Vontade de governo
Pequenas questões políticas à parte, interessa-me regressar ao que significa este triunfo súbito da vontade de governo que atravessa o discurso da esquerda.
Em primeiro lugar, interessa-me porque é uma tentativa de resposta ao que muitas gentes de esquerda sentem. Chegam a qualquer um os ecos de pessoas que dizer estar fartas: fartas de serem governadas pelos mesmos de sempre com a mesma política de sempre, fartas de quem só diz mal mas não propõe nada (ainda que a esquerda jure sempre que tem propostas, este discurso é repetido mesmo pelas pessoas de esquerda), fartas dos protestos que fazem e que acabam “por não dar em nada”, concluindo-se que são em grande parte inconsequentes.
Em segundo lugar, interessam-me as cedências que contém a resposta do governo de esquerda. Claro que é necessário dialogar com os anseios que estão implícitos neste discurso, com a sua vontade de mudança política, de unidade, de responsabilidade. Mas a resposta do governo de esquerda parecendo uma via rápida de resposta a tudo isto, acaba por nos conduzir ao dilema: ou se quer mesmo ser governo à força toda e aí cede-se o fundamental do projecto político fazendo-se a defesa de um programa oposto àquele com o qual se está disputo a governar, ou se utiliza apenas o discurso do governo de modo inconsequente, sabendo que este não se irá concretizar.
Que tipo de resposta é esta de que nós é queremos mais do que o vizinho ser o governo de esquerda?
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de mudança? Não porque encarna a mudança numa forma não concretizável e que está destinada a gorar as expectativas que gera. Para já, um governo de esquerda ou se faz com o PS, e aí seria ceder ao austeritarismo liberal, ou sem o PS, o que neste momento não responde à vontade concreta de mudança porque é apenas uma miragem (e eu, em princípio, não tenho nada contra miragens desde que não se vendam como estando ali à esquina).
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de unidade? Não porque começa e acaba por colocar a unidade apenas em termos eleitorais e não porque a unidade possível entre PCP e BE não se concretiza facilmente e poder-se-ia repetir que a unidade destes com o PS neste quadro é tudo menos uma unidade de esquerda, apenas seria um serviço à troika.
Ao propor um governo impossível nestas circunstâncias a esquerda está a responder à vontade de se mostrar responsável? Talvez esteja, mas aqui é porque aceita que responsabilidade só tem quem jogue o jogo na sua modalidade mainstream, só haveria uma respeitabilidade mediática ou de governo, aceitando-se que qualquer projecto alternativo seja por natureza inconsequente, sobretudo se for ameaçador de alguns consensos e como tal atacado fortemente.
Mas aquilo a que a “vontade de responsabilidade” não pode ceder é ao chavão de que “protestar vale pouco, é brincar”, de que a política não se encaixa na forma do protesto, de que o protesto é uma pequena zanga que nos afasta da grande política. Um discurso de protesto terá certamente de apresentar alternativas e uma prática de protesto deverá ser inteligente e “responsável”. Pois claro, blá, blá, blá. Acontece que a desvalorização do protesto, porque não chega ao poder, é todo um programa. E não creio que seja lá muito de esquerda.
Portanto, quem quiser que compre o governo de esquerda como a solução genial para todos os problemas do país. Quem quiser que tente utilizar o governo de esquerda como palavra passe para entrar numa modalidade discursiva que pareça aceitável aos olhos mediáticos que querem fazer opinião. Agora, quem estiver contra a austeridade será, diga o que disser, um pária mediático, apresentado como ultrapassado ideologicamente, irrealista e cujas soluções dariam cabo do país. E face a isto não há política boazinha ou bem intencionada que sobreviva. Ou até, se houver alguém que queira trocar aquilo em que acredite por um lugar num governo PS, justificando que pensa que a sua magia vai “influenciar” decisivamente os rumos do país no seu casamento com um PS totalmente rendido à austeridade troika, que seja feliz ao fazê-lo.
Não é por aí que nos encontramos e não será essa a unidade da esquerda. Responsabilidade encontrá-la-emos nas formas de luta que soubermos estabelecer e na força que conseguirmos convocar face ao descalabro social programado pelos defensores da política da crise. Responsabilidade será não ceder a desvalorizar, aberta ou implicitamente a luta, o protesto. Porque é aí que está uma qualquer, por mínima que seja, possibilidade de mudança. E porque é aí, mais do que noutro lado, que nos encontraremos.
Louco por pretzels

Rui Rio, o presidente de câmara mais alemão do país, prepara-se para inaugurar mais um episódio do Circuito da Boavista já nesta sexta-feira. À boleia das corridas, espera ele que um mínimo de 32 milhões de euros entre directamente para os cofres da autarquia.
