Como não escrevo há anos no meu querido (é mesmo) blog e ontem ameaçaram correr comigo por razões atendíveis, decidi colocar em posta os comentários que fiz à hiperexploração da Andrea Peniche. Lá poderão ver o continuum dos comentários. Penso que não valerá a pena a acrescentar que os melhores são os do Diogo Augusto.
Frederica, percebi a tua ideia - e o Latour ;) O timing desta medida é revelador do seu objectivo: expandir a oportunidade comercial ao máximo de horas possível com o mínimo de encargos sociais e laborais com os trabalhadores. "Crise" oblige. Farei greve, também, contra isso. Mas quanto à liberdade de escolha, embora a diversidade da oferta possa ser, em si, um bem a proteger perante a condição atomizada do consumidor, ela não pode servir de argumento para financiar operadores comerciais esgotados e vazios, incapazes de reiniciar negócios economicamente atractivos e sustentáveis. Sejamos claros: este comércio dito - reforço, dito - tradicional é certamente vítima dos shoppings, mas é sobretudo vítima de mudanças sociais mais amplas às quais não quis, não soube ou não pôde responder. Ele há de tudo. Daí que eu tenha falado em política pública: benefícios fiscais, projectos comerciais comparticipados, vantagens no arrendamento dos espaços, etc.. Daí também a grande falácia: este comércio não pode competir com os shoppings (o que pela minha condição de consumidor e pelo meu estilo de vida é, no mínimo, óptimo), e o seu destino, a existir, é outro. Pensemos nas coisas por aí e talvez tenhamos alguma luz, como eu, que, por acaso, sou uma pessoa brilhante. A sério.
Ricardo Santos, os direitos dos trabalhadores são (até me sinto mal ao dizer isto) fundamentais. Eu até acho piada aos luditas e sabendo que esta história dos horários traz água no bico talvez, em algum momento, me oponha a ela. Mas o ponto é este: eu quero - muito - que a coisa avance se e só se forem fixados mínimos laborais como, por exemplo, sei lá, alguma dignidade e cenas tipo básicas, tazaver? O meu FMI é a OIT.
Andrea, ninguém está a dizer que os hipermercados são um serviço público, apenas que não há motivos válidos e abstractos para impedir que uma actividade económica aumente os seus horários de funcionamento e retire proveito de um padrão de consumo. Dizer que isto é sinónimo automático de precarização, das duas uma:
1. ou não te dás ao trabalho de explicar que é possível - de facto - teres comércio aberto 24 horas por dia sem que isso afecte um pintelho dos direitos e condições laborais dos trabalhadores (irrealista, mas ajuda a referenciar os princípios em que corre a discussão);
2. ou a tua concepção de mercado é verdadeiramente soviética e então discordamos de caralhudo.
Catarina Príncipe, eu vou ao Continente à noite e vejo lá muita populaça, às vezes até cheiram mal. Os pobres também compram, sobretudo no hipermercado, onde há «comer» barato. O sistema é mesmo fodido, é :/
Anarquista Duvall, a teu ponto é: o capitalismo explora logo sou contra qualquer merda em que ele apareça. Ai querem aumentar as merdas? Então, lá está, sou contra. Isto serve para tudo. Assim num dá, né? Mas isto tem piada: ai vocês acham que as mercearias são más? São bem boas! Vocês é que não as conhecem ;-) Conheço uma que é tão boa... ui. Conclusão: anda tudo a dormir (ou "alienado", como dizem os pseudomarxistas) e o Estado deve fazer pedagogia e dirigir, à chapada, o povinho parvo ao melhor sítio. Para seu próprio bem e em seu nome. Pois olha, era o que faltava. Mais: aqui em casa nem produtos biológicos entram.
Raquel, a sua questão é muito pertinente, mas serve para discutir legislação laboral, recompensas salariais e democracia empresarial. Ponto final. Estou consigo a 100%.
Pedro, sou individualista e egoísta e de esquerda. Como diria o Guterres, «é a vida». Quanto às motivações económicas e aos efeitos desestruturadores na cadeia produtiva deixe-me dizer-lhe que isto comparticipa de um processo bem mais amplo, que, em termos gerais, combato. Como já disse, talvez me oponha a esta medida pelo agravamento objectivo das condições laborais dos trabalhadores num contexto particularmente crítico. Mas lá está, não invento "outros" argumentos para ganhar a coisa. Estava a ir muito bem até nos presentear com os salmos, ou lá o que se dava na catequese: «também no campo social é mais uma machadada na alienação do "tempo livre" constantemente preconizada pelas actividades mercantilizantes e aquisitivas em detrimento do tempo de interacção pessoal». Só lhe digo que tenho interagido com tanto filho da puta que prefiro, largo, comprar rissóis daqueles caros, que têm um camarão quase tigre lá dentro. E comprá-los às horas que me apetecer.
