, contudo, outra dimensão: uma Convenção olha para dentro e para fora. Olha para dentro porque é a forma de conhecer as forças e fraquezas que permitem preparar melhor as lutas futuras. Olha para fora porque a vida está lá fora. E se só olhar para dentro é vazio olhar apenas para fora é cego.

Nesta perspectiva, uma convenção não pode ser apenas um ritual de auto-motivação. Assim, teríamos apenas uma “convençam-se” em vez de uma convenção. E também não pode também olhar só para as câmaras de televisão na obsessão de repetir slogans sem discutir pensamentos e práticas. Uma convenção assim seria aquilo a que os especialistas chamam uma “Convenção-Sócrates”, um mero produto de marketing. O contrário do comício alargado, seria uma “Convenção-umbigo” que ignorasse quem, olhos postos no Bloco, procurasse aí respostas políticas à crise.

Não deveríamos ainda limitar a narrativa desta convenção a uma disputa sobre um arco governativo imaginário ou sobre uma sagrada “arca da aliança” da esquerda a ser descoberta. Sobretudo quando a urgência de hoje é construir uma frente anti-austeridade e anti-liberalismo o mais forte possível. E sobre isto há, creio, acordo nesta convenção: estamos todos juntos contra o austeritarismo.

Agora, na próxima campanha eleitoral e muito para além dela, o desafio é olhar para fora e responder à política da crise e, ao mesmo tempo, olhar para dentro e para fora e responder à crise da política. Essa política da crise que é a história do sistema político português que se repete primeiro como a farsa permanente do centrão e só depois como a tragédia social da crise. Essa política da crise que é hoje a ditadura fmiista. E não é um eufemismo dizer que o fmiismo seja uma ditadura social que pretende impor autoritariamente uma brutal redistribuição de rendimentos entre trabalho e capital.

A par da política da crise, vivemos hoje uma crise da política.

No mundo da política em crise, a política é uma carreira e não um compromisso de vida.

No mundo da política em crise, a política é um programa de televisão, um reality show com resultados viciados que acontece a horas certas e tem um lugar próprio,

No mundo da política em crise, a política é um palco, que é por si só um lugar de poder, e esse palco é pertença de alguns políticos que guardam para os outros o papel de espectadores, vincando uma divisão social do trabalho político.

A política em crise é a “política realmente existente”. E contra ela é a força da militância do Bloco de Esquerda que faz falta. Será inevitável que este mundo da política em crise se organize assim? Decerto que a política realmente existente é uma realidade rígida contra a qual embate o voluntarismo. Mas o mundo da política em crise é uma realidade construída. E, como todas as realidades construídas, não é inevitável. Tal como temos repetido que a política da crise não é inevitável, deveríamos também repetir com a mesma veemência que este mundo político não é inevitável. A forma da política implica, pois, escolhas.

Olhando para dentro, responder à crise da política é reinventar a militância significativa, pensar as possibilidades de mobilização transformadora. E, ao mesmo tempo, olhando para fora, responder às limitações das formas tradicionais de fazer política oficial porque é nelas que se reforça o perigo do populismo anti-político.

Assim, penso que, para construir esta militância significativa teremos de responder a várias questões:

- como ser eficaz comunicativamente sem cair na lógica mediática;

- como fazer crescer a participação militante e escapar à redução do militante a um voluntário tarefista;

- como reforçar uma democracia de profundidade que escape à facilidade organizativa do centralismo;

- como escapar às forças da institucionalização e aos enquistamentos burocráticos que significam, em qualquer organização e em qualquer tempo, o perigo de absorção da alternativa desejada pela “política realmente existente”;

- que encontro entre esquerdas políticas e sociais, as militâncias políticas e sociais.

Dirão que responder a isso é limitar-se a olhar para dentro. Sim, é olhar para dentro porque olhar para dentro permite pensar a nossa relação com o “fora”. E a questão é que, olhos postos por muitas e muitos no Bloco, as respostas que dermos dentro respondem também a quem de fora olha para o Bloco como uma esperança de inconformismo face à política realmente existente. Derrotar a “política da crise” é tão urgente como derrotar a “crise da política”. E só um partido anti-capitalista de massas o pode fazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário