Os amigos do ditador


A chamada diplomacia económica portuguesa teve um ponto alto quando José Sócrates trocou as palavras "ditador sanguinário" por "líder carismático" na hora de ser recebido por Khadafi logo no primeiro ano de governo. Desde então, voltou lá quatro vezes para abrir as portas dos negócios do regime líbio aos empresários portugueses. E ainda esta semana, o ministro Luís Amado agitou o fantasma do extremismo islâmico por detrás dos protestos, repetindo os argumentos da sinistra conferência de imprensa dada por Khadafi na terça-feira.

Não foi a primeira vez que a hipocrisia da diplomacia económica se sobrepôs à defesa das liberdades e valores democráticos. Tão ou mais preocupante é a sua banalização, quando já ninguém se choca por ver misturados nos telejornais os cadáveres dos manifestantes chacinados em Tripoli e a preocupação dos banqueiros e exportadores portugueses pela fatia de negócio ameaçada.

Admitamos por isso que na galeria de amigos do ditador, Sócrates e Amado estão na fila dos interesseiros. Mas há outros nomes na galeria que podem surpreender. Homens influentes e bem pagos por lóbistas e consultoras para ajudar a fazer dum ditador "um líder carismático" aos olhos do planeta.

No centro desta operação esteve a firma de consultores Monitor Group, contratada por Khadafi para estudar e melhorar a competitividade da economia líbia - o autor é Michael Porter, que fez idêntico estudo em 1994 para o governo de Cavaco Silva.

Num documento revelado pela oposição, o projecto era inventar e vender a imagem duma nova Líbia, "apresentando Muammar Khadafi como um pensador e intelectual". Na primeira fase do projecto, há quatro anos, foram promovidas visitas à Líbia de personalidades seleccionadas. O mais surpreendente será sem dúvida Richard Perle, o neoconservador conselheiro de Bush e que era o segundo responsável pela defesa norte-americana na presidência de Reagan, quando os EUA bombardearam Tripoli e Reagan chamou "cão louco" a Khadafi.

Sabe-se que Perle reuniu com o vice-presidente Cheney acerca dos dois encontros que manteve com Khadafi. Mas aos outros convidados estava confiada outra tarefa: a de ajudar o mundo a perceber as mudanças em curso no país. Aqui aparecem nomes como o de Anthony Giddens, que depois publicou no New Statesman um artigo apropriadamente chamado "O Coronel e a sua Terceira Via", depois republicado no El Pais e no La Repubblica. Ou ainda Francis Fukuyama, que depois de duas visitas a Tripoli deu conferências intituladas "As minhas conversas com o Líder"… No campo dos negócios e tecnologia, o escolhido foi Nicholas Negroponte, director do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e irmão do então director nacional dos serviços secretos, John Negroponte. Nicholas dirigia o projecto "Um computador portátil por criança" e depressa substituiu o Egipto pela Líbia nos países-piloto. No fim de 2007, a Intel e a Microsoft anunciavam a venda de 150 mil portáteis ao ministério da Educação da Líbia.

Pelos vistos, a acção destas personalidades tão eminentes veio iluminar Sócrates e Amado, que mostraram ter aprendido bem a lição: de ditador sanguinário a líder carismático vai a distância duma transferência bancária urgente.

(Publicado no portal esquerda.net)

3 comentários:

Alexandre disse...

"Não foi a primeira vez que a hipocrisia da diplomacia económica se sobrepôs à defesa das liberdades e valores democráticos" Mas que valores democraticos? É irritante esta ingenuidade de tratar os sistemas como tipos ideiais, conceitos que são puramente teoricos e falsos.Que liberdade democratica encontras hoje na democracia portuguesa? Quem é que fica honestamente chocado com o "pragmatismo" daqueles que andam sempre coma democracia na lingua, e as negociatas no bolso?

Luís Branco disse...

Alexandre, felizmente há muita gente que reage mal a estas operações de branqueamento da imagem dos ditadores e que até se choca honestamente quando vê o primeiro-ministro na tv a desfazer-se em elogios ao Khadafi.

Alexandre disse...

Até parece qe foi a primeira situação de real politik, em que aos aliados se esquece tudo em prol do mercado! E até parece que se estivesse lá qualquer outro no cargo, não iria proceder igual...Continue-se a defender o nado morto da democracia representativa!

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