13 comentários:
A mim tanto me dá que tu comas douradinhos como cries um porco na banheira; que te vistas no Continente ou que recorras aos serviços de um alfaiate.
No entanto, não sou indiferente ao facto de centenas de pessoas, em nome da «liberdade» do teu/nosso consumo e da possibilidade de uma actividade económica retirar «proveito dos padrões de consumo», serem, vá lá, «convidadas» a trabalhar aos domingos até à meia-noite, sabendo que isso lhes desestrutura, ainda mais e sem necessidade nehuma, as vidas. Na minha balança soviética, o direito destes trabalhadores a uma vida mais «decente» pesa mais do que o teu direito ao consumo dominical e do que aquela cena de tirar «proveito dos padrões de consumo». São escolhas e esta é a minha. Se ser soviético é opor-me à selvajaria, ok, agradeço o rótulo. Mas, por mais tentador que seja discordar do «caralhudo» contigo, acho que não é o caso.
Mesmo que seja para desfiares disparates e defenderes o teu compadre, é bom saber que venceste as artroses nos dedos e voltaste a postar. «Cum força» espero eu.
Andrea, essa é a confusão: as tais centenas de pessoas não sairão prejudicadas em nome das liberdades de consumo e de comércio. Sairão prejudicadas devido a um Estado capturado pela burguesia mais ranhosa. Um legislação laboral precarizadora e uma demorcacia empresarial inexistente são os grandes responsáveis pelos efeitos negativos desta medida. A esta conclusão, Andrea, todos nós chegámos. A diferença está entre quem debate o assunto com cabeça e aqueles que preferem criar trincheiras e, a partir daí, abastecer o debate com argumentos pirosos, tipo vinho de jantar de curso: desde que bata...
Concordo contigo Tiago em quase tudo :P
É verdade que o comércio tradicional encontra-se a morrer aos poucos devido à "massificação" dos shoppings, mas na minha opinião deve-se sobretudo à sua incapacidade de se reinventar. Aqui não se trata de defender ou não o mercado, trata-se sim de um negócio ser capaz de se adaptar a mudanças culturais e sociais que ocorreram nos últimos 15 anos.
Por outro lado, acho que é importante referir que a culpa não é só do comércio tradicional é também da ausência de políticas públicas, principalmente a nível autárquico, para combater a desertificação e degradação dos centros históricos nas cidades (zonas onde o comércio tradicional está mais presente).
Ainda sobre a reinvenção dos modelos de negócio o caso do mercado discográfico é um exemplo claro a este nível. É incompreensível que as editoras de música continuem a bater na mesma tecla contra a pirataria e não compreendam que houve uma transformação brutal na forma como se consome música actualmente. O único caminho que existe para a sua sobrevivência é através da transformação do seu modelo de negócio e consequentemente da sua oferta.
Quanto às lojas abertas 7/24h acabo por também ter de concordar que o problema encontra-se é na legislação laboral que precariza esse tipo de trabalho e que principalmente não recompensa devidamente as horas de trabalho nocturnas, horas de trabalho ao fim-de-semana e feriados, etc, etc.
Tiago,
Prezo desde logo a sua franqueza.
"sou individualista e egoísta e de esquerda" e "Só lhe digo que tenho interagido com tanto filho da puta que prefiro, largo, comprar rissóis daqueles caros, que têm um camarão quase tigre lá dentro. E comprá-los às horas que me apetecer" e só te falta dizer,independente das consequências de que daí advêm.
Bela concepção: prazer, necessidade e impulso são estes os alicerces para o progresso e desenvolvimento de uma sociedade.
Eu projecto-a, de outra maneira, assente em fortes pilares de solidariedade, liberdade, igualdade, responsabilidade com as consequências que daí têm que advir, nem que para isso me organize de outra maneira.É o justo equilíbrio entre os direitos e deveres.
Para te fazer a vontade termino num tom mais clerical, há princípios e valores que são santos.
