A confusa oportunidade da crise

Daniel Oliveira culpa pela crise “a agenda da direita liberal, que desregulou mercados, obrigando os Estados a endividar-se para salvar a economia” mas que foi concretizada pela social-democracia. Mas não deixa também de culpar “a esquerda radical”, um boi que aqui não é chamado pelo nome, por não ter percebido que este “era o momento para estar disponível para entrar no barco do poder e pressionar uma social-democracia desorientada. Na ânsia de crescer com o descontentamento, contentaram-se com as migalhas. O bolo ficou para a direita, que aproveitará o momento para dar a machadada final no Estado Providência.”

Proposição 1: a coitada da social-democracia andou desorientada antes, durante e depois da crise mas a disponibilidade da esquerda radical para se coligar curaria essa desorientação.

A tese das migalhas do protesto é afinal a tese da entrega do bolo à direita. Assim quem se opôs à concretização da tal “agenda liberal” torna-se um dos principais culpados por ela ir continuar a ser aplicada. A isto se opõe a possibilidade de ter entrado no “barco do poder” o que é equivalente a (para utilizar palavras do próprio autor) “ser apenas o gestor brando de uma austeridade criminosa” ou a acreditar que o PS mudaria tudo por o BE ou PCP entrarem em coligação...

Daniel Oliveira coloca ainda a possível derrota política do centro esquerda como uma “oportunidade”. Uma oportunidade para este espaço se definir e escolher de que lado está e uma oportunidade para as forças à sua esquerda serem “um elemento eficaz de pressão para conseguir reagrupar forças e para obrigar o renitente centro-esquerda a mudar de rumo”.

Proposição 2: O centro-esquerda (que é a social democracia desorientada) poderá mudar de bases e deixar de ser social-liberal e o papel da esquerda à sua esquerda é obrigar o renitente a mudar de rumo.

Temos então a tese da pressão eficaz que se pretende opor às migalhas de protesto. Uma tese que esquece que o compromisso de futuro e sem renitências do PS é com a austeridade e com o FMI. O PS é a parte da troika e o seu social-liberalismo sem desorientações é uma escolha já feita. O sonho de mudança do PS condicionaria a esquerda a uma ineficaz pressão eficaz face ao PS, a uma política que desiste porque reduz qualquer esquerda apenas a um lóbi para convencer o escorpião a mudar de natureza.

3 comentários:

Daniel Oliveira disse...

Isto é que é recortar um texto, sublinhando o que dá jeito e dando pouca relevância ao que atrapalha (o centro do artigo, que são as responsabilidades do centro-esquerda) para podermos fingir que debatemos com alguém. Uma regra para os debates à esquerda: estar de boa-fé. Basta reler tudo o que é dito sobre a reacção da social-democracia a esta crise para perceber que as responsabilidades são distribuídas nas proporções inversas ao que aqui é sugerido. Confunde-se quem quer confundir em vez de debater.

Carlos Carujo disse...

Quando se comenta um texto recorta-se sempre o que se achou relevante ou o que nos interessa. Quando se escreve algo não se pode escolher o que os outros acharão relevante ou o que os vai interessar. O que é uma coisa diferente de deturpar o que foi escrito. Aqui não há, penso eu, nenhuma deturpação do que foi escrito pelo que a ideia de má fé é altamente exagerada e não ajuda, ela própria, ao debate.
Dito isto, não me “atrapalha” em nada, nem percebo porque haveria de atrapalhar, a ideia da responsabilidade do centro-esquerda. Aliás, o meu “recorte” começa por aí mesmo. Não passo o resto do comentário a falar disso? Pois não: sim o centro esquerda aplicou a agenda da direita e deve ser responsabilizado. Não me interessa muito um debate sobre “proporções” de responsabilidade. Mas interessa discutir a própria responsabilização da esquerda que não aplicou o programa da direita por uma vitória da direita. Se tivesse embarcado no poder mudaria tudo? Ou teria lá estado para fazer essencialmente a mesma política de direita?
E interessa-me mais a posição da esquerda relativamente à responsabilidade do PS. Um problema que começa na avaliação das causas da aplicação pelos PS da agenda liberal. Pode-se sugerir que foi um descuido, uma desorientação, um momento mau, mas não será uma mutação duradoura?
E interessa-me a conclusão tirada sobre o papel da esquerda à esquerda do PS (e para não me acusarem de tresler nada deixo as frases: essa esquerda “não percebeu que esta era o momento para estar disponível para entrar no barco do poder e pressionar uma social-democracia desorientada” e “têm de ser um elemento eficaz de pressão para conseguir reagrupar forças e para obrigar o renitente centro-esquerda a mudar de rumo.”
Está em causa um modo de conceber o papel da esquerda e a discussão está aqui. O resto são fait-divers, não?

António Costa disse...

Pequenas notas:
O PS não está desorientado nem entrou em derivação, com Socrates, está igual a si próprio, isto é, liberal, conservador, sempre disponível para prestar vassalagem ao capital e ao imperialismo.
Este é o percurso histórico do PS e de toda a família política em que se insere em toda a europa e no designado "mundo livre".
O papel da esquerda não passa por ser moleta de políticas liberais, mesmo encaputadas com um discurso social-democrata, não é por entrar para o governo ou assumir compromissos parlamentares de apoio a um governo PS que vai conseguir que este mude de rumo.
Jamais o PS estará disponível para mudar de rumo, outros já tentaram e foram derrotados ou simplesmente sujeitaram-se, em nome de: se persistirmos talvez consigamos...blá...blá...blá.
A esquerda é que, imperiosamente, tem que mudar de rumo, assumindo as suas responsabilidades de modo claro e preciso, sem perder tempo com questões irrelevantes e politicamente oportunistas, isto é, a reboque de uma pretensa social-democracia, que já nem isso é, para a chamar à razão, para a pressionar de modo a obrigá-la a mudar de rumo, a orientá-la, porque, coitada, está desorientada.
A situação da esquerda é de si bastante difícil, tendo em consideração:
o refluxo das lutas e na capacidade de organização e acção dos movimentos sociais colectivamente organizados;
a profunda divisão histórica em que se encontra e não demonstra capacidade de a ultrapassar.
Estes e outros são os temas em que nos devíamos empenhar, e deixarmo-nos de perder tempo com casos e causas perdidas.
Garanto: estou de boa-fé, posso é estar deslocado, mas se for o caso retiro-me.

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