O trunfo é cadáver

A declaração do presidente dos Estados Unidos sobre a morte de Osama Bin Laden deverá ser lida como um delicado palimpsesto. O significado político e estratégico da morte do inimigo nº 1 dos Estados Unidos possui um fundo simbólico que, eventualmente, nem os próprios E.U.A. conseguem digerir bebendo de um só gole este anúncio: the United States of America have conducted an operation that killed Osama Bin Laden, the leader of Al-Qaeda.
Desaparecido Bin Laden, anula-se para a guerra no Iraque e no Paquistão o princípio de relação nominal com que os E.U.A. desenham a sua política imperialista: desapareceu o rosto do terror. Degolada, a hidra multicéfala em que se transformou o "terrorismo" internacional poderá reagir de muitas formas, mostrando novos rostos, mais braços, novas formas de acção. Da mesma forma, os E.U.A. terão que desdobrar-se estrategicamente para conter essa hidra em fúria, com mais meios, mais guerras, mais mártires de um e de outro lado das barricadas.
Simbolicamente, o desaparecimento de Osama Bin Laden (mirificamente, às mãos dos E.U.A., como havia sido o seu aparecimento) representa as contas não ajustadas do povo americano que viu desaparecer familiares desde o 11 de Setembro, primeiro nos atentados, depois na guerra, mas igualmente de milhões de cidadãos e cidadãs do Médio Oriente que foram sacrificados em nome desta guerra contra um homem só - um homem que nunca ninguém viu, um cadáver à deriva no mar.
Como digerir essas perdas sem um desenlace, sem uma resolução que não seja "olho por olho, dente por dente"? Como pode a morte ser a bitola pela qual se rege a justiça?
Assim, politicamente, a morte de Bin Laden poderá vir a ser também o fim de Barack Obama se o povo americano e a comunidade internacional se lembrarem de fazer as perguntas certas: Como morreu? Como foi identificado? Como foi conduzida a missão? Porque não foi capturado com vida e julgado por crimes de guerra?

No seu anúncio, talvez nem Obama tenha compreendido de que forma privou o mundo de um momento catártico de pura justiça, de que forma se transformou ele próprio no estereótipo do cowboy branco, racista, impiedoso e vingativo que faz justiça pelas próprias mãos.

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