Pedro
Tiago, à partida parece-me ingénuo separar o alargamento de poder e o aumento do lucro das grandes superfícies comerciais do combate à legislação laboral que preconiza menos direitos e o aumento do horário de trabalho semanal, sendo esta defendida justamente pelos donos das ditas empresas. Marxisticamente falando, estás a atribuir ainda mais poder económico e, por conseguinte, político à tal burguesia ranhosa a que te referes. Burguesia essa, que curiosamente utiliza o argumento paradoxal de que a disputa de um determinado mercado(géneros alimentares e afins) por cada vez menos empresas vai facilitar a vida ao consumidor e dar-lhe maior liberdade de escolha!
Pergunto-me se compartilhas essa visão relativamente às instituições financeiras, tendo em conta que foi precisamente a progressiva desregulação da actividade bancária desde o final dos anos 70 que levou a uma concentração massiva do poder económico numa quantidade substancialmente reduzida de bancos. Desregulação essa que supostamente também traria mais regalias aos "consumidores". O resultado está à vista, quem manda nos EUA e na UE são as instituições financeiras, quem perde é a democracia...
Não posso deixar de concluir que a tua concepção de esquerda cai inevitavelmente no primarismo da democracia representativa (a partir daqui estás à vontade para me chamares soviético). Ao defenderes, se bem percebi, que todos os serviços e empresas devem estar abertos ao Domingo, independentemente de tal ser necessário ao funcionamento da sociedade, estás a limitar consideravelmente a liberdade das pessoas conviverem e discutirem fora do seu horário e local de trabalho, uma vez que os seus dias de descanso vão andar sempre desencontrados. Isso não prejudica unicamente as relações com a família e amigos, como já foi dito, mas também a própria participação democrática na sociedade e a capacidade de associação e discussão pública. A menos que por participação democrática entendas unicamente ver os telejornais, mandar uns bitaites no café de vez em quando e meter a cruzinha de 4 em 4 anos.
Para mim, que sou de esquerda, é essencial defender mais espaço e capacidade de intervenção na sociedade fora do trabalho. E isso passa necessariamente por defender a redução do horário de trabalho semanal e limitar o trabalho por turnos apenas às empresas ou serviços que tenham necessidade absoluta disso, ainda que isso limite de alguma forma a minha e a tua liberdade pessoal.
Ser de esquerda é precisamente defender o bem estar e o funcionamento são da sociedade acima das regalias individuais. Logo, se eu não gosto de trabalhar ao Domingo não tenho o direito de exigir aos outros que trabalhem só para me facilitarem a vida.
André Filipe (e Pedro),
Como já disse lá para trás, não tenho dúvidas quanto à pureza e dureza capitalista desta medida. Mas como não reduzo o mundo ao capitalismo nem reduzo o capitalismo à pocilga, reconheço, numa deriva schumpeteriana (ui), que há utilidade no alargamento dos horários de funcionamento das superfícies comerciais. Bem sei que o bom e o belo para o consumidor pode não o ser - e neste caso não o é - para o trabalhador. Bem sei também que isto anda tudo ligado e que nestas merdas há comando hegemónico. Mas é nestes termos que faço o debate e é aqui que divergimos: eu compreendo tudo porque sou genial, tu, para aliviares a consciência do problema laboral, resolves a questão do consumo com as combalhotas de sempre: moralismo tolinho e desejo recalcado de engenharia social. O teu terceiro parágrafo é digno de encíclica papal. Quanto ao que é «necessário ao funcionamento da sociedade», olha, só Deus sabe.
"estás a limitar consideravelmente a liberdade das pessoas conviverem e discutirem fora do seu horário e local de trabalho, uma vez que os seus dias de descanso vão andar sempre desencontrados."
É inútil trazer à consciência dos ditos comerciantes de rua, tradicionais diz-se, que é preciso renovar, investir e inovar. Muitos tiveram a oportunidade de o fazer, mas valha-me Deus gastar o meu "pé de meia" a investir na loja que até hoje me tratou de encher os bolsos, fiz bem até aqui vou continuar a fazer o mesmo, embora que com isto não traga melhorias das condições do estabelecimento, na grande maioria desses comércios a própria higiene é deplorável, e não fazemos qualquer incentivo ao consumo a não ser concorrer as prémios de melhor montra nos tempos do Natal, com umas luzes e uns pais natais de chocolate, para correr atrás de um cheque de 250e que algumas autarquias ainda dão numa atitude que sinceramente é deplorável pois parece que estamos a dar rebuçados aos miúdos da pré-primária como incentivo após ter bebido o leitinho até ao fim.
