Educação à la "Prós e Contras"

Segundo a notícia do Público, à medida que a quantidade de jovens a frequentar a escola pública tem vindo a diminuir (fenómenos explicado, pelo menos em parte, pelas mudanças demográficas dos últimos anos tão eloquentemente abordada aqui), as escolas privadas têm visto os números de inscritos a aumentar.

A explicação é aparentemente simples: "As famílias que optam pelo privado procuram um ambiente seguro, um projecto educativo virado para o sucesso e um corpo docente estável, dizem os pais, os responsáveis pelas escolas, mas também os investigadores universitários." É o mesmíssimo discurso que transforma "trabalhadores" em "colaboradores", que transforma "cidadania" em "competitividade", que transforma "precariedade" em "flexibilidade" que transforma (atrevo--me a dizê-lo) "felicidade" em "sucesso". É o discurso que defende com unhas e dentes a ideia da construção de um projecto de via baseado na acumulação e diversificação curricular, é o discurso do "vamos arregaçar as mangas e levar este país para diante", é o discurso da santificação da tecnocracia, do reinado dos capazes e bravos.

É, finalmente, o discurso que abre espaço a que apareçam jovens engatatões e engatatonas, de fatos brilhantes, dentes branquinhos, currículos recheados, mesa reservada nos melhores restaurantes do Bairro Alto, empreendedor e sem medo do risco mas sem uma ponta de noção sobre cidadania e justiça social.

10 comentários:

Tiago Ribeiro disse...

Parece-me que retratas fenómenos articulados mas distintos. As novas retóricas do consenso encontram-se vinculadas aos interesses e aspirações - passo o simplismo - de uma nova elite social que descreves como cagona - e com razão. Já a atractividade crescente do ensino privado - a confirmar-se - poderá de facto estar relacionada com um corpo docente estável, ambiente seguro, entre outros factores cada vez menos associados - prática ou simbolicamente - à escola pública. Em todo o caso continuo a pensar que a escola pública persiste como referência educativa na sociedade portuguesa e que a solução para muitos dos seus problemas mais insuflados não requer um transplante do receituário privado, antes uma revalorização da sua função (e matéria orçamental, avaliativa, disciplinar e intercultural, p.e.), socialmente insubstituível.

Diogo Augusto disse...

E com "corpo docente estável" queres dizer "corpo docente não sujeito a concurso público e, portanto, recrutado a partir de critérios não claros"? E com "ambiente seguro" queres dizer "ambiente monocultural, exclusivamente de classe média-alta/alta, com portões de 3 metros, asséptica e completamente desligada da realidade extra-muros"?
É que são estes (não só mas também) os ingredientes que são deitados para dentro do caldeirão dessa elite social cagona.

Tiago Ribeiro disse...

Sim, Diogo. Corpo docente que não varia de mês a mês e cujos critérios de selecção não são necessariamente prejudiciais para os alunos. A justiça da escolha não pode ser confundida com o resultado educativo. Ambiente monocultural? Voto a favor. É uma redoma. Infelizmente o mundo - ou o resto do mundo - não é assim e a escola pública tem responsabilidades acrescidas. That's why... Asséptica e desligada da realidade são juízos de valor: também dizem muito de quem os profere.

Diogo Augusto disse...

Tu às vezes confundes-me. Isso é mesmo para eu responder ou esqueceste-te de pôr o ;) no final do teu comentário?

Tiago Ribeiro disse...

Volta a ler, que hás-de perceber. Agora sim: ;)

Diogo Augusto disse...

Nunca fui bom com adivinhas.

Tiago Ribeiro disse...

Então qual é a dúvida? Onde está a contradição? Deita cá p´ra fora!

Diogo Augusto disse...

Tenho-te em demasiada boa conta para acreditar que escreveste com algum grau de seriedade aquele comentário, pá.

Então uma escola com professores escolhidos por critérios justos e universais não será uma escola melhor? Não só porque os professores poderão ser melhores (nem é isso que está em causa) mas é a própria qualidade democrática da escola que fica valorizada e isso só pode ser bom, mesmo que não se reflicta nos resultados.

Em relação à monoculturalidade perdeste-me por completo, confesso.

Em relação aos juízos de valor, são-no mas este é um post sobre a minha posição política em relação ao assunto, não um ensaio sociológico.


Pronto, já desabafei!

Tiago Ribeiro disse...

1. Euzinho.
2. Estás a discutir abstracções e não o sistema educativo português. O problema da instabilidade procurou ser resolvido com Lurdes Rodrigues, incentivando a permanência por 3 anos na mesma escola dos professores colocados e penalizando a «migração». O que é certo é que os mecanismos nacionais de concurso nem sempre conferiam margem de manobra às escolas para suprir lacunas pontuais ou particulares. A autonomia das escolas e o fim dos mini-concursos devolveram responsabilidades acrescidas a cada uma delas no recrutamento do pessoal docente, sem quebrar os critérios «justos e universais» em vigor: que, se queres que te diga, são altamente discutíveis (ranking por antiquidade e nota final). O resto é paleio.
3. Não gosto de analisar a multiculturalidade a partir do pressuposto da sua desejabilidade. É um facto com que se tem de lidar e não pode nem deve ser de qualquer maneira. Penso que estamos inteiramente de acordo nesta matéria.
4. Afirmar que há coisas ligadas à sociedade e outras desligadas revela um juízo subjectivo sobre o que é uma ligação e o que é a sociedade de referência. Só isso. Uma escola em Viseu desligada da sociedade é muito diferente de uma escola em Lisboa ligada à sociedade e vice-versa.

Diogo Augusto disse...

2. Mantenhamo-nos nas abstracções. Apenas te digo que concordo que os critérios existentes possam ser discutíveis e que as escolas públicas têm deficiências. Mas e daí?
3. Concordo. Mas também acho que, anular o fenómeno criando espaços culturalmente (e socialmente, já agora) homogéneos, não é melhor maneira de se lidar com o assunto.
4. Ah! Mas eu tive o cuidado de pôr as coisas com a devida cautela. Eu não disse que as escolas privadas estavam desligadas da sociedade. Elas fazem parte dela! Disse que estavam desligadas da "realidade extra-muros" o que é completamente diferente e apenas se refere ao forte carácter privado e fechado sobre si mesmo dessas escolas.

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