A ressaca traz sempre dores de cabeça. Neste caso, as que mais latejam são as dos sindicatos que não se conseguem livrar de uma imagem de mandriões com aversão ao trabalho. O governo centra a discussão nos números (o que conseguiu de forma particularmente hábil, declarando que não queria discutir números mas sempre foi disponibilizando um serviço em tempo real de contagem de grevistas assente em critérios manhosos), os sindicatos, papalvos vão atrás e a discussão que deveria ser gerada é abortada.
A greve contribuiu para alimentar a ideia de que a ela aderiu um conjunto de privilegiados que se pode dar ao luxo de fazer essas coisas. Ontem, num daqueles programas de "opinião pública", um "empresário" lá ia dizendo que nenhum dos seus funcionários fizera greve nem ele admitiria que tal acontecesse. O contexto social dos trabalhadores de empresas privadas (especialmente as pequenas) e as pressões sociais que impedem estes trabalhadores de fazer greve são atropelados e ficamos sem saber se estes trabalhadores fariam greve mesmo que o pudessem fazer. Muitos seriam certamente os que não a fariam e para isso contribui a actuação clientelar e pouco protectora de sindicatos tal como contribui a ideia de que a greve não resolve nada.
Na verdade, a greve não resolve mesmo nada. Mas é também verdade que a isso não é obrigada. A manifestação do descontentamento acontece essencialmente pelos que têm alguma consciência de classe e os que ficam de fora dessa lógica, aprofundam o seu afastamento em relação à actuação sindical. Mesmo admitindo os 3 milhões em greve, essa é uma pequena vitória sem repercussões. O governo sabe da animosidade dos trabalhadores de empresas privadas em relação aos "privilegiados" dos funcionários públicos e explora-a.
Ora, sendo verdade que as lógicas de repressão mais ou menos invisíveis são difíceis de combater, a inocuidade de uma greve com estas dimensões deveria ser, pelo menos, alvo de reflexão por parte dos sindicatos que, no contexto em que vivemos, poderiam e deveriam ser um instrumento democrático essencial no combate à injustiça das medidas de austeridade. Ou seja, podemos continuar a reclamar das coberturas jornalísticas das greves (que, neste caso, chegaram a ser vergonhosas com jornalistas que mais pareciam perdigueiros em busca de alguém que soltasse os habituais queixumes em relação aos transtornos provocados pela greve), podemos continuar a reclamar contra a indiferença de um governo que, mais do que apostado em reduzir o défice, está determinado em reduzi-lo de uma forma muito específica, mas enquanto os sindicatos não se repensarem e não conseguirem arranjar formas de federar eficazmente os descontentamentos, não terão a força necessária para uma greve como a de ontem como alavanca de reivindicação.
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