O motor económico e em proporcionalidade directa social deste país são as empresas aka PMEs, e que muitas gostavam de não ter domingos pois é menos um dia de facturação. Enquanto olho para o "YoPlay" (loja de chineses) aqui mesmo á beira de casa e os vejo abertos até ás 22h olho para o supermercado ao lado que fecha ás 16h30m (em ponto!) e agora diga-me que moral tem esta gente para falar em trabalho e em domingos? Estão parados á anos num domingo qualquer. Se pudessem metade dos Portugueses viviam dos RSI e rendimentos mínimos e quando o problema deixou de ser estrutural para passar a ser social damos conta que "o problema de Portugal é estar cheio de Portugueses". Não se esqueça, caro André, que quem trabalha ao fim de semana é mais remunerado e se eu fosse um caixa do Continente não me importaria de o fazer pois ao melhorar a minha condição financeira melhora por inerência a minha condição social.
Abraço Tiago
Caro Jorge, três coisas:
1. Se não gosta das condições de higiene de determinado pequeno comércio peça o livro de reclamações ou, em último caso, faça queixa à ASAE. Da minha parte posso dizer-lhe que a única razão pela qual não faço as compras todas em pequenos estabelecimentos é o preço mais caro e a falta de certos produtos.
2. Ninguém ganha mais por trabalhar ao fim de semana desde que tenha um dia de descanso semanal. Faça o favor de perguntar a um caixa de supermercado qualquer se ele ganha mais nas semanas em que lhe calha fazer os domingos ou sábados.
3. Melhorar a condição financeira não implica necessariamente a melhoria das condições sociais, desde logo se isso for feito à custa da diminuição do tempo livre da pessoa e da sua capacidade de participar activamente na sociedade. Mais ainda, o aumento dos rendimentos não implica sempre melhoria da condição financeira. Basta olhar para proposta recente de revisão constitucional do PSD para verificar que seria necessário aumentar exponencialmente os rendimentos de toda a gente para compensar o risco acrescido de perder o emprego e os gastos acrescidos com a saúde e educação que esta traria.
1. A condição higiene imposta em cima era meramente exemplificativo do descuido a que os estabelecimentos chegaram nada mais, foi apresentada no meio do pacote promocional. A questão dos preços é sem dúvida relevante e normal que a compra em pequenas quantidades nunca pode competir com as grandes superfícies mas aí se encontra mais uma lacuna deste comércio, se não há competição possível nos produtos de rotatividade pois é necessário transportar novos produtos, regionais por exemplo, como chamariz ao estabelecimento. Esforço por parte dos pequenos comerciantes é nulo.
2.O tipo de contrato que é assinado pelos trabalhadores de grandes superfícies, não necessariamente de grandes lojas, contém já por si só as clausulas necessárias para que não sejam pagas horas extraordinárias pelos horários diferentes do restante comercio, e posso dizer-lhe que sendo conhecedor dos diferentes tipos de contrato, tanto de "comércio de rua" como de lojas de grandes centros comerciais, que o rendimento mensal do trabalhador "shopping" é superior por imposição ao rendimento de uma loja normal. Como tal e até aqui as irregularidades são mínimas.
3. Aqui entramos num campo muito mais complicado, nos dias que correm à espera então que haja uma conclusão sobre o OE2011 os partidos de extrema esquerda, BE e PCP (sim, extrema esquerda não foi engano), puxam diariamente a famosa frase "asfixia social" alocando o problema essencialmente no corte dos rendimentos, no congelamento salarial da função publica, nos cortes ao direito a RSI e fundo de desemprego. Então se a "asfixia social" moderna não é um problema de fundo económico, é o que então? Falta de tempo? não me parece... Sou completamente a favor do tempo livre e toda a gente precisa de o ter, realmente o horário "norte shopping" não dá estabilidade, certo! Que faço eu nos tempos livres se não tiver uma "microeconomia" pessoal que me permita gozá-lo? Deito-me a praguejar sobre os problemas e apanho uma depressão como uma já larga maioria dos Portugueses ou levanto-me e vou trabalhar mais um dia para ter o que gozar depois? A crise não dura sempre, nem que passe á conta de uma guerra qualquer (e que nos livrem disso), mas passa... Esforços para todos, eu também não gosto a esta hora de estar a trabalhar, e por falar nisso vou voltar ao activo...
Olá, Tiago.
Pelos vistos a JS não te faz assim tanto mal. Continuas em forma.
Abraço
AG
Ó Ana Gomes, por quem é! A JS é uma escola para a vida. Beijinhos à prima.
Ó Tiago, há mais AG (como, com um pequeno esforço, recordarás. Coitada da Ana Gomes, sem culpa nenhuma...
Reitero que continuas em forma, quanto aos efeitos da JS nem tanto.
Abraço
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