France Telecom: desde 2008, 40 "acidentes de serviço"..

Esta notícia do Le Monde de hoje é assustadora: mais 9 suicídios de trabalhadores/as na France Telecom em 2010 por motivo de stress no trabalho (a somar ao 32 que ja tinham ocorrido entre janeiro 2008 e dezembro 2009). Fui acompanhando os outros casos e toda a polémica pública em volta de France Telecom mas pensava que - mesmo sabendo que não há milagres e que não se muda a organização do trabalho, os métodos, a "filosofia" de uma empresa (pressão pelos objectivos, etc) do pé para a mão - já não tinha havido mais casos em 2010, pois não, foram 9! O único "ponto positivo" da noticia é que o relatório entregue pela Inspecção Geral dos Assuntos Sociais apela a que 4 desses suicidios sejam reconhecidos como "Acidentes de serviço", ou seja responsabiliza, e muito bem, pela primeira vez, a entidade empregadora pelo suicidio de alguns/mas dos seus funcionários/as.

5 comentários:

Tiago Ribeiro disse...

É um facto curioso. Em Portugal começa a ser discutido na doutrina jurídica sobre acidentes de trabalho o chamado «dano psíquico» (com rebate profissional), embora esteja ainda muito distante de uma eventual ponderação judicial. Até pela complexidade necessária à caracterização do acidente: para além de ser difícil comprovar a sua ocorrência súbita (que depois terá progredido até ao suicídio), a verificação dos nexos de causalidade não deixa de ser problemática, sobretudo porque requer uma linearidade lógica e sequencial dos factos nem sempre facilmente reconstituível e atestável - nem podia ser de outra forma. Na perspectiva da economia do dano, seria importante saber se e como as famílias são indemnizadas: não sei qual é o regime de transferência de responsabilidade vigente em França, mas se a coisa começa assim não tardarão as reacções do costume (seguradoras nomeadamente). Não sei se reconhecer estes suicídios como acidentes de trabalho significa uma responsabilização efectiva da entidade patronal, como dizes, ou, pelo contrário, uma forma de compensar danos emergentes do «risco» e do «infortúnio» laboral. Se assim for, podemos ter o dano reparado mas o problema continua por resolver: não me parece que a coisa deva passar por aqui. Para além disso, a bizarria dos factos relatados - que, sejamos claros, desconhecemos por inteiro - não me permite integrar com facilidade analítica o problema na sinistralidade laboral. Talvez não haja chão para a responsabilização jurídica, mas há com certeza para uma grevezita - não por isso menos importante.

Diogo Augusto disse...

É ler o Durkheim. 'Tá lá tudo. Clarinho com'à água! ;)

magda alves disse...

Tiago, sobre o que dizes "Não sei se reconhecer estes suicídios como acidentes de trabalho significa uma responsabilização efectiva da entidade patronal, como dizes, ou, pelo contrário, uma forma de compensar danos emergentes do «risco» e do «infortúnio» laboral. Se assim for, podemos ter o dano reparado mas o problema continua por resolver: não me parece que a coisa deva passar por aqui"

discordo, acha que também pode passar por aqui. Agora, de facto nao sei o conteúdo do relatório da IGAS. Se vir mais coisas sobre isto, mando te pois sei que esta é agora e já há algum tempo a tua praia :)

Tiago Ribeiro disse...

Vou tentar clarificar: para que um evento seja caracterizado como acidente de trabalho não pode existir dolo ou negligência (das normas de segurança no trabalho) por parte da entidade patronal. Ora se o suicídio é reconhecido e reparado como acidente de trabalho, isso significa duas coisas: por um lado a oneração da da seguradora para quem a responsabilidade infortunística foi transferida; por outro lado o alívio da entidade patronal em matéria de responsabilização jurídica pela ocorrência. Se queres a minha opinião pessoal, acredito ser muito difícil provar o nexo de causalidade e não me parece sequer ideia muito razoável: não podemos confundir regulação laboral e política social com obrigações ressarcitórias, até pelo risco objectivo de contraprodução. Estas coisas não funcionam por noções ou intuições ético-políticas de justiça social. Em todo o caso, pelo que sei, no caso francês a resolução de conflitos laborais não possui sede judicial idêntica à portuguesa, a partir da qual enquadrei o problema. Talvez isso faça a diferença.

magda alves disse...

Ok tiago, percebo. Se bem que repara, de um ponto de vista muito pragmático, imagina: mesmo que com não sei quantos suicidios uma empresa teima em não reflectir e averiguar sobre as suas possíveis responsabilidades nestas ocorrências, e que portanto não mude a sua organização do trabalho, a(s) dinâmica(s) interna(s), o seu modo de relacionamento com o seu pessoal, etc, a sua responsabilização em sede de justiça transfere, ok, os custos para a seguradora mas tão depressa com certeza essa empresa não encontrará uma seguradora , pelo menos não com os mesmos preços, e pode ser que reflicta! :):) por outro lado, obriga ou pode obrigar precisamente essa empresa, nem que seja pela visibilidade pública que isso tem ou que sindicatos lhe darão, a repensar a sua "gestão interna". Mas sim se em termos ético-políticos como dizes tendo a aplaudir, também tenho noção que pode ser uma politização da justiça com perigos.

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