O sucateiro de Ovar

Era uma vez um pobre sucateiro que andava a mourejar no seu quintal quando o vento lhe traz de longe uma folha de jornal perdida que vai aterrar bem aos seus pés.
“Mas que temos nós aqui?” - pergunta-se o humilde respigador.
Abre a ressequida folha e logo se depara com uma fabulosa notícia que meditava sobre o PESGRI e a problemática da classificação do Catálogo Europeu dos resíduos industriais enquanto matérias-primas secundárias – nomeadamente “o empolamento dos quantitativos da produção de resíduos e a subavaliação da importância dos circuitos, muitas vezes desconhecidos, de reciclagem e de reutilização dos materiais usados”, matéria sobre a qual tinha a sua opinião muito própria.
Foi logo ter com um vizinho e perguntou-lhe:
“Oh, Armandinho, você que até tirou a quarta classe e nas palavras não tem quem o cace, não conhece por aí ninguém que tenha um lixo industrial para vender?” Respondeu-lhe o vizinho: “Pois, sim, vizinho, não hei-de ter?!” E continua: “Por menos de um nada faço-lhe esse favor. Tem por aí alguns euritos?” O pobre sucateiro leva a mão ao bolso da calça puída. “O... 2, parcos dinheiritos...”. O vizinho, rapina, lança-se à moedita e segue caminho, com a promessa de voltar para novo entendimento.
Passados dias, volta com as informações tão preciosas:
“Meu compadre Renato tem por lá umas coisitas e meu primo Pedregulho, outras coisitas tem. Veja lá, caro vizinho, como por menos de um nada se deixa Portugal mais limpinho.”
Põe o sucateiro pés ao caminho e por onde ele passava tudo ficava mais limpo: tirava daqui, punha acolá e cedo a sua casita cresceu em prosperidade. Mas não fazia invejas: sempre ao domingo, cachecol e bandeira, ia distribuir os ganhos entre a malta desportista e os pobrezinhos da aldeia.
Mas, certo e sabido, o azar sempre espreita à porta da gente escorreita... O vizinho Armandinho, vendo-lhe a casa a crescer, não contente com a maquia, vai-se ao pobre sucateiro reclamar nova quantia:
“Sabe, caro vizinho, pesa-me a responsabilidade de tanto bem distribuir. Para quem mais oferecer, melhor saberei retribuir...” - lamenta-se, de olhos mansos, o compadre. O sucateiro coça a cabeça, tentando reunir ideias, espantado como estava com o vizinho e as suas maneiras... “Pois não lhe dou mais nada!” - retorquiu e lançou-se de novo ao caminho.
No dia seguinte, pela aurora, aparece-lhe a Guarda à porta para o levar por prisioneiro à presença do Juíz de Fora. Que havia roubado, que era usurpador! Vá lá entender a gente o destino amargurado do homem trabalhador... Quanto aos outros malfeitores, por aí andam metidos, no negócio dos favores aos pobres desprevenidos.

Moral da história: Habilidade e conhecimento só são úteis a quem tem o descaramento.

5 comentários:

Miguel Cardina disse...

Oh novel inquilina deste quintal: mas que entrada triunfal!!!

Madalena Duarte disse...

Concordo com o Miguel. Entrada triunfal!
madalena

Anônimo disse...

Tem futuro.Como novel já merece o nobel !

Carlos Pires disse...

Um "self made men", mas com umas ajudinhas.

Frederica Jordão disse...

É Portugal contado às criancinhas! Memorizai estas historietas se quereis ter uma velhice confortável...

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