Super Nojo III

A revista Meios & Publicidade enviou-me umas questões sobre o grupo STOUT IS OUT do Facebook. Aqui ficam as minhas respostas.

1. Algum de vocês está profissionalmente ligado ao meio publicitário?
Eu, Andrea Peniche, nada tenho a ver com o meio publicitário.

2. O que vos levou a criar este movimento?
Este movimento surge pela constatação de que a indignação perante o anúncio televisivo da Stout juntava muita gente. Um post na rede social Facebook demonstrou-o com toda a clareza e foi secundado com o debate travado nos blogs Arrastão e Minoria Relativa. Perceber que a indignação pode passar de um acto individual a um acto colectivo, é assumir a responsabilidade de travar uma batalha em nome daquilo que preconizamos. Foi o que fizemos.

3. Quais são os vossos objectivos, pressionar a suspensão da campanha?
Este movimento não tem direcção. É um movimento espontâneo, absolutamente aberto à adesão de quem o queira fazer. Nesse sentido, os objectivos de cada pessoa que se juntou ao Stout is Out serão diversificados. Posso falar-lhe daquilo que eu, pessoalmente, desejo. Em primeiro lugar, desejo que este tipo de publicidade, insultuosa para as mulheres, mas também para os homens, tenha resposta por parte da sociedade. Os insultos e a discriminação não devem ser sentidos como uma agressão individual, mas colectiva. Nesse sentido, espero não só que a Super Bock perceba que o sexismo ofende, nomeadamente os seus consumidores (homens e mulheres), mas também que esta linha de campanha é errada. O que exijo da marca é que me respeite.

4. Consideram que uma campanha de comunicação publicitária é suficientemente relevante para gerar uma onda de indignação?
Se achasse o contrário, não me tinha envolvido nela. Pode é dizer que não é a única, e isso é verdade. Não pretendo policiar a publicidade, mas também não pretendo calar-me sempre que me sentir ofendida por um anúncio. E este ultrapassa todos os limites do razoável. Mais, se a publicidade não fosse relevante para o imaginário social (que incita ao consumo), as marcas não investiam tanto dinheiro nelas.

5. Ficaram surpreendidos por verem aderir ao movimento tantos elementos do sexo masculino? Inicialmente não esperavam uma adesão maior da parte do sexo feminino, afinal de contas o anúncio retrata a mulher como objecto de desejo.
Não fiquei nada surpreendida. Aquele anúncio faz a apologia de um mundo destestável, tanto para homens como para mulheres. Fico muito satisfeita que haja tantos homens que não se revêem na imagem grotesca que fazem de si, onde o divertimento é sinónimo de cerveja, bola e «gajas» a servi-los.
As mulheres são retratadas como objectos, destinadas a servir os homens. Repare que nem sequer há qualquer espécie de diálogo entre eles. Eles estão a curtir, elas a servir. Há aqui um discurso claro de separatismo, de papéis sociais diferenciados, sendo que uns detêm privilégios e outras servidão.
Deixe-me também dizer que o anúncio me incomodaria igualmente se fosse invertido, isto é, elas a curtir, eles a servir. E incomodar-me-ia porque seria o retrato de uma organização social que abomino. Não existimos, homens emulheres, para sermos servis. Existimos para partilhar, em igualdade, tanto as responsabilidades domésticas como o divertimento e a fruição.
Do meu ponto de vista o problema do anúncio não é o facto de a mulher aparecer como objecto de desejo. Nada tenho contra o erotismo, na publicidade como na vida, nem tão pouco defendo a sacralização dos corpos: masculino e feminino. Mas não deixa de ser irritante ver a recorrente e abusiva utilização, para efeitos mercantis, do corpo das mulheres na publicidade. Ora é para vender um detergente, ora para shampôs, carros, seguros, viagens,telemóveis, comida, bebidas, etc, etc... Porém, isso apenas revela a falta de imaginação que têm os publicitários, que recorrem sempre à mesma fórmula. Não quero com isto dizer que o meio publicitário se resuma a isto. Bem pelo contrário. Considero a publicidade um campo fértil de imaginação. Mas este anúncio em particular é a antítese disso mesmo, uma vez que recorre e explora os sentimentos mais primários, reproduzindo e banalizando os estereótipos que sustentam a desigualdade entre os sexos. Aqui não há criatividade, há preguiça criativa.

6. Será que a indignação não é um pau de dois bicos? Além de se fazer com que a campanha tenha mais importância do que aquela que de facto tem, já que é assumida como uma brincadeira publicitária, acaba por se dar mais visibilidade com todo o burburinho que se gera nas redes sociais. Como comentam isto?
Esse é o mesmíssimo argumento que se utilizava, por exemplo, para não denunciar os skinheads: quanto mais se falar deles, mais se sabe que eles existem.
Do meu ponto de vista, este anúncio não é nenhuma brincadeira publicitária, até porque é uma estratégia continuada da marca. A marca procura masculinizar o consumo da Stout e, para tal, recorre à humilhação e menorização das mulheres (que, curiosamente, também são consumidoras de Stout, e se calhar em número mais significativo do que os homens). Faz uma apologia de uma sociedade onde os papéis sociais estão determinados e são desiguais: eles a curtir, elas a servir.
É um discurso de servidão feminina, já que elas não existem enquanto consumidoras, enquanto fruidoras do produto. Existem apenas para servir os homens. E por isso me irrita que me ignorem enquanto consumidora. É que as mulheres também bebem cerveja. Se isso não é importante para a marca, pois bem, deixam de contar com o meu consumo.
Pouco me interessa que a marca ganhe visibilidade com a indignação demonstrada. O que me importa é que a denúncia da servidão feminina, da menorização e depreciação do nosso papel na sociedade seja questionada. Importa-me que a sociedade perceba que não há silêncio perante a discriminação, porque ele é sempre cúmplice.
No fundo, aquilo que exijo da marca é RESPEITO: que me respeitem enquanto consumidora e enquanto mulher. (E esse respeito passa igualmente por exigir uma resposta à minha reclamação sobre a campanha, em email dirigido à UNICER, que não passe pelo pedido dos meus dados para me oferecerem cerveja).

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