O Diário As Beiras de Domingo passado trazia a seguinte chamada de capa: "Prostitutas de 66 anos". Se a chamada não fosse já de si um gritante exemplo do jornalismo mais chauvinista, resolvi ler a notícia que dava conta de uma incursão policial numa casa de Tábua, concelho de Coimbra, por suspeita de práticas de lenocínio.
Na impossibilidade de fornecer o link para a notícia original, remeto-me à notícia do Diário de Coimbra que optou por um título mais sóbrio na sua edição de 20 de Fevereiro.
Quando lemos a notícia, num e noutro jornal, torna-se evidente que as nossas sociedades, de uma forma global, ainda não adquiriram uma linguagem para facilitar a compreensão e a articulação da realidade da prostituição.
Começo pelas aspas - o símbolo do eufemismo por excelência - que abraçam, ao longo dos dois textos, expressões como "meninas" e "má fama" que, além do evidente mau gosto, revelam a hipocrisia e um laivo de provincianismo da parte de quem escreve.
As aspas voltam a repetir-se - e aqui remeto-me já ao texto do Diário de Coimbra - na citação do jargão técnico que as polícias usam para designar os e as intervenientes em redes de prostituição: "operacionais de serviço", "profissional de serviço no exterior" e prostituição em regime de "itinerância" são paliativos que, ao pretender designar de forma anódina, mais acentuam essa inabilidade e o postiço dos termos técnicos.
O tema não é consensual, tão pouco dentro dos activismos feministas. Quando, em 2002, prostitutas se manifestaram em Madrid pela regulamentação do sector de actividade e pela dignificação dos seus direitos, a palavra de ordem que usaram foi "Nem vítimas, nem escravas". A pretenção era legítima e revelava uma sobriedade inequívoca quanto à necessidade de se estabelecer um regime de regulamentação legal e tributária da actividade que, simultaneamente, desencorajasse e punisse as redes de tráfico, provendo pelos direitos básicos à protecção social e sanitária de mulheres e homens envolvidos nos negócios do sexo.
Pretensões legítimas se não se quiser falar de mais nada, dadas as configurações morais que (também legitimamente) rodeiam esta questão.
Voltando à chamada de capa do Diário As Beiras, a pergunta que se impõe é: mas com tantos anos de Caixa, essas senhoras não deviam já estar em casa, a tratar dos netos?
2 comentários:
Nem as prostitutas têm anos de caixa (a menos que adiram ao seguro social voluntário), nem esta notícia merece qualquer consideração. Onde é que já se viu serem precisos 32 agentes para resgatar 400 preservativos e uns trocos...
toni, era uma brincadeira aquilo da Caixa (e dos netos, etc). E sim, é de facto anedótico tanto aparato por causa de "431 preservativos, 522 euros, bem como uma nota de um dólar, quatro frascos de gel lubrificante, vários blocos de apontamentos, bem como seis telemóveis, para além da viatura".
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