O armário e o elevador

O armário e o elevador

José António Saraiva é perspicaz. Consegue topar um gay num elevador pelo ângulo de inclinação da cabeça: “pelo modo como coloca os pés no chão, cruza as mãos uma sobre a outra e inclina ligeiramente a cabeça, percebo que é gay”.

José António Saraiva é também um magnânimo António Barreto de elevador: a partir dessa observação explica-nos a sua certeza que o número de gays está a crescer, concede até que haja “gays que nascem gays”, mas sabe que a explicação residirá mais no “efeito multiplicador” que “funciona como propaganda” do “assumir da homossexualidade por parte de figuras públicas”.

Substituiu assim a tese antiga de que os homossexuais andavam a “recrutar” crianças desviando-as sexualmente do seu caminho natural pela tese de que as novas armas de recrutamento são a propaganda pelos famosos e a pressão social: “alguns jovens que não têm inclinações evidentes acabam por ser atraídos pelo mistério que ainda rodeia a homossexualidade e pelo fenómeno de moda que ela assumiu em determinados sectores (…) Mas também há gays que se tornam gays – por influência de amigos, por pressão do meio em que se movem.”

A Sociologia de olhómetro de José António Saraiva complementa-se ainda com uma fina Psicologia que chega onde ninguém mais chegou: “o fenómeno da homossexualidade como forma de contestação deste modelo de sociedade em que vivemos, de afirmação radical de uma diferença (…) nunca foi abordado”. Assim, à tese das novas formas de recrutamento gay junta-se a ideia de que a homossexualidade é uma forma de contestação pós-contestatária em que a “exposição da homossexualidade” se tornou “um sinal exterior de revolta”. Os desavergonhados herdeiros do Maio de 68 terão trocado os posters do Che pela fornicação com alguém do mesmo sexo. São caminhos teóricos tão originais que não se percebem bem as consequências sociais de tal transformação do campo contestatário. Talvez se assista em breve ao surgimento de um black block com tiques efeminados ou talvez isso possa apenas ter lugar enquanto um pesadelo de arquitecto-jornalista.

Seja como for, o quadro de valores deste fenómeno está definido: o niilismo homossexual. O raciocínio é simples e vem na mesma linha brilhante de reformulação do preconceito (antes a conversa do recrutamento agora a conversa da ameaça à espécie pelo fim da reprodução sexual). Esses gajos assim não se reproduzem e porque não se reproduzem não têm utilidade e por estas duas razões não terão um sentido de futuro (“a opção gay é uma forma de negação radical: porque rejeita a relação homem-mulher, ou seja, o acto que assegura a reprodução da espécie. Nas relações homossexuais há um niilismo assumido, uma ausência de utilidade, uma recusa do futuro. Impera a ideia de que tudo se consome numa geração – e que o amanhã não existe. De resto, o uso de roupas pretas, a fuga da cor, vão no mesmo sentido em direcção ao nada.)”

Lá está, eles vestem-se de preto. Eles vestem-se de preto? Ou será que é ele que se veste de preto. No elevador alguém parece ter o efeito violento de um black block em dia de manifestação. Em direcção ao nada…

José António Saraiva está fascinado pelo fenómeno que descobriu. Percebe-se que foi por esse interesse sócio-psicológico profundo e apenas por ele que não terá tirado os olhos do jovem vestido de preto que se cruzou com ele naquele elevador.

Um comentário:

Carlos Carujo disse...

Falta esclarecer que este texto vem a propósito disto: http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=46207&opiniao=Pol%EDtica+a+S%E9rio

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