A alegoria da sombra

Santiago Alba Rico apresenta-nos uma alegoria sobre a lógica sombria das intervenções governamentais na distribuição de riqueza. É que há quem viva à nossa sombra…

“Os carros, as mansões, as acções na bolsa, as jóias, as piscinas e os cargos públicos continuarão a pertencer aos ricos, mas os seus corpos, em compensação, projectarão sombras mais curtas e menos densas. A decisão foi tomada ontem pelo governo de Zapatero e entrará em vigor a dois de Setembro. Do mesmo modo e de acordo com o novo decreto, os pensionistas, os desempregados, os trabalhadores precários e os indigentes não chegarão ao fim do mês, passarão frio, vasculharão no lixo e dormirão entre cartões, mas em troca terão mais sombra por corpo e de um tamanho maior. Enquanto que Amâncio Ortega, proprietário da Zara, terá a sombra de um rato, um “mil-eurista” projectará a sombra de dois elefantes e um mendigo sem abrigo a de cinco edifícios de dez pisos. Por fim os pobres poderão fazer sombra aos ricos.
De facto, noutros países progressistas em que a medida vem sendo aplicada desde há anos, muitos pobres encontraram trabalho graças às suas sombras. Nos EUA, à medida que avança implacavelmente o deserto, os milionários contratam imigrantes ilegais e homeless (cujas sombras gigantescas mantêm vastas zonas de verdura) para proteger os seus corpos e as suas propriedades. Muitos pobres morrem de insolação, mas os seus cadáveres, mesmo ao meio-dia, continuam a projectar múltiplas e enormes sombras sobre o mundo.
Na Austrália, onde a desertificação ameaça a sobrevivência, a greve de sombras de Março passado acabou num massacre: “não podemos aumentar o seu salários sem reduzir a sua utilidade”, declarou o porta-voz empresarial. Milhares de sobreviventes fugiram para as montanhas e ali, à sombra dos seus avós, viram crescer bosques, campos de trigo e musgos de solidariedade.
Agora preparam-se para resistir.”
Santiago Alba Rico
Traduzido daqui.

Um comentário:

ClassecontraClasse disse...

Simplesmente excelente.

"ClassecontraClasse!"

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