Tendo em conta os prejuízos das edições anteriores, penso que Rui Rio se estará a referir ao incalculável valor coltoral desta iniciativa, na formação de públicos e criação de massa crítica na áreas da motorofilia, pneus e juntas afins.
No ano em que o FITEI teve de reduzir o número de dias e o Fazer a Festa foi desalojado do Palácio de Cristal, congratulem-se os amantes de carros, motas e cheiro a gasolina queimada que vão passar o próximo fim-de-semana com gasosas na mão e panamás na cabeça, a ver os “aceleras” percorrer as avenidas, agora pistas, da cidade.
Nós, os outros, enquanto a direcção não muda vamos arranjando outros escapes.
A Bruna americana
Depois de muito criticado por usar apenas uma toalha presa à cintura, Anthony Weiner está a ser pressionado para atirar a toalha ao chão. Até o progressista Obama juntou a sua voz aos apupos de “imoral, vergonhoso, inadmissível” e fala de “distracções pessoais” num discurso tão sexualmente limpo que chega a comparar sexualidade com hipotecas.
Agora, Weiner vai gozar uma licença para efectuar um “tratamento profissional”.
Que tratamento? Envolve terapia de casal para tirar fotografias em conjunto com a esposa, Huma Abedin? Implica ensinar-lhe os prazeres da pornografia online? Ou massagens tailandesas de fazer esquecer qualquer romance virtual?
Se as fotografias foram tiradas em casa, na banheira do congresso ou no restaurante Chaxoila, é-me indiferente. O que Weimar faz com os seus retratos, mais ou menos em pelota, é com ele e com Huma. Se ela não gosta da forma que o marido se diverte na internet, vai haver quem lhe critique o gosto, mas é lá com eles.
Apesar de tudo indicar que o percurso político de Weiner está seriamente abalado, haja esperança, numa sondagem efectuada hoje, 56% dos eleitores nova-iorquinos considera que Weiner não se deve demitir.
Talvez, os tempos estejam a mudar.
A dialéctica do ingénuo e do cínico
Sei que me devia andar a dedicar ao aprofundamento da blocologia a que, por estes dias, toda a gente se dedica, da blogosfera até aos cafés (não necessariamente por esta ordem). Sei que, mais uma vez, gastei tempo demais num texto que é chato, inútil, deslocado da realidade e que não ajuda a responder aos problemas que aí estão, que poderá ser treslido e até usado contra o próprio. Sei que devia ter refinado a (auto-)ironia. Sei que devia ter colocado uma advertência no texto do género: cuidado toda semelhança com a realidade é pura coincidência. Sei que devia ter atribuído os créditos devidos ao Espinosa. Mas, como noutras vezes, o texto escreveu-se e impôs-se tal como está… Fica aqui uma amostra:
Chega-se à política. Quando se chega, novo ou velho, não se vem de um estado de natureza, de uma inocente pureza apolítica, e essa chegada não é marcada pela redacção, a partir do zero, de um contrato social de participação política que reescreva tudo o que somos. Chega-se por algumas razões e traz-se determinada atitude. E estas já eram políticas antes de o serem e terão efeitos políticos no trajecto que se siga. Simplesmente, chega-se à política tendo sempre estado nela.
Pode-se chegar à política para se aproveitar dela, pode-se vir para se entregar a esta sem procurar nada em troca. O comum dos mortais trará na bagagem uma mistura em doses diferentes de entrega altruísta e de procura de benefícios materiais ou imateriais, conscientes ou inconscientes. Introduzida uma primeira ressalva óbvia de que não se pode pensar a chegada à política a partir do zero absoluto, introduz-se agora outra, igualmente óbvia, para nos prevenir que não existem categorias fechadas. Mas, apesar de tudo, falemos em cínicos e em ingénuos porque convém.
Para facilitar a tarefa, tomemos, a meio caminho entre a experiência conceptual e a caricatura, o ingénuo enquanto modelo possível do recém-chegado à política. O ingénuo chegará porventura carregado de certezas: as suas escolhas políticas são as melhores por natureza, os seus companheiros os mais abnegados e competentes, a organização em que ingressa é excelsa, o que permitirá abrir o caminho da perfeição social ou, para ingénuos menos ambiciosos, será a via única para uma melhoria substancial da sociedade. Daí que possa reagir por vezes violentamente à crítica que ameace este quadro de perfeição procurando manter um idealismo simples, escapar a qualquer crítica externa ou qualquer dúvida interna.
Acontece que, assim sendo, a posição do ingénuo político é periclitante porque terá de se esquivar permanentemente à crítica e à dúvida. E ou luta com todas as suas forças para ser ingénuo toda a vida política ou pode acabar por se desiludir. Aliás, ouve-se frequentemente dizer por aí que o seu destino é sucumbir aos sucessivos choques da realidade e, desiludido, transformar-se.
O conteúdo completo está aqui.