Nobre


Para ser sincero, muito me espantou o hype criado em volta de Fernando Nobre cujo nome nunca tinha visto sem que, na mesma frase, se falasse da AMI. É certo que parte da Esquerda ficou eufórica e a outra parte, histérica com o anúncio da sua candidatura mas, se na altura não percebi as reacções, hoje percebo ainda menos.

A declaração da entrada de Nobre na corrida parecia vazia de sentido mas é esse precisamente o problema: o vazio nunca é neutro, o neutro nunca é inócuo. Na história recente das sociedades ocidentais, as linhas divisórias entre políticos, partidos políticos e ideologias esbateu-se consideravelmente o que gerou, inevitavelmente, um discurso de descrença que, embalado por uma situação económica (e, portanto, social) frágil, leva tudo a eito. Ora, é precisamente nestas alturas que a ideologia mais faz falta. Porque os políticos não são técnicos, porque não há opções óptimas, porque não basta ser honesto, essencialmente, porque as escolhas privilegiam sempre umas coisas em detrimento de outras e as ideologias são conjuntos de orientações sociais (no sentido mais amplo) que nos permitem prever as posições dos nossos representantes em determinados contextos hipotéticos.

Ora, depois de se ter declarado nem de esquerda, nem de direita, nem do centro, Nobre vem agora dizer: "Eu vou por valores. Há muita gente que ainda não entendeu que já ninguém acredita nessas coisas da direita e da esquerda: acreditam em valores, em pessoas com carácter e com coluna vertebral.". É esta a grande diferença em relação à campanha de Alegre nas últimas presidenciais: para o bem e para o mal, afastou-se da lógica partidária mas não se afastou da ideologia.

Fernando Nobre, ou por ingenuidade, ou por calculismo político populista está prestar um péssimo serviço à democracia. Ao tentar federar os descontentes com os políticos, a política e os partidos, afirmando-se numa cruzada pela qualidade democrática, não faz mais do que corroê-la. Porque, na política, a neutralidade é muito mais venenosa e perigosa que a ideologia.

5 comentários:

Hugo Dias disse...

Boa análise Diogo. Concordo em absoluto com o que dizes sobre o Nobre. Basta destes chavões vazios, como se os valores não fossem orientados pela nossa grelha de visão da realidade, e como tal, permeada por juizos ideológicos. Agora, nesta disputa, falta também discutir a coerência. Não se trata de um ajuste de contas com o passado remoto, mas avaliar se o discurso tem repercussões na prática e nas opções que se foram tomando. Refiro-me ao Alegre é claro ;) Ainda andaremos muitos posts a discutir as Presidenciais!

Diogo Augusto disse...

O Alegre merecerá outro post. Aliás, a minha tese, ao contrário da do Miguel Portas, é a de que à Esquerda temos um défice de qualidade dos candidatos, não um excesso.

Hugo Dias disse...

Absolutamente! Também quero retomar esta discussão. A ver se confluimos ;)

toni disse...

sobre este assunto gosto mais do post do agrafo.

Brigite Cardoso disse...

Quando Fernando Nobre diz que não existe direita nem esquerda resvala para uma posição perigosa. Concordo que a neutralidade não existe e que todos os nossos posicionamentos são ideológicos. Mas não será que dizer que é por valores é precisamente reconhecê-lo? Precisamos é de saber claramente quais são esses valores. Temos bons exemplos históricos de políticas e políticos que se posicionaram como independentes de partidos fazendo um bom trabalho. E se a afirmação de que não existe direita nem esquerda colhe tantos "votos" (e não é há tão pouco tempo assim) será por despolitização do povo e por despolitização da política. Será porque o campo político estrito tem decidido pouco e cedido muito a outros campos. A candidatura de Fernando Nobre pode lembrar-nos que a política nacional continua aberta a todos os cidadãos e que nem só a carreira partidária prepara para o exercício de um cargo político. Reforcemos a democracia em todos os campos da vida pública e não precisaremos temer nenhum autoritarismo disfarçado.

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